Acervo CONCERTO: ‘Um réquiem alemão’, de Brahms

por Redação CONCERTO 05/04/2025

Texto de Lauro Machado Coelho publicado na edição de abril de 1999 da Revista CONCERTO

Em 2 de fevereiro de 1865, Johannes recebeu um telegrama de Fritz; seu irmão: "Venha depressa, se ainda quer ver nossa mãe viva." Correu a Hamburgo, mas já era tarde demais: Christiane Brahms tinha morrido das consequências de um derrame. A dor com a perda de sua amiga mais fiel, de quem sempre recebera todo apoio e compreensão, o fez finalmente dedicar-se seriamente a um projeto em que pensava desde 1856, quando perdera um outro amigo querido, o compositor Robert Schumann. O de compor um réquiem que se baseasse não no texto latino da Missa dos Mortos e, sim, na tradução da Bíblia feita por Lutero. 

O ponto de partida foi a melodia originalmente destinada ao movimento lento de uma sinfonia que nunca chegara a ser escrita. Planejada em 1854, sob o impacto da insanidade que trancara Schumann em uma clínica, esta sinfonia teve parte de seu material incorporado ao Concerto em ré menor. Com esse tema, Brahms construiu o coral Denn alies Fleisch, es ist wie Gras (Pois toda carne é como a relva), ponto focal da vasta peça. E dele irradiaram-se os cinco movimentos de seu imponente Ein Deutsches Requiem op. 45, parcialmente apresentado, sem sucesso, em Viena (1°/12/1867). Um movimento adicional, o quinto, foi composto na época da estreia definitiva, na catedral de Bremen, em 10 de abril de 1868 – depois da qual o Réquiem Alemão tornou-se uma das obras mais admiradas de seu autor no mundo inteiro. 

Brahms não era religioso, no sentido estrito do termo. Mas aprovava a ética cristã como um conjunto de regras de comportamento e tinha um profundo respeito pela literatura bíblica, cujas imagens organizou de modo a celebrar muito mais o amor pela vida do que o medo da morte e o sentimento religioso convencional de que a redenção vem através do sofrimento. Tanto que, a Carl Reinthaler, o organista da catedral de Bremen que o ajudou a preparar a estreia da obra, ele contou que chegara a pensar em intitulá-la Um Réquiem para a Humanidade. 


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Estudiosos como Siegfried Ochs, Ernst Bloch ou Malcolm McDonald mostraram a relação entre a estrutura circular de uma obra que começa e termina em fá maior, com a palavra Selig (bem-aventurado), e a mensagem de consolo e esperança que ela traz àqueles que se desolam com a perda de seus entes queridos. Apesar de seu tom introspectivo e de suas cores escuras, o Réquiem alemão está longe de ser uma obra pessimista, pois o esquema das mudanças tonais, de um movimento para o outro, é sempre "para cima", como se ele formasse uma longa cadeia que se eleva progressivamente até a radiosa afirmação do último movimento. 

Falando dessa suprema realização do espiritualismo germânico, escreveu E. Bloch em Das Prinzip Hoffnung (O Princípio da Esperança): "Esta música nos está dizendo que existe uma semente – não mais, porém não menos – que poderá florescer em alegria perpétua e sobreviver às trevas que, na realidade, o Homem aprisiona dentro de si. Nas trevas desta música, cintilam aqueles tesouros que estão livres da ferrugem e das traças. Referimo-nos àqueles tesouros permanentes em que a vontade e o objetivo, a esperança e sua satisfação, a virtude e a felicidade podem unir-se, num mundo sereno e sem decepção: o Réquiem alemão circunda a região secreta do supremo bem.”

Réquiem alemão de Brahms

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