Callas, 100: cantores, maestros, diretores e instrumentistas escolhem suas gravações preferidas

por Luciana Medeiros 02/12/2023

A pedido do Site CONCERTO, maestros, cantores, diretores e instrumentistas selecionaram suas gravações preferidas de Maria Callas, cujo centenário é celebrado neste sábado, 2. A lista é um bom ponto de partida para se conhecer a carreira da soprano – e o legado que deixou para artistas de diferentes gerações.

Tosca, incontornável

Maria Callas; Giuseppe Di Stefano; Tito Gobbi
Orquestra e coro do Teatro Alla Scala de Milão
Victor de Sabata, maestro
[EMI]

"É maravilhosa, pela intensidade dramática e pela beleza vocal. Maria Callas deixou um legado de gravações notáveis, mas essa é a que mais me toca. Incomparável qualidade artística e técnica. Tosca foi também a primeira ópera que escutei e assisti na minha vida, com 17 anos, e que me fez decidir ser cantora de ópera! Callas estava no auge da qualidade vocal e, com 32 anos de idade, tinha uma voz fresca, uma maturidade expressiva única, um poder de passar toda a maturidade que existia nela."
Camila Provenzale, soprano

"Considero as gravações da década de 50 como uma erupção vulcânica, uma voz não enquadrada em nenhum dos modelos tradicionais do bel canto, oriunda de um universo de profundas emoções. Não existe nada igual a sua Tosca de 1953, com Victor de Sabata, e a Norma, de 1954, com Tullio Serafin. São obras que marcaram minha juventude e que me acompanham até hoje."
Isaac Karabtchevsky, maestro

"Callas é um mito, são tantas as gravações que amo de paixão, mas se há um personagem que para mim é a encarnação da força dela é Tosca. É algo inacreditável. Qualquer uma das Toscas que ela gravou. A personagem tem uma força que é a força da Maria Callas."
Emmanuele Baldini, violinista e maestro

Callas, Tosca, 1953

"Para mim, é a versão definitiva dessa ópera. Não só a Callas, mas todo o elenco e a orquestra. Dentre as qualidades dela, estavam o timbre singular de sua voz e a habilidade que tinha em moldar esse timbre de acordo com a personagem interpretada. Nessa gravação, ela atinge um nível inigualável da identificação da voz com a personagem, nos diversos coloridos, na intensidade dos vibratos, na expressão dramática aplicada ao texto e à ocasião. Cabe registrar, também, a colaboração sem paralelos de dois dos maiores cantores da época, que dominavam seus respectivos personagens: Di Stefano e Gobbi.”
Fabio Mechetti, maestro

“É difícil eleger uma gravação entre tantas maravilhosas. Mas considero Tosca (regência de Victor de Sabata) uma referência. Callas constrói todo o seu canto em função da expressão teatral, de sua visão da personagem e do modo como quer apresentá-la. Não existe uma palavra ou uma nota que não seja extremamente significativa na dramaturgia vocal criada por ela. As diferentes cores vocais,  as inflexões do texto, a articulação das palavras, o manejo do vibrato, as construções das frases e as intenções expressas, tudo está articulado por uma interpretação que é uma verdade prova de que ópera é  teatro e música em equilíbrio.”
Livia Sabag, diretora

"Ela imprimiu ao papel uma dramaticidade que acabou por se tornar referência para as cantoras das gerações subsequentes. Ela conseguiu caracterizar com muita inteligência vocal e cênica os diferentes temperamentos da personagem."
André Cardoso, maestro

"A Tosca dela com Giuseppe di Stefano e a orquestra do Scala, com regência de Victor de Sabata. É considerada uma das grandes produções fonográficas do Water Legge. A dramaticidade, a entrega dela ao papel. Callas não cantava seus papéis; elas os vivia intensamente. A gravação da Tosca é a minha escolha em áudio. Mas, em vídeo, meu registro preferido é um recital dela em Hamburgo, em 1959, com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Hamburgo (NDR), sob a batuta de Nicola Rescigno. Saiu em DVD pela EMI, e a Warner Classics postou trechos no Youtube. Vale a pena procurar a ária "Tu che le vanità", da ópera Don Carlo, para ver a interpretação arrebatadora de Callas."
Eduardo Fradkin, jornalista e crítico musical

 

"Uma aula completa sobre todos os tópicos artístico-musicais, não deixando de mencionar o refinamento orquestral de uma complexa partitura sob direção do regente Victor de Sabata. Ter o privilégio de escutar uma interpretação tão impactante só confirma o quão atual – e essencial – é a música de Puccini e seus intérpretes, como Maria Callas, que se eternizam por meio desses belos registros.”
José Soares, maestro

"Pela química única do elenco e a regência incandescente do De Sabata. Para mim, é uma das maiores gravações de ópera já feitas. Tinha em vinil, e devo ter riscado - ou quase - o disco. Especialmente no segundo ato, que é um dos documentos mais representativos da arte de Callas."
Irineu Franco Perpetuo, jornalista e crítico musical

"Callas não apenas expressa o ciúme da personagem de forma excepcional, mas também apresenta uma gama de emoções profundas e nuances vocais, transmitindo todo o desespero, fragilidade, sedução e determinação nos momentos cruciais da ópera. A gente consegue ver nessa gravação o controle vocal impressionante, realçado pela parceria com dois outros excelentes cantores, Di Stefano e Gobbi. A condução vibrante e enérgica do maestro Victor de Sabata também faz toda a diferença nessa gravação, que não só captura a essência da ópera de Puccini de maneira impecável, mas também revela a maestria interpretativa técnica e emocional de Callas."
Pablo Castellar, produtor

Uma ária
"Vissi d’arte, da Tosca, gravada em 1964 em Londres. Pela intensidade da interpretação de uma mulher em desespero, tão rica em nuances."
Flavia Fernandes, soprano

Um outro Puccini
"Uma combinação improvável: Callas com Herbert von Karajan em Madama Butterfly."
Luis Gustavo Petri, maestro

"Eu gosto muito da Butterfly de Milão. Ouvi uma vez e fiquei apaixonada. Talvez por ser uma das primeiras que ouvi."
Julianna Santos, diretora

Giuseppe Verdi

"A Traviata de Lisboa, com a estreia de Alfredo Kraus, em 1958. Porque, apesar de ter cantado Violeta cerca de 60 vezes, nessa apresentação ela atuou em extrema boa forma e com especial sensibilidade. Acredito ter sido uma das suas melhores performances, igualada talvez pela Tosca no Covent Garden."
Carla Caramujo, soprano

Callas em cena de 'La traviata', em Lisboa, 1958 [Reprodução]
Callas em cena de 'La traviata', em Lisboa, 1958 [Reprodução]

"Com certeza a Aida de 1951, ao lado de Mario del Monaco! A razão está no famoso concertato do final do segundo ato, onde há um duelo de titãs entre ela e o tenor, culminando com um mi bemol agudo de Callas que cortou a sala de espetáculos, levando o teatro ao delírio. Isso é ópera! Essa é a razão pela qual o gênero é tão fantástico e até hoje arrebata uma gigantesca quantidade de corações."
Eric Herrero, tenor

"Rigoletto, com Giuseppe Di Stefano e Tito Gobbi. Sua entrega ao personagem está ali, todo o amor e sofrimento de Gilda pelo Duque, seu pesar por desapontar o pai e, no final da ópera, o desejo de encontrar finalmente sua mãe, que ela não conheceu em vida."
Licio Bruno, barítono

"Uma ária específica, Tacea la Notte Placida, de Il Trovatore. Por que? Ah, não me arrisco dizer. Escute. Como dizia Bach, a nota certa no tempo certo. E ponto. O resto é musicologia."
André Mehmari, pianista e compositor

 

"Lady Macbeth e Medea. A Lady porque é o personagem de Shakespeare mais fascinante e desafiador teatralmente e emocionalmente. Trágica. Sangue nas mãos. E ela brilhou vocal e musicalmente (com o maestro Victor de Sabata). Mas Medea também. Teatro grego. Para uma trágica grega. Que matou seus filhos por amor e ciúmes. Callas nunca teve filhos. O Onasseis a mandou abortar um filho. Ela nunca se recuperou. O palco salvou a sua sanidade."
Jorge Takla, diretor

Bel canto

"Adoro sobretudo o repertório de bel canto: Sonnambula, Norma, Lucia. Mas gosto também das gravações de árias pouco feitas, como La Wally, Adriana Leucrouver, Vespri Siciliani…Mas gosto sobretudo da interpretação, de como ela tem cuidado com cada palavra, sílaba… a articulação das palavras. Era única!"
Rosana Lamosa, soprano

"Se eu fosse falar com o coração, diria que a gravação de I Puritani, de estúdio e com Di Stefano; foi o primeiro CD que ganhei dos meus pais e escutá-lo foi uma revelação. Gravação ao vivo, eu adoro a Anna Bolena, cuja teatralidade e emoção estavam no centro da minha montagem no Festival Amazonas de Ópera este ano. Como ópera em si, Medea (a de estúdio e as outras, ao vivo). Árias, eu acho que as três da Lady Macheth gravadas em estúdio."
André Heller-Lopes, diretor

"Minha gravação favorita é a segunda que Callas fez de Lucia di Lammermoor, do Donizetti, em 1959, com o mesmo maestro Tulio Serafin, seis anos depois da primeira. Há várias razões para isso, mas acho que basta mencionar a soberba Cena da Loucura. A gente até esquece que escuta Callas interpretando Lucia, não a própria Lucia!"
Arthur Dapieve, jornalista

"É quase impossível escolher apenas uma gravação de Maria Callas. Tantas óperas viraram referência após a sua interpretação. Por exemplo, talvez a mais direta é a Norma (Bellini); particularmente sou apaixonado artisticamente pela recita de 1955 no Scala, com Del Monaco, Simionato e Votto. Outro grande exemplo emblemático é a Traviata de Lisboa. Sem sombra de dúvida, a melhor gravação de ópera de todos os tempos é a da Tosca (Puccini) com Callas, Di Stefano e De Sabata. E por aí vão-se os exemplos: Macbeth; Anna Bolena; La Sonnambula; Medea, etc… Mas escolho a Lucia di Lammermoor de Berlim, gravação primordial, pois representa a grande artista, musicista e cantora no seu auge, e ouso dizer à perfeição. Este registro é de 29/09/1955, na Ópera Alemã de Berlim, com o Coro do Scala de Milão, RIAS Orquestra Sinfônica de Berlim, sob regência de Herbert Von Karajan. Um encontro de três gênios: Maria Callas, Di Stefano e Karajan. Callas, ouvindo esta gravação, disse: 'Até agora não sei como fiz isso. Eu simplesmente não sei como - e pensar que chorei depois daquela apresentação porque pensei que estava tão longe do meu objetivo.'  O pianista Robert Sutherland, que estava ouvindo a gravação ao lado dela, disse: 'É um canto maravilhoso...' 'Maravilhoso? Maravilhoso?' Ela pulou do sofá. 'Isso não é maravilhoso, é um (bloody) milagre!'. Em comemoração ao centenário de Maria Callas, a gravadora The Lost Recordings lançou em vinil esta Lucia de Berlim em edição limitada, tendo como base os tapes originais, diferentes dos da EMI. O resultado é primoroso, pode-se ouvir nitidamente muitas nuances dos solistas, coro e orquestra, que jamais tinha-se ouvido em gravações ao vivo de Callas."
Marcelo de Jesus, maestro

Callas, Lucia

"Lucia  di  Lammermor, com Di Stefano, Gobbi, Serafin.  Foi o primeiro disco que comprei na vida e a sensação que me causou a voz dela... isso foi em 1984, e eu nem podia imaginar que criaria um concurso com seu nome."
Paulo Ésper, produtor

"Sou grande fã de Callas. Para quem não a conhece bem, um bom modo de começar é com a Casta Diva, da ópera Norma, de Bellini. Maravilhoso!
Antonio Meneses, violoncelista

"Adoro Casta Diva, da ópera Norma. Percebe-se a carga dramática que ela consegue imprimir a tudo que canta."
Rosana Lanzelotte, cravista

 

"La Sonnambula, de Donizetti, com Leonard Bernstein e Cesare Valetti. Callas era uma cantora fundamentalmente bel-cantista, era o seu melhor repertório. E Bernstein foi o maior músico da segunda metade do século XX – e ópera boa só acontece com bom maestro."
Fernando Portari, tenor

"A Armida, de Rossini, de 1952, ou a Lucia di Lammermoor, de 1953. Armida porque mostra toda a dramaticidade, elasticidade e potência mesmo da voz dela, num dos papéis que definem o que é o bel canto dramático. E Lucia por conta do elenco, regência. Callas, no começo dos anos 50, estava no auge da forma vocal. Por mais que eu ame muitas de suas gravações posteriores, inclusive as árias de Verdi que ela gravou com o Nicola Rescigno no fim dos anos 50, essas duas pra mim são as mais sobre-humanas. Mostrando muito mais que domínio e pirotecnia pura, mas a voz completa a serviço do drama, da arte e das intenções.  Um canto que infelizmente hoje é quase impossível de se reproduzir, sobretudo com a infeliz pasteurização pela qual os cantores atuais de ópera são obrigados a passar. Uma pena mesmo."
Vitor Philomeno, pianista e agente artístico

Verismo. E Carmen

"Gosto muito de uma gravação da Callas cantando a Habanera, da Carmen, em recital. Gosto da interpretação vocal, claro. Mas mais ainda da sutileza de gestos e olhares. Nada é estranhado, grosseiro. Nem mesmo a sensualidade. Com um simples arquear de sobrancelhas, ela comunica toda a força da personagem, com sua carga de sedução  e carisma. Essa gravação é um triunfo da esperteza da cantora. O sorriso ligado na tomada, que passa rapidamente (e quase no automático) pela face ao final de cada frase, passa também a medida do quanto ela é dissimulada e perigosa. Uma sacação genial! Outras Carmens podem ser mais sensuais, mas nenhuma é mais temível do que ela."
Laura Rónai, flautista

 

"Carmen: não tem ópera que se enquadre melhor em sua personalidade. A entrega dela à personagem, uma técnica vocal incrível."
Felipe Prazeres, maestro

"Sua interpretação de Carmen é única! A maneira como ela colore a voz e a expressão da palavra, que no francês é muito difícil, são definitivas ! Imaginar que essa mesma artista também criou versões definitivas de Tosca, La Gioconda e La traviata dá a dimensão ilimitada de sua capacidade criativa."
Carla Rizzi, mezzo soprano

"La Wally, de Catalani. Uma maravilha de música, que ela canta com aquela força e expressão que eram só dela. É uma dramaticidade interpretativa única."
Marcelo Fagerlande, cravista

"La mamma morta. Essa é sem dúvida a gravação que mais amo dessa mulher. É ao vivo, não é de estúdio. Primeiro, o absurdo da emoção. E, segundo, a última nota, a nota aguda que ela dá no final, está exatamente no limite entre o cantar e o gritar, não um grito feio, mas da expressão do que é o sentimento do personagem. É impressionante essa nota, como ela a sustenta, termina. E a reação do  público. Inigualável."
Silvio Viegas, maestro

 

Vídeos, árias ou...tudo!

"Há  duas gravações/interpretações de que gosto muito e, sempre que ouço Maria Callas, começo por elas, pois me enchem os ouvidos e os sentidos, de emoção e devoção. Un bel di vedremo (de Madama Butterfly, de Puccini), escuto em gravação de 1954 (Tullio Serafin), e a Ave Maria, do Otello, de Verdi, em gravação remasterizada de 1997, com a Orchestre de la Societé des Concerts du Conservatoire (N. Rescigno)."
Marcelo Jardim, maestro

"A gravação em vídeo de um concerto na Ópera de Paris, em 1958. Amo!!!! E toda vez que eu volto ao mesmo palco em que Callas cantou, agradeço ao universo pelo momento único."
Paulo Szot, barítono

 

"A Callas dirigida pelo Visconti foi sempre extraordinária. Ela  achava que era a reencarnação da Maria Malibran e, realmente, além da voz excepcional, seu talento como atriz era compatível com a dela."
Jocy de Oliveira, compositora

"Há um CD que foi fundamental para a formação de minhas referências em relação ao canto. Era uma coleção que tinha gravações de todos os períodos da carreira da Callas, desde o auge vocal dos anos 50 até os anos do final da opulência vocal, na década de 60. Eu devia ter uns 13 anos de idade quando passei em uma loja de discos e comprei para presentear minha mãe, cantora que gostava muito da Callas. Era um disco com árias de Rigoletto, Traviata, Aida, Bohème, Butterfly, Tosca, Manon Lescaut, Medea, Turandot, Carmen e até Sansão e Dalila! A força dramática que Callas imprimiu a cada personagem, com plenitude vocal ou não, era incrível, incomparável, única."
Tobias Volkmann, maestro

"Para mim é impossível escolher uma gravação preferida. Tudo que ela gravou é especial de alguma maneira. Ela foi única. Não existe nada parecido nem antes nem depois. Viva Maria!!!"
Luiz Fernando Malheiro, maestro

"Tenho inúmeras gravações que adoro. Mas há uma coleção chamada The Essential Maria Callas, com um CD especial das heroínas que ela interpretou. Tem a imortal Casta Diva: quando boto pra escutar, toda a minha vizinhança escuta...e gosta!! Outra imortal gravação é Vissi D'arte, da Tosca. Estes discos não vendo, não empresto, nunca doarei... Ela apresenta cores, nuances e interpretações que não podem ser copiadas. É dela! É Maria Callas!"
Edna D’Oliveira, soprano

"Eu gosto demais dos registros em vídeo da última turnê dela com o Di Stefano. Tá tudo quebrado ali, mas é como caminhar pelas ruínas de Atenas e ter a perfeita noção do que aquilo foi em seu apogeu. Tem uma coragem absurda de fazerem isso juntos, uma cumplicidade que eu suspeito que foi amor materializado (eu não conheço a história dela tão bem assim, mas eu não perderia essa barca se fosse qualquer um dos dois). E tem enorme teatro. Enorme, físico, arrebatador."
Márvio dos Anjos, jornalista e crítico musical

 

Leia também
Opinião
 Maria Callas e o museu do imaginário da humanidade, por Irineu Franco Perpetuo
Opinião Callas, Gobbi e um 'Rigoletto' aterrorizante, por João Luiz Sampaio
Notícias Callas, 100: programação celebra aniversário da soprano
Revista CONCERTO Intensidade e versatilidade, por Amanda Queirós

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.