Dellarte celebra aniversário com concerto especial no Theatro Municipal do Rio de Janeiro
De Yo-Yo Ma a Balé Kirov, de Nelson Freire a Joshua Bell, de Rostropovich a Gustavo Dudamel, de Jessye Norman a José Carreras, de Antonio Gades a Paco de Lucía… e a coisa vai indo, indo, indo. A antipática prática batizada de dropping names poderia ter, nesta reportagem, caráter inteiramente objetivo. Ou seja, daria para preencher a página com os (grandes) nomes que vieram ao Brasil pelas mãos desta empresa que agora completa 40 anos: a Dellarte Soluções Culturais.
Fundada por Myrian Dauelsberg, pianista, empresária, produtora, filha de Mariuccia Iacovino, enteada de Arnaldo Estrella, a Dellarte celebra suas quatro décadas com um concerto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro que traz a Orquestra de Barra Mansa, fruto de um projeto socioeducacional muito bem gerenciado, sob a batuta de Daniel Guedes. Como solistas, dois jovens brasileiros: Guido Sant’Anna, violinista premiado no Concurso Internacional para Violino Fritz Kreisler, que toca o Concerto de Tchaikovsky; e Miguel Braga, violoncelista que é elogiado aluno de ninguém menos que Antonio Meneses e que vai interpretar o Concerto de Dvorák. Maestro e solistas têm entre 17 e 45 anos anos, formados pela produtora.
O início foi numa sala de estar em Laranjeiras, bairro do Rio de Janeiro. A trajetória incluiu determinação, resiliência, teimosia até. Myrian, pianista e professora de talentosos pianistas, ex-diretora da Sala Cecília Meireles e já manager de artistas do mundo clássico, partia para profissionalizar a cultura de música de concerto e balé com viés empresarial. “Sem falar numa verdadeira escola de produtores culturais que ela formou”, lembra o filho, que tinha 21 anos naquele distante 1982 e era um economista prestes a voar para o mundo, contratado por um grande banco. Não iria: se transformaria no braço direito de “dona Myrian”, como ele se refere à mãe em público.
“Eu vinha de um período em Brasília, como chefe de gabinete de Eduardo Portela [Ministro da Educação, Cultura e Desportos entre março de 1979 e novembro de 1980], e estava perdida de mim. Eu me reencontrei ao decidir trazer o pianista Sergei Dorensky para uma turnê no Brasil”, lembra Myrian, que usou e abusou de sua autoridade e sua capacidade de sedução para dar a volta em muitos planos econômicos e solavancos políticos do Brasil. “Foram poucos os que não consegui trazer. Mas destaco dois: Vladimir Horowitz, num esforço que culminou em Nova York, envolvendo até embaixadores e a diretora do jornal The Washington Post; e Maurizio Pollini, que se recusou a vir enquanto havia ditadura no país. Depois, mandei os jornais da era da redemocratização, e ele disse que estava velho. Foram meus waterloos”, diz. Ela confessa que, muitas vezes, os perigos eletrificavam sua vida: “Não tinha dinheiro, e a gente ia assim mesmo. Eu ouvia: ‘Você vai acabar dormindo debaixo da ponte!’, mas adorava esse jogo”.
Os eventos de sucesso são quase incontáveis. Steffen Dauelsberg, que levou seu lado economista para a empresa em 1986, revela que “mais incontáveis foram as vezes em que a gente bateu a cara na porta”. “Mas aí parece que dá mais vontade ainda de abrir aquela porta.” A resiliência é famosa, entre outros muitos casos, pela determinação de tantos anos tentando trazer companhias de balé como Kirov e Bolshoi. Conseguia. “A gente entrava em um avião e acampava no saguão do hotel para abordar, por exemplo, Andrea Bocelli. Ou, em tempos de aperto dos planos econômicos, preparar em casa ensopadinho para todos os integrantes do Balé Nacional de Cuba – Madame Alonso inclusive. Se não havia dinheiro, que fosse ensopadinho”, ri Steffen.
A primeira grande mudança aconteceu em dezembro de 1991. “Lembro que senti a chave girar quando trouxemos Luciano Pavarotti para o Pacaembu. Ali deixávamos de ser apenas promotores ou produtores para tratar de produtos e soluções na cultura.” Os tempos mudaram mesmo: já foram negociadores exclusivos dos espetáculos para o circuito latino-americano, e, hoje, empresários e artistas formam quase um pool para viabilizar os eventos. E a Dellarte não circula um produto pronto, mas cria e provoca.
“Nesse espírito, a gente é bem camaleônico”, define Steffen, referindo-se não apenas à capacidade de adaptação ao meio, mas a ideias novas que precisaram surgir e ser implementadas para que a evolução da Dellarte prosseguisse. Inclusive, claro, o mundo digital. “A democratização da música, antes restrita a teatros e palcos, através das redes, foi fabulosa”, atesta Myrian. “Mas a emoção do presencial é insubstituível. O desafio agora é conciliar essa democratização, garantir a qualidade e não perder o lado humano, o calor, a exclusividade dos momentos ao vivo.”
AGENDA
Orquestra Sinfônica de Barra Mansa
Daniel Guedes – regente
Guido Sant’Anna – violino
Miguel Braga – violoncelo
Dia 27, Theatro Municipal do Rio de Janeiro