A vida de Francis Poulenc 

por Camila Fresca 01/10/2015

Na virada do século XIX para o XX, uma figura mexia com a cabeça dos jovens músicos na efervescente Paris da Belle Époque. Embora pouco prestigiado nos círculos convencionais, Erik Satie foi personagem importante no cenário de vanguarda parisiense do período. Entre os músicos e os movimentos que ele inspirou estava o Grupo dos Seis (uma alusão aos russos do Grupo dos Cinco), que, a partir de 1920, reagiu contra a influência do Romantismo e do Impressionismo e que era formado pelos jovens músicos Darius Milhaud, Arthur Honegger, Francis Poulenc, Georges Auric, Louis Durey e Germaine Tailleferre.

Reunidos pela amizade, esses compositores passaram a se identificar, no início, com a estética preconizada pelo texto de Jean Cocteau Le coq et l’arlequin (O galo e o arlequim), no qual são condenados a arte alemã – com exceção de Bach –, o Romantismo e até mesmo Debussy, em proveito da expressão bruta de um Satie ou de um Stravinsky e de uma ironia que solapa qualquer tentativa de grandiloquência ou seriedade. A rejeição ao lirismo levou esses compositores a se valer de textos prosaicos e a introduzir elementos da música de cabaré em algumas obras, uma vez que eram adeptos do café-concerto, reunindo-se no cabaré Bouef sur le Toit em torno do pianista Jean Wiener e na companhia de Cocteau e de Blaise Cendrars.

O Grupo do Seis chegou a produzir uma obra coletiva (da qual apenas Louis Durey não participou), Les mariés de la Tour Eiffel (Os noivos da Torre Eiffel), em 1921. Pouco depois, cada um deles foi buscar um caminho independente, sem que se rompessem os laços da amizade. Três dentre eles – Milhaud, Honegger e Poulenc – afirmaram-se no cenário francês e internacional por sua originalidade criadora.

Francis Poulenc foi o principal compositor do Grupo dos Seis. Nasceu em Paris, em uma família rica, em 7 janeiro de 1899. Aprendeu piano com a mãe, talentosa amadora, e aos 7 anos de idade já compunha. Aos 15, passou a estudar com o pianista Ricardo Viñes, que se tornou uma espécie de mentor. Viñes o apresentou a Casella, Auric e Satie, e logo a composição de Poulenc mostrou forte influência deste último. Quando ele tinha 18 anos, foi executada com sucesso sua Rapsódia negra, para barítono e conjunto de câmara, tornando-o conhecido em Paris. Poulenc nunca frequentou um conservatório – a carreira musical foi sempre desencorajada por seus pais. Por isso, aos 20 anos, decidiu estudar harmonia com Charles Koechlin. 

Na década de 1920, envolvido com os colegas do Grupo dos Seis, sua música possuía um espírito provocador e irônico. Em 1923, Poulenc escreveu o balé Les biches, o qual Diaghilev encenou no ano seguinte, com grande sucesso. Ele compôs em ritmo prolífico no final de 1920 e no início de 1930, produzindo muitas obras para piano – além de compor, Poulenc era um ótimo pianista. Produziu bastante para seu instrumento, mas escrever para o piano não era sua atividade musical preferida. Ele argumentava que tendia a ceder à facilidade e que seu pensamento musical perdia em liberdade e originalidade. É dessa época seu Concerto para dois pianos. Em 1932, o próprio Poulenc foi um dos solistas na estreia da obra, durante o quinto Festival Internacional de Música de Veneza. Tocou ao lado do pianista Jacques Fevrier, com o maestro Defauw conduzindo a Orquestra do Teatro Alla Scala de Milão. A obra é marcada pela prevalência dos instrumentos de sopro, com uma participação reduzida das cordas, e é claramente influenciada pelo Concerto em sol maior de Ravel.

Se o espírito despojado e bem-humorado prevaleceu na década de 1920, a partir de 1930 emergiu um lado muito mais sério de sua natureza, com atenção especial às canções e à música religiosa. A partir de 1935, suas parcerias com o barítono Pierre Bernac, que o aconselhava na escrita vocal, e a soprano Denise Duval, geraram diversas excursões e gravações. O compositor brilhou durante toda a vida no domínio da música vocal e, mais particularmente, da canção francesa acompanhada ao piano. Na linhagem de Debussy e de Fauré, perpetuou uma tradição de sobriedade própria à mélodie francesa. 

Durante a guerra, Poulenc permaneceu na França ocupada pelos alemães, escrevendo música de inclinação antibélica e mesmo antinazista, algumas vezes criando canções sobre textos de autores proibidos, como Federico Garcia Lorca. É desta época também o balé Les animaux modèles (1941), a Sonata para violino e piano, dedicada a Lorca, e a obra-prima Figura humana (1943), cantata coral que é um hino à liberdade. No pós-guerra, Poulenc concluiu sua Sinfonietta (1947) e o Concerto para piano (1949). 

Em 1936, Poulenc escreveu sua primeira obra religiosa, As litanias da Virgem Negra, para solistas, coro e órgão; no mesmo ano, a Missa em sol maior. Mas foi sobretudo na década de 1950 que sua fé católica contribuiu para que ele se tornasse um grande autor de obras sacras, compondo peças como Stabat Mater (1950) e Gloria (1959), de simplicidade comunicativa e fervorosa religiosidade. Entre 1953 e 1956, ele compôs Diálogos das carmelitas, uma de suas obras mais ambiciosas, considerada por alguns como a maior ópera francesa do século XX. No mesmo estilo, embora com tema profano, ele escreveu, em 1959, para a cantora Denise Duval, A voz humana, ópera cujo personagem solitário fala (canta) ao telefone com seu amante. Sua última grande obra foi a Sonata para oboé e piano, de 1962, dedicada à memória de Prokofiev, de quem havia sido amigo na década de 1920. 

Poulenc morreu repentinamente de um ataque cardíaco, no dia 30 de janeiro de 1963. Entrou para a história como um dos mais importantes compositores de música religiosa no século XX – e uma grande voz de seu tempo. 

Francis Poulenc [Reprodução]
Francis Poulenc [Reprodução]

Linha do tempo

1899
Nasce em Paris, em 7 janeiro

1914
Passa a estudar com o pianista Ricardo Viñes

1917
Sua obra Rapsódia negra é executada com sucesso em Paris

1920
Ao lado de outros jovens músicos, integra o Grupo dos Seis

1923
Escreve o balé Les biches, encenado por Diaghilev no ano seguinte

1932
Compõe o Concerto para dois pianos, estreado em festival musical em Veneza

1935
Passa a se apresentar ao piano ao lado do barítono Pierre Bernac e da soprano Denise Duval, realizando turnês e gravações 

1943
Escreve a cantata coral Figura humana

1956
Conclui a ópera Diálogos das carmelitas

1959
Escreve o Glória e a ópera A voz humana

1963
Falece repentinamente de um ataque cardíaco, no dia 30 de janeiro