Diálogo urgente

Festival Artes Vertentes une diferentes manifestações artísticas e realiza estreias mundiais de diferentes compositores

É festivo, ou não seria um festival. E pretende também a reflexão, o diálogo, a formação. De 12 a 22 de setembro, a oitava edição do Festival Artes Vertentes ocupa a pequena Tiradentes, joia do barroco mineiro, propondo mais uma vez um mote que guie o diálogo entre os fazeres artísticos – literatura, música, dança, artes plásticas, cinema, teatro. 

Nos últimos anos, o festival passeou pela loucura, pela fé, por crime & castigo; em 2019, aposta na comunicação. A proposta, ou provocação, é “O último grito antes do silêncio eterno”, inspirada na frase que encerrou a utilização do Código Morse pela Marinha francesa, disparada em 1997: “Chamando todos. Este é o nosso último grito antes do nosso silêncio eterno”. Vozes que silenciam, meios de contato que se transformam; o entendimento e a entropia.

“Sempre senti necessidade de estabelecer para o festival um fio condutor que fosse pertinente para a compreensão da sociedade contemporânea”, explica o pianista Luiz Gustavo Carvalho, curador do evento desde a primeira edição. “Isso potencializa a atenção e a tensão, no bom sentido, de toda a programação, evitando que o festival seja uma colcha de retalhos ao permear todas as linguagens artísticas.” A ideia central permite, segundo ele, que os muitos eventos diários – “às vezes são mais de dez por dia” – se desdobrem com organicidade: são três espetáculos teatrais, seis sessões de cinema, oito eventos com poesia e 18 concertos. 

Na curadoria musical, as ideias sobre a comunicação se estendem em diversas direções – desde a voz feminina na composição, abafada durante séculos, caso da compositora Hildegard von Bingen, até a voz de Marielle Franco, homenageada pelo Concerto nº 4 para violino e percussão, em forma de via-crúcis sobre o nome de Marielle Franco, que estreia no Artes Vertentes: “Vozes femininas, que ainda não ocupam o espaço que deveriam. É instigante trazer esse tema para a música”, continua Gustavo. “Teremos um ciclo de concertos dedicados à correspondência de Robert e Clara Schumann; Eliane Coelho de volta ao festival interpretando também Schumann com o texto das cartas de Maria Stuart. Eliane também interpreta Lieder de compositores tachados pelo nazismo de “degenerados” – Erich Korngold, Arnold Schönberg, Gustav Mahler e Viktor Ullmann.” Vozes reprimidas, portanto. 

As dimensões reduzidas da cidade histórica têm papel no eixo conceitual do Artes Vertentes ao proporcionar uma convivência maior dos artistas entre si e com o público. “O festival acaba se tornando uma plataforma de trocas”, assegura Carvalho. “Por exemplo, no ano passado Harry Crowl ouviu um duo de percussão e violino aqui, tocando uma peça de Koellreutter, e escreveu uma suíte inédita para essa formação e esses artistas. Sem falar em encontros que se transformaram em colaborações, caso dos violinistas Elissa Cassini, franco-americana, e do britânico Daniel Rowland, que passaram a tocar frequentemente pela Europa, ou do quarteto de cordas e percussão de Schnelzer, que estreou em 2018.” Além dessa convivência estreita, Luiz Gustavo cita o contraste da arquitetura colonial com a arte contemporânea como fator que mantém o tônus do evento – a tal tensão.

Além da estreia da suíte de Harry Crowl, haverá uma segunda première, a peça Para o início dos tempos, escrita para marimba e piano, do jovem mineiro Sérgio Rodrigo; a presença ainda pela primeira vez no Brasil da violoncelista Kristina Blaumane, solista e spalla de naipe na Filarmônica de Londres. Claudio Santoro e Villa-Lobos ganham foco especial – de Villa serão ouvidos, por exemplo, todos os Choros em formação camerística. Canções da música popular – como as de Chico Buarque e João Bosco – ganham um espetáculo com a mezzo soprano Renata Vanucci e o violonista Guilherme Vincens; Radamés Gnattali e Paquito D’Rivera, que alternam e combinam universos clássico e popular, estão na programação. 

Vale destacar que, desde 2013, crianças da cidade têm educação artística ao longo do ano todo. “É importante para nós que o Artes Vertentes não seja apenas um evento anual, mas que se crie um elo permanente e desenvolvimento artístico junto com a cidade.” O festival tem patrocínio do Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais, de pessoas físicas pela Lei de Incentivo à Cultura e do grupo Sada. “Esse tema da comunicação não é apenas importante; é urgente olhar a perversão do mundo de hoje nesse aspecto”, ressalta Luiz Gustavo Carvalho. “Com tantos meios de comunicação eficientes, estamos nos comunicando cada vez menos!” 

AGENDA
Festival Artes Vertentes
Dias 12 a 22, Tiradentes, MG