Texto de Lauro Machado Coelho publicado na seção Repertório da edição de setembro de 1998
“Até que enfim terminei a minha Quinta", escreveu Mahler a seu amigo Georg Göhler, pouco antes de morrer em 1911. "Tive de reorquestrá-la quase inteiramente. Não entendo porque tive de cometer erros tão banais, como se fosse um mero iniciante." Ele passara a vida inteira revisando incansavelmente essa sinfonia, escrita entre 1901-2, numa fase marcada por grandes aflições e grandes felicidades. Antes de começar a Sinfonia nº 5, o excesso de trabalho contribuíra para que ele sofresse uma hemorragia intestinal e precisasse ser operado. Ao terminá-la, tinha acabado de se casar com Alma Schindler e ela estava esperando o primeiro filho. Ao reger a estréia em Colônia, em 18 de outubro de 1904, ele já dera início ao interminável processo de revisões.
A necessidade de tornar claras as densas texturas contrapontísticas de uma peça escrita para uma orquestra imensa explica a sua insatisfação. Além disso – sem contar com o programa da Primeira ou os textos das duas seguintes – ela é a sua primeira peça de música "abstrata", que depende apenas de si mesma para fazer-nos compreender ou sentir o seu complexo conteúdo emocional e existencial. Iniciada, como a Segunda, com uma marcha fúnebre – só que mais desolada, sem a mesma energia e irritação-, ela prossegue com um movimento "tempestuoso e com a maior veemência", em que até as tentativas de criar uma seção mais calma acabam sendo varridas.
É como se a Quinta fosse uma série de tentativas de se desligar das experiências tristes e instáveis do início até atingir uma atitude mais otimista – o que pode refletir a própria duplicidade das emoções vividas pelo compositor na fase que assistiu à sua gestação
O terceiro movimento é o mais longo scherzo de Mahler, com um elaborado desenvolvimento de quatro temas diferentes. Ele funciona como um nó central da sinfonia, um ponto a partir do qual o conflitivo material das duas primeiras partes evolui para a solução contida nas duas últimas. O Adagietto, para cordas e harpa apenas – usado por Lucchino Visconti como a trilha sonora de Morte em Veneza – foi o responsável pela descoberta de Mahler pelo grande público. Depois dessa música de estático lirismo, que já foi descrita como uma declaração de amor de Gustav a Alma, vem o rondó final, allegro giocoso, cheio de enorme vitalidade, terminando numa explosão de energia.
É como se a Quinta fosse uma série de tentativas de se desligar das experiências tristes e instáveis do início até atingir uma atitude mais otimista – o que pode refletir a própria duplicidade das emoções vividas pelo compositor na fase que assistiu à sua gestação. A energia e a coragem podem fazer superar a tragédia pessoal. A liberação emocional trazida pelo amor explica a alegria celebratória do finale.
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