Texto de Leonardo Martinelli na Revista CONCERTO de novembro de 2011
Nascido na cidade de Tikhvin, a duzentos quilômetros de São Petersburgo, Nikolai cresceu em uma família aristocrática com longa tradição de serviços na marinha russa. Durante a confortável infância, aprendeu apenas noções básicas de música e de piano, o que não o impediu de, aos 10 anos, esboçar suas primeiras composições. Foi por influência do irmão mais velho, Voin Rimsky-Korsakov (importante nome na marinha, por ter realizado a circunavegação do planeta além de expedições no mar do Japão), que o jovem Nikolai acabou decidindo pela vida em alto-mar. Assim, aos 12 anos mudou-se para São Petersburgo para estudar na Escola de Ciências Matemáticas e Navegacionais. Paralelamente ao treinamento militar, também incentivado pelo irmão, tomava aulas particulares de piano, a fim de aprimorar suas “habilidades sociais”. Foi quando entrou em contato com a obra de Robert Schumann e Mikhail Glinka.
Quando completou 18 anos, iniciou-se uma nova fase na vida de Korsakov. Formado oficial, embarcou no navio Almaz para viagens a diversos lugares do mundo, tais como Nova York, Londres e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, mergulhou ainda mais no mundo da música. A partir do contato que travou com Balakirev, que o acolheu e orientou informalmente como pupilo, Nikolai escreveu suas primeiras composições durante as muitas horas de ócio de suas viagens transoceânicas.
Ao longo de nove anos, sempre que estava em terra firme, Korsakov vivia com intensidade a cena musical de São Petersburgo, juntando-se em franca camaradagem a um grupo de autores que tinha o projeto de desenvolver uma música clássica genuinamente russa. Os amigos Mily Balakirev, Aleksandr Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e o próprio Rimsky-Korsakov acabaram entrando para a história como o Grupo dos Cinco.
Em 1871, Korsakov optou por prestar serviço em terra, mudando-se para o apartamento do irmão, o qual passou a dividir com Mussorgsky. Foi quando surgiu a oportunidade de dar uma guinada em sua vida e confirmar seu destino na música.
Ainda em 1871, com apenas 27 anos, Korsakov foi convidado pelo diretor do Conservatório de São Petersburgo, Mikhail Azanchevsky, para assumir as aulas de prática de composição e instrumentação na consagrada instituição da música russa. À época, a escolha causou estranhamento, pois, apesar do compositor ter alcançado certa projeção com obras sinfônicas como Antar e Sadko (tema que voltaria visitar em forma de ópera), ele era demasiadamente jovem para o posto. Somava-se a isso o fato de pertencer a um grupo que causava incômodos ao establishment musical russo e de ele não ter tido instrução musical formal.
O próprio Korsakov viu-se em um dilema, por conta das lacunas de sua formação musical. Em razão disso, foi se aconselhar com Tchaikovsky – apenas quatro anos mais velho que ele –, que já gozava de grande reputação e que, de certa forma, representava tudo aquilo que o Grupo dos Cinco criticava. Em suas memórias, Korsakov relata que Tchaikovsky fora incisivo na necessidade de um estudo formal. Como seria no mínimo bizarro se, na condição de professor, ele ingressasse também como aluno no próprio conservatório, Korsakov optou por um rigoroso plano de autoestudos musicais, de duração de três anos, de forma a se colocar sempre um passo à frente dos alunos que em simultâneo orientava no conservatório. Como ainda não dera baixa no serviço militar, era obrigado a lecionar fardado, o que também deve ter ajudado a manter o respeito e a disciplina de seus estudantes...
A experiência no conservatório mostrou-se fundamental para a consolidação de sua carreira musical. Ali também adquiriu habilidades como regente e, assim, estreou diversas composições próprias e de colegas. Nas “Quartas musicais”, bancadas pelo novo rico Mitrofan Belyayev, simpatizante Grupo dos Cinco, Korsakov estreou obras-chave de sua criação, tais como o Capriccio espagnol, Scheherazade e A grande Páscoa russa.
Ao longo de sua vida, outras duas experiências se mostraram igualmente importantes para a ampliação de seus talentos criativos. Entre 1873 e 1884, Korsakov atuou, paralelamente ao conservatório, como inspetor das bandas da marinha, ocasião em que aprimorou seus conhecimentos sobre os instrumentos de sopros e sobre o cancioneiro russo. Logo em seguida, junto com Balakirev, trabalhou na Capela da Corte, na qual, até 1894, entrou em contato direto com o imenso repertório musical da Igreja Ortodoxa Russa.
As experiências vivenciadas com as bandas navais e com a liturgia ortodoxa viriam a cristalizar, na poética de Korsakov, os esboços que havia traçado nos anos anteriores em relação à dimensão nacionalista da composição musical. Nessa nova fase de sua carreira, a ópera foi entendida como o meio que melhor atendia a seus anseios de expressar em música tudo aquilo que sentia em relação à grande mãe Rússia. A partir da década de 1890, Korsakov compôs nada menos que doze títulos líricos, tais como Mlada, Sadko, A noiva do czar e sua obra-prima O galo de ouro, que, censurada pelas críticas à monarquia russa presentes no enredo original de Alexander Pushkin, não viu estreada.
O compromisso de Korsakov com o povo russo – e não necessariamente com o governo – o colocou em diversas situações difíceis. A grande crise com a realeza veio no final de sua vida, com críticas públicas e o apoio aos estudantes nos trágicos eventos que tomaram São Petersburgo no ano de 1905. Então com 66 anos, Korsakov foi demitido do conservatório da cidade, fazendo que diversos colegas e professores, em solidariedade, acabassem por também se desligar da instituição.
Após uma turnê pela França em 1907, quando regeu a convite do empresário Serguei Diaghliev (o mesmo que projetaria o nome de Stravinsky no mundo), Korsakov passou a sofrer de angina, doença que o matou em 1908, em meio aos levantes sociais que mudariam definitivamente o destino da Rússia e da história.