Com Arvo Volmer, Osesp oferece leitura teatral do oratório ‘Paulus’, de Mendelssohn

por João Luiz Sampaio 01/04/2024

No oratório Paulus, que a Osesp interpretou ao longo do último final de semana, Mendelssohn evoca Bach e Händel ao mesmo tempo em que deixa entrever a sensibilidade do universo romântico. O tom meditativo da partitura é muitas vezes confundido com falta de senso dramático, o que não faz justiça à partitura. Na construção dos clímax, na elaboração das árias ou na escolha e combinação das vozes e instrumentos há um sentido teatral que perpassa toda a partitura, que narra a história da conversão e morte do apóstolo Paulo.

Esse aspecto tornou-se claro na leitura dada à obra pelo maestro Arvo Volmer. Primeiro, porque ele constrói uma narrativa fluida – e, segundo, e talvez mais importante, porque essa fluidez nasce da atenção às mudanças de caráter na música. É bem mais do que saber contrastar força e lirismo. É estar atento na forma como solenidade, lirismo, gravidade formam, juntos, ao longo de duas horas de música, um quadro tocante.

O tom reflexivo do Recitativo e Ária “Saulo destruiu a comunidade dos fiéis”; toda a passagem que vai da descrição do caminho de Paulo para Damasco até o momento de revelação que recapitula a abertura da peça, articulando solenidade e um senso individual de descoberta; a sensibilidade das madeiras no dueto entre Paulo e Barnabé; a intensidade no recitativo e coro “Mas, ao ver o povo, os judeus”; a beleza tocante no coro “Tende piedade de nós” – houve várias passagens particularmente marcantes na récita de sexta-feira, mas a riqueza da leitura está não apenas na construção delas, mas no todo orgânico que formam.

Volmer teve a sua disposição intérpretes sensíveis, cantores que colorem suas passagens individuais de forma muito particular – os graves sonoros da mezzo soprano Luciana Bueno, a delicadeza comovente mesmo nos momentos mais tensos da soprano Lina Mendes, a expressividade do tenor Nico Darmian, os contrastes tão bem construídos pelo barítono Paulo Szot. E há o Coro da Osesp, sempre atento ao pathos de cada passagem, na forma e na intenção.

O repertório coral-sinfônico foi importante na consolidação da Osesp como referência na cena musical brasileira. Nas primeiras temporadas dos anos 2000, a orquestra apresentou uma seleção ampla de peças do gênero, das paixões de Bach ao Rei Davi de Honneger ou o Réquiem de Guerra de Britten.

Havia, então, um senso estimulante de descoberta de repertório – e daquilo que o grupo era capaz de realizar artisticamente. Sensação parecida ofereceu a interpretação da obra de Mendelssohn. O que se ouviu foi uma Osesp atenta a questões de estilo, de sonoridade clara, equilibrada, jamais burocrática ou sofrendo de falta de concentração ao longo de uma peça longa e exigente. Algo importante está acontecendo na Sala São Paulo.

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A mezzo soprano Luciana Bueno, a soprano Lina Mendes e o maestro Arvo Volmer durante concerto  na Sala São Paulo [Divulgação]
A mezzo soprano Luciana Bueno, a soprano Lina Mendes e o maestro Arvo Volmer durante concerto  na Sala São Paulo [Divulgação]

 

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