Vermelhos, 10 anos

por Nelson Rubens Kunze 16/07/2025

Festival em Ilhabela promove espetáculos de alto nível envoltos na natureza paradisíaca da Mata Atlântica

Com uma programação variada e de alto nível, o Festival Vermelhos de Música e Artes Cênicas, em Ilhabela, comemorou 10 anos nesta edição de 2025, que se encerrou no último domingo, dia 13 de julho. Foram dois fins de semana com oito espetáculos, da cantora Mônica Salmaso acompanhada pelo pianista André Mehmari em um programa dedicado a Elis Regina e Tom Jobim até o encerramento, com a Orquestra de Vermelhos sob direção de Roberto Minczuk e com a participação do pianista Estefan Iatcekiw.

A idealização do projeto é do advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo, proprietário do grande terreno no sul da Ilhabela, situado junto à Baía dos Vermelhos, que abriga o impressionante Teatro Vermelhos – um espaço aberto com uma ampla cobertura metálica e que comporta cerca de 900 espectadores – em meio à exuberância da Mata Atlântica. É, sim, uma região paradisíaca. Sopra o vento, o ar é puro, há pássaros e por entre o verde e as árvores vislumbra-se o mar.

Estive no primeiro festival, em 2015, quando o teatro ainda estava em construção. Aquele evento de inauguração foi realizado no Anfiteatro da Floresta, um pequeno palco coberto a cerca de 300 metros do teatro atual. Já naquela primeira edição o festival dava mostras de sua ambição artística, com artistas como Antonio Meneses, Claudio Cruz e Cristian Budu, que se apresentaram em trio. Choveu muito. Quem esteve lá acho que não se esquecerá de como nos juntamos todos – artistas e público – em cima do palco coberto, para nos protegermos da intempérie... Pois é, assim é a natureza...

De lá para cá, o festival se desenvolveu e ampliou sua programação, que contempla também dança e artes cênicas. Sob o palco do teatro, em sua parte de trás, Samuel construiu ainda uma pequena sala para música de câmara, a Sala do Porão, com capacidade para 200 pessoas. Ali, em um espaço mais íntimo, acontecem recitais de piano ou pequenas apresentações de música clássica ou jazz. E do lado externo, em meio ao bosque, há uma cafeteria, local para exposições e, eventualmente, funciona um restaurante.

Mas Vermelhos tem um “problema”, e este é a dificuldade de acesso. São Sebastião, de onde parte a balsa para a ilha, fica a cerca de 200 km de São Paulo. E a balsa, dependendo da época, pode tomar tempo.

Inicialmente, pretendia ir comodamente na sexta-feira, dia 11, após o almoço, para assistir à noite ao recital de André Mehmari com a música de Keith Jarrett (aqui tenho de abrir um parêntese para lembrar de uma apresentação inesquecível do trio de música instrumental de André Mehmari, com o contrabaixista Neymar Dias e o baterista Sérgio Reze, em Vermelhos, em 2019 – uma música estonteantemente boa!). Não deu, e acabei viajando no sábado, dia 12, para o recital de Cristian Budu na Sala do Porão. Saí cedo de São Paulo, às 6 horas da manhã, e cheguei bem para o recital, que começou às 11h. Deu tudo certo.

Cristian Budu é uma joia rara da música brasileira. Além do repertório histórico universal, do qual Cristian é reconhecidamente um dos maiores intérpretes da atualidade (ele venceu, em 2013, um dos mais prestigiados concursos do mundo, o Clara Haskil!), ele agora pesquisa e divulga as obras para piano criadas por compositores brasileiros. Não pense que é coisa de segunda categoria, com valsinhas, polquinhas ou chorinhos despretensiosos. O que Cristian apresentou em seu recital na Sala do Porão poderia ser servido também no Wigmore Hall: quatro Ponteios de Guarnieri, a suíte Com as crianças de Nininha Velloso-Guerra, a Suíte litúrgica negra de Brasílio Itiberê II, Lendas... e nada mais de Clarisse Leite, além de Radamés Gnattali, Tia Amélia, Henrique Alves de Mesquita e o espetacular Villa-Lobos (Valsa da dor, Impressões seresteiras e Festa do sertão). E Cristian conversava com o público, contando sobre os compositores e as obras, em um descontraído clima de sarau. Você já ouviu um dos maiores pianistas do mundo, a cinco metros de distância, tocando ótima música brasileira de artistas como Guarnieri, Gnattali e Villa-Lobos?

Cristian Budu toca na Sala do Porão, em Vermelhos (Revista CONCERTO)
Cristian Budu toca na Sala do Porão, em Vermelhos (Revista CONCERTO)

A segunda atração do sábado foi a São Paulo Companhia de Dança, que se apresentou à noite no Teatro Vermelhos. O grupo dançou a suíte O sonho de Dom Quixote (música de Ludwig Minkus), em uma versão feita especialmente por Márcia Haydée, e a coreografia Umbó, de Leilane Teles. Antes da São Paulo Companhia de Dança, apresentou-se o grupo Pés no Chão, projeto de formação artística de Ilhabela, e aconteceu uma emocionante mostra da bailarina Marina Adib e de seu projeto “Marina em movimento”, uma campanha para angariar fundos para o tratamento da artista – ela sofre de uma doença rara, mas curável, que causa paralisia (clique aqui para saber mais).

O encerramento desta oitava edição do Festival Vermelhos aconteceu na tarde de domingo, com a apresentação da Orquestra Vermelhos, sob direção de Roberto Minczuk e com a participação do pianista Estefan Iatcekiw. No programa, a abertura Ruslan e Lyudmila de Glinka, o Concerto para piano e orquestra nº 1, de Chopin, e a Sinfonia Pastoral, de Beethoven.

É surpreendente a boa acústica do Teatro Vermelhos, em que a orquestra soa bem mesmo em meio aos sons do vento e da natureza. Foi uma bela apresentação, com a orquestra equilibrada sob a assertiva condução do maestro Roberto Minczuk. E novamente pudemos atestar o brilhante talento do jovem curitibano Estefan Iatcekiw, que, após estudar três anos no Conservatório Tchaikovsky de Moscou, agora é bolsista da Juilliard, em Nova York. Apesar da pouca idade – Estefan tem 21 anos – ele oferece uma interpretação pessoal, de intensidade musical e sem afetações.

Orquestra Vermelhos, Minczuk e Iatcekiw no Teatro Vermelhos (Revista CONCERTO)
Orquestra Vermelhos, Minczuk e Iatcekiw no Teatro Vermelhos (Revista CONCERTO)

Ao completar 10 anos, com uma trajetória marcada pela qualidade artística e pela imersão na natureza, o Festival Vermelhos busca agora a sua institucionalização. A proposta é a de ampliar suas ações para além dos espetáculos e investir em atividades formativas e educativas contínuas, garantindo um modelo duradouro sustentável e integrado à vida cultural do país.

Viva Vermelhos!

[Nelson Rubens Kunze ficou hospedado e assistiu aos concertos a convite do Instituto Baía dos Vermelhos.]

Vitrine na entrada do Centro Cultural Vermelhos (Revista CONCERTO)
Vitrine na entrada do Centro Cultural Vermelhos (Revista CONCERTO)

 

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