Acervo CONCERTO: A vida de Johann Sebastian Bach

por Redação CONCERTO 09/08/2019

Texto de Camila Fresca na Revista CONCERTO de dezembro de 2012

Para o historiador da música Roland de Candé, a obra de Bach resume toda a história da música tal como ela podia ser considerada em seu tempo: uma síntese impressionante dos recursos da imitação polifônica, do estilo concertante e do canto dramático, “desembaraçados de suas escórias e levados ao mais alto nível de perfeição”. Sem ter nada de profético, Bach leva às últimas consequências o caráter musical que predominou no Barroco, ao mesmo tempo que marca o final desse estilo.

A tradição musical da família de Johann Sebastian Bach remonta a pelo menos seu tataravô – o moleiro Veit Bach, que viveu em meados do século XVI. Até Johann Sebastian, contam-se pelo menos 27 “Bach” músicos, entre organistas, mestres de capela, músicos municipais, violinistas e compositores. Ou seja, J. S. Bach cresceu vendo familiares que tinham a música como ofício. 

Bach nasceu em 1685, mesmo ano em que Händel e Scarlatti vieram ao mundo, na cidade de Eisenach, na Alemanha. Aos 9 anos, já iniciado na música por seu pai, Bach ficou órfão, e foi seu irmão mais velho, organista, quem cuidou de sua educação e seu sustento. Com 15 anos, Bach foi admitido na escola de São Miguel de Lüneburg, onde recebeu uma sólida educação em troca de cantar na igreja. Três anos depois, em 1703, sua destreza como organista fez que fosse contratado em Arnstadt. 

A essa altura, Bach já começava a assimilar as técnicas e as estéticas da música francesa e italiana. O jovem viajava quilômetros a pé para escutar os organistas do norte da Alemanha, como Georg Böhm, Reinken e, principalmente, Buxtehude, à época célebre em toda a Europa. Após Arnstadt, Bach assumiu um posto em Mühlhalsen, onde, aos 22 anos, casou-se com a prima Maria Barbara Bach, com quem teria os primeiros sete de seus vinte filhos (dez morreriam durante a infância ou a juventude).

Já com considerável fama, Bach trocou Mühlhausen pela corte de Weimar, onde passou a ocupar as funções de organista, violinista e compositor. Pela primeira vez, ele deixava de ser músico municipal ou de igreja para ser um empregado de corte. Bach passou nove anos em Weimar, entre 1708 e 1717, e teve a oportunidade de enriquecer-se musicalmente. Porém, por conta de desentendimentos com o duque que estava no poder, mudou-se novamente, dessa vez para a corte do príncipe Leopold d’Anhalt, em Köthen. 

Segundo Roland de Candé, a imagem de um Bach modesto e humilde não é exata. “Ele tem consciência de sua maestria e da qualidade de seu trabalho, exige o salário e o respeito devido a seu talento; mas não sente ter algo a ver com a glória póstuma. Para ele, música importante é a que se faz. A composição é a preparação de um ato musical; assim que este é consumado, é preciso preparar um novo, sem se preocupar com a posteridade!”

Bach passou provavelmente os cinco anos mais confortáveis de sua vida profissional em Köthen. O príncipe era um músico inteligente e aberto e havia reunido a melhor orquestra da Alemanha, com 17 músicos. Bach tinha um bom salário e gozava de consideração e estima da corte. E foi nesse período que o compositor escreveu a maior parte de sua música de câmara, além de concertos, suítes, partitas, O cravo bem temperado, aberturas orquestrais e os Concertos de Brandenburgo, entre outras obras. Bach também sofreu a perda de sua esposa Maria Barbara e casou-se pela segunda vez, com Ana Magdalena Wilcken, cantora da corte, filha de um trompetista da orquestra. 

Se a vida profissional parecia caminhar de vento em popa, Bach sentia falta de ser solicitado a escrever obras sacras, tendo necessidade de voltar a trabalhar para a igreja – como sempre haviam feito seu pai e seus antepassados. Assim, em 1723, ele mudou o curso de sua vida, renunciando às vantagens da corte e assumindo, por um salário menor, o posto de Kantor na Escola de Santo Tomás, em Leipzig. Misto de orfanato e conservatório, a instituição estava estreitamente ligada à vida da Igreja e da cidade. No início, Bach encontrava-se feliz e compôs muito: só no primeiro ano, foram 48 cantatas – quase uma por semana. Em Leipzig, também, escreveria duas paixões, motetos e a Missa em si menor, em 1733. Contudo, naquela época, a função de Kantor – que já havia sido muito prestigiada – começava a declinar, e as ideias do Iluminismo já redesenhavam as relações e estruturas sociais. 

Com sua estrutura antiquada, a própria Escola de Santo Tomás já não correspondia às aspirações intelectuais do século XVIII. A modernização da instituição tinha como principal entrave justamente a função de Bach. Além disso, sua música “fora de moda” não agradava – o estilo galante, que levaria ao Classicismo, impunha-se pouco a pouco. Também Bach foi se desinteressando da escola e compondo cada vez menos. Conforme bem nota seu biógrafo Philippe Beaussant, “é que, para Bach, compor era um ofício e uma função: sua função parecia tornar-se inútil – ele, então, se calou”. Cego, tentou uma malfadada operação nos olhos (o mesmo médico viria a operar Händel tempos depois, igualmente sem sucesso) e faleceu em 1750.

Bach é o resultado supremo da história da polifonia europeia. O fundamento de sua música é o contraponto; é nele que o músico sente-se mais à vontade. “Uma melodia, para Bach, nunca vem só: engendra por si mesma uma ou muitas outras, independentes ou complementares”, afirma Beaussant. Ao mesmo tempo que Bach pratica esta técnica à exaustão e a leva à perfeição, ele é um dos últimos representantes dessa arte – à época, já considerada austera e fora de moda. Por isso, os historiadores consideram o ano de 1750 como o fim de uma grande época musical, ou seja, o da passagem do Barroco para o Classicismo.

Só no campo da música sacra, Bach escreveu cerca de duzentas cantatas (embora mais de cem estejam perdidas), paixões, oratórios de Páscoa e de Natal, a Missa em si menor e outras quatro Missas breves, um Magnificat e sete motetos. A produção caudalosa inclui ainda centenas e centenas de obras de praticamente todos os gêneros, à exceção da ópera. Apesar dessa força e importância, Bach não deixou “seguidores” e mesmo seus filhos músicos tomaram caminhos diferentes do seu, condizentes com a nova época em que viviam.

Quando morreu, Bach era uma glória nacional, unicamente por sua virtuosidade como improvisador ao teclado. E, embora nunca tenha feito turnês no exterior, seu nome era famoso também por toda Europa. Suas composições, porém, eram praticamente desconhecidas. Seu filho Carl Philip Emanuel foi um dos poucos a apresentar obras de Bach após sua morte e, assim, até o século XIX, apenas músicos alemães tiveram uma ideia do gênio de Bach compositor. 

Isso começaria a mudar principalmente a partir da iniciativa de Mendelssohn, que, em 1829, em Berlim, apresentou a Paixão segundo São Mateus. A partir de então, o mundo começou a desfrutar do grande tesouro musical deixado por Johann Sebastian Bach.

Johann Sebastian Bach [Reprodução]
Johann Sebastian Bach [Reprodução]

Linha do tempo

1685
Nasce em Eisenach, no dia 31 de março

1694
Órfão de pai e mãe, vai viver com o irmão

1700
É admitido em São Miguel de Lüneburg

1703
É contratado como organista em Arnstadt

1707
Casa-se com a prima Maria Barbara Bach

1708
Troca o posto em Mühlhausen pela corte de Weimar

1717
Deixa Weimar para ser empregado do príncipe Leopold d’Anhalt em Köthen

1718-1721
Escreve os Concertos de Brandenburgo

1721
Casa-se com Anna Magdalena Wilcken

1723
Abdica do posto em Köthen para ser Kantor na Escola de Santo Tomás, em Leipzig.

1727
Escreve a Paixão segundo São Mateus

1747
O encontro entre Bach e o rei Frederico II dá início à Oferenda musical

1750
Falece aos 65 anos, no dia 28 de julho, em Leipzig. 
 

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