Entusiasmo e energia marcam apresentação da Filarmônica de Goiás na Sala São Paulo

Após crise que quase a levou à extinção, orquestra demostrou vigor sob direção de seu maestro titular Neil Thomson

Foi bom o concerto que a Filarmônica de Goiás apresentou ontem (sábado, dia 16 de julho) na Sala São Paulo. No âmbito do Festival de Inverno de Campos do Jordão, o conjunto interpretou obras de Nepomuceno, Ravel e Guerra-Peixe, e fez a estreia mundial do Concerto para piano de Nimrod Borenstein, com a solista Clélia Iruzun. A apresentação será repetida hoje, às 16h30, no Auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão (clique aqui para saber mais).

O concerto iniciou-se com o Prelúdio de O garatuja, de Alberto Nepomuceno (1864-1920), que ganhou uma leitura cheia de ímpeto, mas orgânica e atenta a dinâmicas. A orquestra demonstrou brilhante sonoridade, ainda que eventualmente um pouco exposta demais. Já aqui, foi possível reconhecer a qualidade dos diversos naipes do conjunto. 

Seguiu-se o Concerto para piano de Borenstein, compositor nascido em Tel Aviv, em 1969, que se formou em Paris e Londres. Com quase meia hora de duração, o Concerto está dividido em três movimentos e tem uma acessível linguagem moderna. Com criatividade, o compositor constrói imagens sonoras explorando pizzicatos e motivos fragmentados, em um todo muito envolvente. Há passagens de beleza singela, que logo cedem espaço para fortes ataques do piano ou da orquestra. Conduzida por Thomson, a Filarmônica de Goiás tocou com convicção, acompanhando a excelente pianista Clélia Iruzun, a quem a obra é dedicada.

Após o intervalo, a Filarmônica de Goiás voltou para Ma Mere l’Oye, obra composta em 1908, e orquestrada em 1911, pelo francês Maurice Ravel. Pareceu-me que esse conto de fadas orquestral, de caráter fantasioso, destoou um pouco do ânimo do grupo. Apesar de todo acerto técnico, faltou-lhe em algumas passagens a atmosfera onírica e noturna que a obra sugere.

A apresentação se encerrou com a Suíte sinfônica nº 1, Paulista, composta por Guerra-Peixe (1914-1993) em 1955. E a Filarmônica de Goiás executou-a com primor, com equilíbrio e com todas as cores e energia rítmica que a partitura pede. A obra também deu espaço para revelar os bons solistas da orquestra. (Alías, esta obra Guerra-Peixe integra o ótimo CD que a Filarmônica de Goiás acaba de lançar para a coleção A música do Brasil, do selo Naxos. A gravação contém ainda a Suíte sinfônica nº 2, Pernambucana, e a Roda de amigos – clique aqui para ouvir no Spotify.)

Por fim, cabe ressaltar a excelente condução do maestro Neil Thomson, que conhecemos dos trabalhos que tem feito com a Osesp. Com movimentos largos e precisos, Thomson tem uma regência comunicativa, atenta e muito eficiente.

Crise

A Filarmônica de Goiás acaba de atravessar uma grave crise, que quase pôs fim à orquestra. Em maio passado, após sucessivos cortes em seus salários, os músicos divulgaram uma carta aberta em que expunham uma realidade dramática: “Estamos chegando a um ponto em que a situação que vivenciamos está se tornando insustentável. Diríamos até que a orquestra, enquanto instituição, está morrendo de uma forma ainda não perceptível para as pessoas que assistem aos nossos concertos, mas já percebida por nós”. A crise só foi contornada com a intervenção direta do governo do estado, que reajustou os salários dos músicos em 80%. Atualmente, a gestão da orquestra é feita pelo Instituto Tecnológico de Goiás em Artes Basileu França, que tem uma parceria com a Universidade Federal de Goiás. 

Junto com a Osesp e a Filarmônica de Minas Gerais, a Filarmônica de Goiás participa do projeto Brasil em concerto, que, idealizado pelo Ministério das Relações Exteriores e em parceria com a Academia Brasileira de Música, está lançando em CD pelo selo Naxos a coleção A música do Brasil, com um abrangente repertório de música brasileira. Além do já citado CD de Guerra-Peixe, a Filarmônica de Goiás já lançou um CD com as sinfonias 5 e 7 de Claudio Santoro, de quem, no fim do projeto, terá registrado a integral (clique aqui para saber mais sobre os CDs da Naxos da série A música do Brasil).