Na Polônia, diretor André Heller-Lopes faz montagem de Così fan tutte em duas versões
A Ópera Wrocław (Breslávia) estava particularmente ansiosa para esta estreia lírica, a primeira desde 2019 devido à pandemia. O diretor brasileiro André Heller-Lopes, que trabalha não apenas na América do Sul como também em outros continentes, retornou para essa encenação ao país de seu avô. Além de seu trabalho regular no Brasil, o diretor já dirigiu na Argentina, Uruguai, Alemanha, Grã-Bretanha, Portugal, Polônia, Áustria, Malásia e Estados Unidos. Ele recebeu o Prêmio Britten 100, foi finalista em 2014 do Opera Awards na categoria melhor produção de ópera e, no Brasil, foi três vezes vencedor do Prêmio Carlos Gomes, em 2009, 2010 e 2011. Heller-Lopes dirigiu o Theatro Municipal do Rio de Janeiro várias vezes e elaborou o programa juvenil da Ópera de Lisboa, entre outros trabalhos. Suas encenações incluem títulos do período clássico, do romantismo, do verismo e do modernismo.
Já vi e comentei alguns trabalhos de Heller-Lopes. Gostei especialmente de sua Tosca no teatro Haus für Mozart do Landestheater Salzburg sob a direção musical de Leo Hussein, em 2010. Em São Paulo, Heller-Lopes destacou-se em uma produção do Anel do nibelungo, de Wagner. Normalmente, as produções deste diretor extraordinariamente talentoso e imaginativo são caracterizadas por uma estética desenvolvida a partir da obra e de sua mensagem, com soluções de direção muito interessantes e significativas. Além disso, há sempre um bom gosto nas combinações dos cenários e figurinos com uso cuidadoso e eficaz da paleta de cores.
Na Breslávia, Heller-Lopes encenou Così fan tutte, de Mozart, de modo a permitir a participação de jovens cantores do Projeto Young Opera, dando-lhes assim a oportunidade de se apresentarem em uma performance inteira para um grande público. Eles foram escalados para cantar em cada segunda reprise.
E como Heller-Lopes concebeu a encenação? Ele pediu a Sofia di Nunzio a criação de dois conjuntos de figurinos, um para uma versão clássica da ópera, em estética barroca, e uma segunda de caráter moderno ou contemporâneo. Na abertura, Dorabella, Fiordiligi e Despina jogam cara ou coroa para decidir qual versão será apresentada naquela noite – uma ideia que cria um suspense adicional! Decidida a encenação, o elenco veste o respectivo figurino. A versão contemporânea também inclui trajes beduínos e burcas, enquanto Don Alfonso aparece como Karl Lagerfeld podendo fazer o papel de consultor de moda para as senhoras.
Para o diretor, contudo, mais importante que cenários e figurinos são as seguintes questões: o que é uma encenação moderna? Ela é apenas os figurinos e a cenografia, ou será que a modernidade não estaria escondida nas relações entre os personagens? Até que ponto a humanidade mudou ao longo dos séculos?
As respostas a essas perguntas Heller-Lopes sutilmente incorporou nas duas versões da obra. Enquanto na versão clássica os cenários são brancos e os figurinos são em cores fortes de maneira quase estereotipada, na versão moderna os trajes predominam em preto ou branco e os cenários são multicoloridos. E uma grande sacada dramatúrgica: na versão moderna, Fiordiligi realmente fica com Ferrando e Dorabella com Guglielmo, enquanto na versão clássica os casais originais se reúnem novamente...
Em 12 de junho passado, o cara ou coroa decidiu pela versão clássica. Por meio do palco giratório aparece o cenário correspondente, realizado por Renato Theobaldo, que em combinação perfeita com a iluminação de Gonzalo Cordova, sugere uma viva atmosfera. A dinâmica e dramaturgicamente sempre convincente direção de atores de Heller-Lopes está perfeitamente em sintonia com a iluminação e cenografia.
Sonia Warzyńska-Dettlaff protagonizou uma brilhante Fiordiligi e Elvira Janasik construiu uma ótima Dorabella com sua maravilhosa voz de mezzo mozartiano. Pavel Trojak foi um Guglielmo muito bom e Adrian Domarecki um Ferrando com voz de tenor ainda um pouco pequena. Esses convidados foram acompanhados por dois membros da casa: Maria Rozynek-Banaszak que fez uma Despina de primeira classe com grande beleza vocal e vivacidade cênica, e Tomasz Rudnicki, que interpretou um sonoro e soberano Don Alfonso. O Coro da Wroclaw Opera cantou com intensidade vocal e o maestro Oskar Kucharski, que acaba de concluir sua formação e fez sua estreia no pódio da Orquestra da Wroclaw Opera, manteve, com regência engajada, a tensão durante toda a apresentação.
Este Così mostrou o que a internacionalidade pode alcançar na direção cênica quando há respeito em relação à obra e a suas mensagens, se a companhia de ópera está aberta a ideias novas, como no caso da Wrocław Opera. Com a diretora Halina Oldakowska e o diretor artístico Mariusz Kwiecien a casa já tem a liderança de uma equipe jovem e dinâmica. Muitas coisas interessantes podem ser esperadas aqui no futuro.
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