Realizado no “Dia Mundial da Ópera” pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto, encontro no Theatro Municipal do Rio de Janeiro reuniu profissionais e autoridades para discutir estratégias de desenvolvimento do setor
O encontro Ópera em Pauta, realizado pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto, foi realizado ontem, terça-feira dia 25 de outubro, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Profissionais do setor e autoridades públicas debateram a situação da ópera no país.
O encontro foi aberto às 10h30 pela presidente da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Clara Paulino, que deu boas-vindas aos participantes e externou a felicidade em oferecer o espaço do Municipal carioca para a discussão e troca de experiências para o fortalecimento do setor. Mais tarde, fez uso da palavra a secretária de Cultura e Economia Criativa do estado do Rio de Janeiro, Daniela Barros, que igualmente se disse feliz em receber profissionais de todo Brasil. Daniela afirmou que é necessário trabalhar para formação de novas plateias e estimular o diálogo da cultura com a educação.
Mercado de ópera no Brasil
A primeira mesa de debates, intitulada Mercado de ópera no Brasil, foi moderada pelo cantor e produtor Vinicius Atique. A primeira intervenção foi do maestro, compositor e professor Guilherme Bernstein, que acredita que o gênero ópera é muito popular e tem um público jovem e crescente. Bernstein expôs a preocupação de como fazer a ópera chegar ao público e afirmou que uma ação importante, que permite a circulação de espetáculos, é a de criar óperas “fáceis” de empacotar e transportar: “precisamos criar um mercado de fato”, afirmou.
Seguiu-se a fala da diretora operacional do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Adriana Rio Doce, que, a partir de sua experiência de 16 anos trabalhando nos Estados Unidos, disse que não temos de ter receios de fazer da ópera um “produto” e que, referindo-se à ideia de Bernstein, é possível fazer espetáculos menores com alta qualidade. Adriana também chamou a atenção para o fato de técnicos no Brasil ainda serem mal pagos e menos valorizados, e que o Fórum tem uma importante função para articular esses profissionais.
Julianna Santos, diretor cênica, foi a próxima a falar e defendeu a ópera como uma arte dinâmica, viva e conectada com a atualidade. Julianna falou da importância de ações de formação de público – citou o ópera estúdio da UFRJ e o projeto “ópera no bolso” promovido no passado pelo município do Rio de Janeiro – e de sua experiência com a ópera contemporânea e a ópera brasileira.
O cantor lírico Murilo Neves encerrou as exposições falando da importância do fórum para a discussão sobre os problemas da “classe de cantores”. Também externou a preocupação com o mercado e afirmou que o foco da ópera já não é mais o cantor, mas o maestro e o diretor cênico – “o cantor não tem muita voz”, disse, logo emendando que “isso é uma constatação, não uma reclamação”.
Seguiram-se algumas intervenções do público sobre a crescente valorização que é dada a encenação em detrimento da música – Julianna Santos respondeu dizendo que o que há é uma nova maneira de se trabalhar, em que as relações entre os diretores e artistas seguem processos mais horizontalizados – e sobre a importância do estado para a sustentação financeira da atividade lírica.
Gestores de Ópera no Brasil
Após o almoço, os participantes voltaram ao Salão Assyrio do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para a segunda mesa de debates, intitulada Gestores de Ópera no Brasil, e mediada pelo gestor artístico da Santa Marcelina Cultura, Ricardo Appezatto. Em sua introdução, Ricardo falou da relevância das ações afirmativas, dos diálogos com a comunidade e com os repertórios, e dos desafios de se construir teatros em que a diversidade da sociedade brasileira esteja presente.
A primeira fala coube a Flávia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas de Ópera, que exibiu um vídeo sobre o impacto econômico do festival na cidade de Manaus, incluindo o seu potencial de promover o turismo. Flávia também afirmou que a ópera, por ser a junção de diferentes artes, é um ótimo indutor para o desenvolvimento da atividade cultural, pois necessita de orquestra, de coro, de cantores, de bailarinos, de técnicos etc., dando o exemplo de como o Festival Amazonas de Ópera criou ao longo dos últimos 20 anos uma grande cadeia produtiva cultural em Manaus. “É preciso desenvolver a indústria da ópera, ela gera dinheiro e possibilita a construção de uma nova realidade”, concluiu.
É preciso desenvolver a indústria da ópera, ela gera dinheiro e possibilita a construção de uma nova realidade
Seguiu-se a mezzo soprano e gestora Mere Oliveira, que falou de sua intensa atuação na cidade de Taubaté, no Vale do Paraíba. Ali, por meio de um projeto de ópera estúdio, Mere já realizou mais de 80 espetáculos que proporcionaram experiências de formação para mais de 200 cantores. A artista também chamou a atenção para a importância das iniciativas independentes e citou a Cia Ópera São Paulo, a Cia Minaz, o Núcleo de Ópera da Bahia, a Cia Mineira de Ópera, a Cia de Ópera do Rio Grande do Sul, bem como o projeto de ópera desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco. Mere também falou do papel do fórum para articular o setor e contou da recente encenação de Gianni Schicchi, integralmente realizada por artistas negros e pardos, que “abriu” o fosso do teatro de Taubaté pela primeira vez depois de mais de 100 anos.
O maestro Abel Rocha, diretor da Sinfônica de Santo André e professor da Unesp, tomou a palavra em seguida e apresentou uma comparação entre a ópera da cidade alemã de Düsseldorf e o Theatro Municipal de São Paulo. A partir de uma planilha que relaciona a oferta de lugares no teatro de ópera com a respectiva população, Abel mostrou que a cidade de São Paulo necessitaria de 21 teatros municipais produzindo cada um 300 récitas ao ano (!) para que fosse alcançada a mesma média de oferta de ópera que o teatro alemão oferece a sua população – “não vamos conseguir fazer isso nunca”, afirmou. A partir daí, Abel falou da importância de reforçar a ligação da cultura com o setor de educação e da importância de investir na formação de público. O maestro também levantou o receio de que o objetivo de buscar baratear a ópera pode levar a uma “desprofissionalização” da produção, e que é necessário também fazer com que os projetos de inclusão cultural abarquem escolas privadas e outras camadas sociais.
A mesa foi encerrada pelo cantor lírico e diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Eric Herrero, que expôs os avanços que o teatro tem feito após a pandemia e os problemas de insatisfação dos profissionais da casa, o que incluiu a contratação temporária de artistas para os corpos estáveis que estavam desfalcados. Herrero contou que a secretária Daniela Barros conseguiu o destravamento do Fundo Estadual de Cultura, o que impulsionou a produção cultural do estado do Rio de Janeiro com o lançamento de editais que distribuíram mais de R$ 140 milhões. Hoje, em parceria com vários municípios, o teatro faz atividades regulares em sua sala principal, no Assyrio, nas escadarias, no Boulevard e na Sala Mário Tavares. O teatro também desenvolve um projeto de formação de público junto a escolas, que impacta milhares de crianças e jovens. Para o ano que vem, Herrero quer recriar a academia de ópera e dinamizar a circulação de espetáculos.
Gestores públicos
O Ópera em Pauta ainda teve uma terceira mesa, que reuniu autoridades e gestores que atuam na área pública, mediada pelo maestro, professor e presidente da Academia Brasileira de Música André Cardoso.
O gestor cultural, bailarino e coreógrafo Marcelo Lages, que atua em Vitória, no Espírito Santo, abriu a mesa. Ele expôs a dificuldade da dança em alcançar uma qualificação acadêmica, defendeu a integração das artes, uma proposta educacional e o intercâmbio de grandes e pequenas produções para a formação de novos públicos, e citou a operacionalização das leis de incentivo no estado como importando fator para a promoção da cultura e a criação de novas companhias de dança.
Seguiu a fala do secretário de Cultura da cidade de Vitória, Luciano Gagno, que realçou a importância da atividade cultural para a criação de empregos e para a dinamização da economia. Lembrando das colocações de Mere Oliveira, Luciano falou da importância de aproximar a ópera da cultura local e popular, com títulos falados em português, e também de reforçar a ligação da esfera da educação com o gênero da ópera.
O vice-prefeito e secretário de Cultura de Guarulhos, Jesus Roque de Freitas, falou de como a ópera e a música clássica se desenvolveu na cidade, desde 2003, com a criação da Orquestra Jovem de Guarulhos e depois, em 2019, com a criação da GRU Sinfônica. Foram produzidas no total 14 óperas, média que tem crescido nos últimos anos com a encenação de dois títulos por ano. O professor Jesus também falou do trabalho conjunto com a área de educação e do novo Festival de Ópera de Guarulhos, creditando o avanço da atividade clássica e lírica na cidade ao trabalho do maestro Emiliano Patarra.
E foi Patarra que deu sequência às exposições, falando do cuidado que tem em montar uma programação equilibrada, que junte o raro ao tradicional. “As pessoas querem ópera! Então não podemos privá-las da arte de que tanto gostamos”, afirmou. Emiliano também falou da importância do Fórum-ODM para a articulação dos profissionais e para o desenvolvimento do setor.
As pessoas querem ópera! Então não podemos privá-las da arte de que tanto gostamos
A secretária de Cultura e de Turismo de Ribeirão Preto e vice-presidente do Fórum nacional dos secretários e dirigentes de Cultura, Isabella Pessotti, contou de sua atividade como bailarina e posterior formação para a atuação na gestão cultural. Isabella defendeu a importância do desenvolvimento do mercado – “devemos fazer como no Turismo, que sabe mostrar como a atividade gera riquezas” –, e da formação de artistas e de plateias. Com ênfase, a secretária defendeu a descentralização das ações culturais afirmando que os recursos devem chegar às pontas e que os problemas do país se resolvem nas cidades. “Não há cidade no país que receba nem 2% do orçamento para a área da cultura”, reclamou. “Dinheiro há, tem que distribuir melhor”, concluiu.
O próximo a falar foi o gestor da divisão de Cultura e Arte da Firjan (Federação de Indústrias do Rio de Janeiro) Sesi RJ, Antenor Oliveira, que também fez uma defesa da economia criativa, afirmando que o desenvolvimento do setor auxilia a área industrial, já que é ela que fornece os insumos que a cultura usa. Em relação à ópera, Antenor acredita que é preciso inovar sem descaracterizar as suas origens e também realçou a sua importância para a aprendizagem e educação, que deve ser ampla e plural.
Encerrando o painel, o presidente da Funarte Tamoio Marcondes falou de sua atuação como executor de políticas públicas nas áreas do esporte, meio ambiente e, agora na Funarte, Cultura. “A Funarte é um executor, não é um formulador das políticas públicas”, esclareceu Tamoio, que exemplificou isso dizendo que cabe à Funarte a análise técnica de 80% de todos os projetos da Lei Rouanet – no ano passado, o equivalente à R$ 1,1 bilhão. O presidente também mencionou a nova estrutura administrativa implementada no órgão. Tamoio sugeriu que o Fórum se mobilize para conseguir vincular recursos para o Fundo Nacional de Cultura, como ocorre com a Lei Agnelo Piva na área de esporte. O presidente lembrou da parceria com a UFRJ para o desenvolvimento de projetos como o Sinos, que também mantém uma academia de ópera e tem um programa que já encomendou quatro novos títulos.
Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto
Terminados os debates, o Ópera em Pauta anunciou que apenas uma chapa se inscreveu no processo eleitoral para a direção do Fórum-ODM nos próximos dois anos, e que esta acabou eleita com mais de 100 votos. A nova chapa tem os seguintes diretores (em ordem alfabética): Abel Rocha (SP), André Cardoso (RJ), André Heller-Lopes (RJ), Cris Morales (SP), Emiliano Patarra (SP), Flávia Furtado (SP), Glacy Antunes (PR), Guilherme Mannis (SE), João Guilherme Ripper (RJ), Marcelo Lages (ES), Paulo Ésper (SP), Ricardo Apezzato (SP) e Vinícius Atique (SP).
Na sequência, o maestro Abel Rocha conduziu a cerimônia de premiação do Concurso de Composição de Ópera promovido pelo Fórum-ODM em parceria com a Academia Brasileira de Música e com a Revista CONCERTO. O júri, presidido pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, escolheu como vencedor o jovem compositor Piero Schlochauer. Em um fato inédito – fruto do espírito colaborativo que tem guiado o Fórum desde a sua criação –, a obra de Schlochauer será apresentada em mais de 10 teatros de todo o país.
O Ópera em Pauta se encerrou à noite, com um concerto a OSB no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Sob direção da maestra Priscila Bomfim e a participação das cantoras Ludmila Bauerfeldt, Marianna Lima e Tatiana Carlos, a OSB fez um concerto homenagem ao centenário da mítica soprano Renata Tebaldi, que participou das temporadas líricas do teatro carioca entre os anos de 1951 e 1954.
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