Caleidoscópio: Egberto Gismonti na Sala São Paulo

por Camila Fresca 08/03/2024

A Tucca deu início a mais uma temporada de concertos internacionais na última quarta-feira, dia 6. A mescla de gêneros é uma característica da série, que usualmente apresenta grandes nomes do jazz, do clássico e da música instrumental brasileira.

Nesse sentido, a atração de abertura foi uma síntese: o músico Egberto Gismonti. Artista inovador, Gismonti é figura ímpar da música brasileira, operando num território que por vezes é difícil de classificar e no qual entram a tradição musical clássica, o jazz e as raízes brasileiras. Com mais de 50 anos de carreira, gravou cerca de 70 discos, que lhe garantiram prestígio internacional e uma infinidade de prêmios. 

Gismonti deu um recital solo ao piano. Sem divulgar um programa prévio e apenas com um pequeno papel em suas mãos, ele entrou no palco da Sala São Paulo com os longos cabelos brancos presos na inseparável touca (que ele usa desde pelo menos 1977, ano em que lançou Dança das cabeças, álbum hoje já clássico, ao lado do percussionista Naná Vasconcelos). Foi aplaudido com entusiasmo por uma plateia diversificada, com jovens e outsiders mesclados ao público habitual de concerto. Juntos, eles tomavam a quase totalidade de assentos da sala. 

Gismonti iniciou o recital com seu Baião malandro. Segundo a nota de programa, o tema da noite girava em torno de um mote: 30 anos antes e depois da Semana de Arte Moderna, num hiato de tempo que iria de Carlos Gomes até meados da década de 1960. O que se viu foi uma viagem afetiva particular do compositor e multi-instumentista, que mesclou conhecidos temas seus, como Loro e Sete anéis, a clássicos da música brasileira – Retrato em branco e preto, de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretado em contenção de sons e com um aperto no peito, foi um deles. Além de Jobim, Villa-Lobos e Pixinguinha também se fizeram presentes. 

Nem sempre, no entanto, as obras apareciam estanques; no meio de uma improvisação, ou dialogando com peças de sua autoria, surgiam aqui e ali trechos de outros clássicos, como Maracangalha, de Dorival Caymmi, ou temas populares – será que ouvi um Boi da cara preta em meio a uma dessas improvisações?

As obras originais de Gismonti muitas vezes são conhecidas em formações maiores. No entanto, sozinho no palco, ele domina totalmente o piano, meio que decidiu usar ali para comunicar sua música. A vanguarda e o nacional, correntes fundamentais do século XX, somadas a influências indígenas e orientais, se juntam como que num caleidoscópio formando sua música, que no entanto é coesa e original. 

O público que esteve na Sala São Paulo aplaudiu calorosamente após cada número, e ouviu tudo com bastante atenção – o que não impediu, infelizmente, que um celular e um alarme tocassem em diferentes momentos. Gismonti uma única vez falou com a plateia sem ser pela música. Quando voltou para os agradecimentos finais, decidiu, como bis, tocar uma peça que, segundo contou, “sempre o encontrava” nas mais diferentes situações. E encerrou a noite com a belíssima Palhaço.

Egberto Gismonti durante recital na Sala São Paulo [Divulgação/Tucca]
Egberto Gismonti durante recital na Sala São Paulo [Divulgação/Tucca]

 

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