Compositoras em foco: Michelle Agnes e a ‘Sinfonia botânica’

por Redação CONCERTO 23/06/2024

A compositora brasileira Michelle Agnes começou sua trajetória musical aos 6 anos de idade, ao piano, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, sua terra natal. Daquela época, em uma entrevista à Tribuna da Imprensa, ela contou guardar a lembrança de duas influências: o professor de piano Evandro Higa, “que me abriu as portas para o repertório dos séculos XX e XXI de modo muito natural”; e o compositor Eduardo Gramani – “a forma como ele compreendia o ritmo, nos fazia dançar, mover, e como inventava as suas poliritmias continua a me influenciar até hoje”, disse.

Aos 14 anos, ela foi ter aulas com H. J. Koellreutter (composição, análise, harmonia e estética), quando teve sua introdução à composição. Foi então que ela começou a ensaiar a saída do Mato Grosso. “Higa me mostrava que um futuro como compositora era possível. Eu estava atravessando a adolescência, me preparando uma mudança para longe para prosseguir os estudos. A confiança que todas essas pessoas me transmitiram alimentaram meus sonhos, me fizeram superar uma série de dificuldades.”

Agnes estudou composição na Unicamp, onde teve contato com autores e professores como Almeida Prado, Livio Tragtenberg, Denise Garcia, José Augusto Mannis e  Jônatas Manzolli, e, mais tarde, fez doutorado na USP, com Fernando Iazzetta e Silvio Ferraz. Em 2013, ela se mudou para a Europa, onde teve aulas com Salvatore Sciarrino e com a compositora Chaya Czernowin.

“Nela reconheci uma força, uma artista completa que não dissocia criação e técnica no seu modo de fazer e de ensinar. Ela foi também uma das responsáveis por eu ter continuado nessa via, num momento em que eu estava dividida entre várias atividades. Mais uma vez, como na minha adolescência a composição se abria como um mundo.”

De 2013 a 2017, ela atuou como pesquisadora do Institut de Recherche et de Coordination Acoustique/Musique (IRCAM), em Paris; nos dois anos seguintes, realizou uma residência no Radcliffe Institute for Advanced Study da Universidade de Harvard, nos EUA. Em 2019, de volta a Paris, tornou-se artista residente do Interaction Sound Music and Movement do Ircam. 

Em seu site, suas obras são definidas como peças que “provocam o envolvimento total do intérprete, recriando uma realidade lúdica, metafórica e interativa através de sons”. Em sua produção, destacam-se obras como Migration, para violoncelo solo; Mobile, peça celebrada pelo trato inovador com o piano preparado; Constella(c)tions, que propõe interação entre músicos e a plateia utilizando sensores de movimento; e Herbarium, coleção de obras de música de câmara.

Seu trabalho está bastante associado à música eletrônica. “O que mais me interessa é a experiência com os diferentes meios e materiais, e como nossa percepção, nossa imaginação é afetada por ela. Desse modo, uma obra instrumental pode ser um reflexo do contato com recursos eletrônicos e vice-versa”, explicou, em entrevista ao portal Estado da Arte. “A música eletrônica, além de todo aparato, nos forneceu também toda uma terminologia, além da nova maneira de pensar e de conceber a música. É importante salientar que no processo de criação a práticas instrumental e a prática eletrônica se contaminam: combinar, construir e imaginar sons, são etapas importantes tanto na composição instrumental quanto na composição com meios eletrônicos.”

A Sinfonia botânica, na qual a compositora trabalha atualmente, fruto de encomenda do Instituto Inhotim e de parceria entre l'Ensemble l'Itinéraire, Theatro São Pedro e OCAM, é, em suas palavras, “um oratório secular, que alterna solo, coro, orquestra e eletrônica para narrar histórias e fatos inspirados no mundo das plantas”. 

“A obra atualiza o princípio da música policoral ao agregar uma orquestra de minialto-falantes aos grupos orquestrais. A escuta imersiva coloca o ouvinte no centro de uma floresta de sons. A presença das crianças reforça a convivência entre diferentes faixas etárias, ilustrando relações de cooperação e simbiose entre as plantas.”

A compositora também detalha os princípios que guiaram a escrita da peça:

“1) A orquestra como rede de inteligência distribuída. Escrita espacializada e rica que alterna entre diferentes formações: grupos solo, tutti, grupos orquestrais e arranjos policorais seguindo o modelo de uma paixão barroca.
2) Fio condutor: uma narrativa inspirada em pesquisas em neurobotânica e etnobotânica, bem como em histórias de povos indígenas, bem como em depoimentos coletados durante residências criativas no Brasil.
3) Sua organização modular permite acréscimos, colaborações em diálogo com grupos locais de forma expansiva.
4) Uma experiência espacial e imersiva graças à disposição dos grupos orquestrais, bem como ao sistema de difusão eletroacústica distribuída (pequenos alto-falantes manipulados e movidos nas mãos das crianças).”

Roteiro
Sinfonia botânica será apresentada no sábado, dia 29, no Instituto Inhotim, com a Orquestra Inhotim e alunos da Escola de Música Inhotim, sob regência do maestro Leandro Oliveira. Veja mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO.

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A compositora Michelle Agnes [Divulgação]
A compositora Michelle Agnes [Divulgação]

 

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