Arthur Nestrovski deixa cargo de diretor artístico da Fundação Osesp

por Redação CONCERTO 27/10/2022

Após 13 anos, Arthur Nestrovski deixa hoje o posto de diretor artístico da Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. A decisão foi comunicada no início da tarde aos músicos da instituição, e explicada em uma carta escrita pelo ex-diretor do grupo.

“Um dos aprendizados que levo é justamente reconhecer a hora em que cabe à instituição renovar as reservas de energia para tocar um projeto como este. E também, do ponto de vista pessoal, a hora de voltar a projetos próprios e a uma vida com outras demandas, agora sem a infinita carga de dedicação à Osesp”, diz o texto.

O último compromisso oficial de Nestrovski será a inauguração de uma nova seção da Mediateca da Osesp, criada a partir da doação de um acervo pessoal de cerca de dois mil livros sobre música, cultura e arte. A seção se chamará Acervo Arthur Nestrovski e estará aberta, após a inauguração marcada para hoje, para consulta pública.

A Osesp não vai nomear um novo diretor artístico. Segundo comunicado oficial, as funções da posição serão divididas entre o diretor musical Thierry Fischer e a direção executiva, comandada por Marcelo Lopes.

“A partir da Temporada 2024, as decisões relativas à programação artística passarão à liderança direta de Thierry Fischer, que incorporará parte das atividades da atual Diretoria Artística a seu escopo como Diretor Musical e Regente Titular da Osesp. Sob a gestão de Fischer, a construção da programação e escolha dos convidados levará em conta sua visão sobre repertórios, estilos e competências que, a seu ver, enriquecerão a capacidade musical da orquestra e demais corpos artísticos”, anota o comunicado.

O texto afirma ainda que “caberá a Fischer articular e implementar a visão de longo prazo para todos os corpos artísticos da Fundação, que inclui também o Coro da Osesp, Quarteto Osesp, Quinteto Osesp e Coros Juvenil e Infantil”. “As demais atividades da Direção Artística serão distribuídas entre Fischer e sua equipe e Marcelo Lopes e o time da Direção Executiva, com intensa colaboração em frentes como os Programas Educacionais e projetos de difusão pelo Estado de São Paulo.”

Leia a íntegra da carta de despedida de Arthur Nestrovski:

“Faz 15 dias, a Osesp e o Coro da Osesp, regidos por Marin Alsop, se apresentaram no Carnegie Hall, em Nova York. Carregados de sentidos – artísticos, institucionais, até ecológicos (no programa Floresta Villa-Lobos) –, pode-se dizer, sem exagero, que esses foram dois concertos históricos. A seu modo, fechavam um ciclo virtuoso iniciado com Marin uma década atrás, que nos levou, pela primeira vez, ao festival BBC Proms, em Londres, à Philharmonie de Berlim, ao Festival de Lucerna e a muitas outras das principais salas de concerto ao redor do mundo, do Brasil à China. A seu modo, também, marcavam o fim de outro ciclo, pessoal, como Diretor Artístico da Fundação Osesp.

A decisão vinha sendo amadurecida há bom tempo, em conversas com o presidente Pedro Parente e outros membros do Conselho de Administração, além do Diretor Executivo Marcelo Lopes, meu grande parceiro nesses 13 anos de tantas realizações. Quando fui convidado a assumir o cargo, em 2010, pelo então presidente do Conselho, Fernando Henrique Cardoso, a principal tarefa era assegurar a continuidade e garantir a estabilidade do projeto. A história da Osesp de lá para cá fala por si. Com todos os percalços da vida brasileira, sem contar a pandemia de Covid-19, que abalou o mundo inteiro, aqui estamos, no meio de mais uma temporada de alto nível, chegando de uma turnê internacional e com grandes planos para o futuro. A qualidade artística só cresceu, assim como o prestígio da Osesp.

Entre muitas outras conquistas, vale destacar a chegada de Marin Alsop, como Regente Titular, depois de três anos de transição com Yan Pascal Tortelier. Fomos pioneiros na contratação de uma regente mulher, o que só nos dá motivo de orgulho. A passagem do bastão, de Marin para Thierry Fischer, conduzida com serenidade, profissionalismo e transparência, é outro motivo de satisfação para todos nós.

Ao longo de mais de uma década, a Direção Artística buscou implantar renovadamente o senso de curadoria, coordenando múltiplas frentes de atuação (artísticas, educativas, editoriais) e almejando assim dar relevância ao trabalho da Osesp, seja no cenário paulista e nacional, seja, em alguma medida, internacional.

Também a programação de concertos seguiu neste espírito, conjugada ao desejo de levar os quadros artísticos mais longe. Nossa lista de regentes e solistas convidados faria inveja a qualquer grande orquestra; e a construção do repertório manteve acento inovador, conversando com nosso tempo, sem deixar de cultivar o cânone, como bem compete a um conjunto dessa dimensão.

Entre muitos outros projetos ligados à música brasileira, merece destaque a gravação das Sinfonias de Villa-Lobos, acompanhada de uma edição corrigida das partituras, sob a direção do maestro Isaac Karabtchevsky, trabalhando com nosso Centro de Documentação Musical. Estamos agora engajados no projeto Música do Brasil (Naxos/Itamaraty), com quatro álbuns lançados e outros três em breve. A lista de obras encomendadas a compositores brasileiros, de 2010 para cá, chega a 60 títulos, aos quais se somam as coencomendas internacionais, outra iniciativa pioneira entre nós.

A Temporada 2023 já foi divulgada. As linhas gerais da Temporada 2024 também estão definidas. As coisas estão em ordem. Olhando em retrospecto, só posso agradecer pela experiência incrível de tanto trabalho, com tantos parceiros e interlocutores: músicos, conselheiros (gestão FHC, gestão Fábio Barbosa, gestão Pedro Parente), sucessivos governadores e secretários de estado, equipes da Fundação, artistas convidados e seus representantes, patrocinadores, membros da mídia, assinantes e público em geral, literalmente milhares de pessoas com quem tive a alegria de conviver, ao longo de tanto tempo – e aos quais não posso deixar de acrescentar, em outro plano todo especial, minha mulher Claudia Cavalcanti e nossas filhas. Mas um dos aprendizados que levo é justamente reconhecer a hora em que cabe à instituição renovar as reservas de energia para tocar um projeto como este. E também, do ponto de vista pessoal, a hora de voltar a projetos próprios e a uma vida com outras demandas, agora sem a infinita carga de dedicação à Osesp.

Inauguramos hoje um Acervo que leva meu nome, na Mediateca da Sala São Paulo; uma coleção de quase dois mil livros, de música, literatura e outras áreas. É meu presente de despedida, em agradecimento pelo que vivi nesta casa e também como aposta no futuro, torcendo para que a Osesp tenha sempre condições de seguir seu caminho como merece.

Viva a Osesp, viva a música! E viva o ideal que nos anima, patrimônio imaterial coletivo, que nos cabe defender, hoje talvez mais do que nunca.”

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Arthur Nestrovski [Divulgação/Ding Musa]
Arthur Nestrovski [Divulgação/Ding Musa]

 

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