Texto de Lauro Machado Coelho na Revista CONCERTO de outubro de 1997
Ao desconhecido Giacomo Puccini, o dramaturgo Victorien Sardou negou os direitos de adaptação de La Tosca, que escrevera para Sarah Bernhardt. Mas em 1893 vendeu-os ao barão Alberto Franchetti, cujo Cristoforo Colombo obtivera grande sucesso. O editor Giulio Ricordi, porém, convenceu Franchetti de que aquele não era o tipo de libreto adequado para ele e, em julho de 1895, conseguiu que o cedesse a Puccini pois, com seu infalível faro para o palco, estava convencido de que este, sim, seria capaz de escrever a música exigida por essa história ágil e violenta.
Estendendo-se de 1896 a 1899, a composição da Tosca foi perturbada pelos desentendimentos entre os libretistas Luigi Illica e Giuseppe Giacosa - pois este último não achava a peça de Sardou adequada à adaptação lírica -, e retardada pelas interferências do próprio Puccini. Ele eliminou, por exemplo, o hino patriótico que Cavaradossi cantava antes do fuzilamento, colocando em seu lugar a breve ária de adeus E lucevan le stelle, hoje um dos trechos preferidos do público. Puccini fez pesquisas cuidadosas para a Tosca. Ao dominicano Don Pietro Panichelli, pediu informações sobre a cerimônia do Te Deum, para o fim do ato 1, e sobre o som exato dos sinos que se ouvem durante o Prelúdio ao ato III. Ao poeta Gigi Zanazzo encomendou o stomello em dialeto romano que um pastorzinho canta logo após esse Prelúdio. E na cena do ato II em que, pela janela aberta de seu escritório, o barão Scarpia ouve o som da cantata que Floria Tosca está apresentando no vizinho palácio real, utilizou uma composição de seu próprio avô, membro de uma ilustre família de músicos de Lucca.
Sucesso desde a estréia em Roma (14/1/1900), com Hariclea Darclée, Emilio de Marchi e Eugenio Giraldoni, Tosca está mais preocupada com a intensidade da ação, rápida e brusca, do que com o aprofundamento psicológico; e é dominada por duas figuras muito parecidas: a da cantora cuja paixão pelo amante a leva a perder a cabeça e comprometê-lo; e a do chefe de polícia cuja obsessão sexual por Tosca o leva às raias do sadismo. O embate entre esses dois seres fortes conduz às piores formas de violência: mentira, tortura, chantagem sexual, assassinato para escapar do estupro, e a descoberta de que, mesmo morto, Scarpia enganou Tosca, fazendo-a crer na falsa esperança de libertação. E no final, o salto espetacular sobre a amurada do castelo.
A esse tipo de ação, corresponde uma música lacônica e direta: as árias são poucas e curtas, e o próprio Puccini dizia, mais tarde, arrepender-se de ter colocado, no ato II, a ária Vissi d'arte, em que Tosca reflete sobre sua vida, por achar que ela interrompia a ação num momento crucial. Inédita, para a sua época, pela brutalidade dos fatos e sentimentos que expõe, Tosca é inovadora també pelo seu enérgico estilo de canto - em especial o frenético recitativo do ato II em que, com freqüência, intervêm o parlato e o grito. Até hoje, sua dinâmica de teatro de prosa, em que o canto assume as formas da frase falada, tem um impacto muito forte, que explica a instintiva adesão do público a ela.