Diretora Musical da Buffalo Philharmonic, a norte-americana JoAnn Falletta é uma veterana dos palcos. Da mesma geração de Marin Alsop, a maestra desbravou caminhos na regência para as mulheres. Com mais de 100 discos gravados e alguns prêmios Grammy no currículo, ela atua como regente convidada por todo o mundo.
JoAnn Falletta esteve no Brasil pela primeira vez na semana passada, conduzindo a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo num programa com obras de Debussy, Ravel e o Concerto para violino de Samuel Barber. Falleta, que é mencionada em Tár, filme de Todd Field que gerou discussão no mundo clássico ao retratar uma maestra controversa, diz que adorou o filme. Ela falou também sobre a situação das mulheres regentes com a Revista CONCERTO no camarim do Theatro Municipal antes de sua primeira apresentação, na sexta-feira, dia 26, que teve casa cheia e um público que a recebeu calorosamente.
Esta é a sua primeira vez no Brasil. Primeira vez, portanto, com uma orquestra brasileira. Quais têm sido suas impressões?
A orquestra é maravilhosa. Eles são muito flexíveis e apaixonados. Para mim tem sido um momento feliz, porque eles tocam muito bem um repertório difícil. O spalla Pablo de León é o nosso solista no Concerto de Barber e está tocando muito, muito bem. É uma peça difícil e provavelmente, para os norte-americanos, o melhor concerto para violino que temos.
Estando de frente para uma mulher regente, não posso deixar de te perguntar como foi a sua trajetória. Quais foram as dificuldades do início da carreira e em que momento você acredita que conseguiu ter visibilidade e estabilidade?
Aconteceu muito lentamente. No início, as pessoas eram céticas, não havia muitas mulheres cursando regência orquestral na Juilliard, onde estudei, e não se viam mulheres no pódio. Pouco a pouco as coisas foram melhorando. Alguns países são mais abertos, como os EUA e os da América do Sul. Na Áustria e Alemanha eles são menos abertos, mas lentamente estão mudando. Mas me sinto sortuda, pois se tivesse nascido antes eu não teria trabalho. Hoje em dia temos muitas mulheres trabalhando com regência.
Todos os meus professores foram homens; mas agora, mulheres podem me procurar e me questionar, podem conversar comigo e eu digo, “sim, eu tive o mesmo problema, isto foi o que eu fiz, isto é o que posso sugerir a você”
A pauta das mulheres na música, em geral, e das mulheres regentes, em particular, está em alta. Como você vê esse movimento, e de que forma se enxerga dentro dele?
Eu penso que o movimento está acontecendo porque o modo de ser um líder está mudando. No passado, os regentes eram muito autoritários, como Toscanini ou Karajan. Era, “eu sou o chefe, você nunca diga nada”. Hoje as coisas estão diferentes, em todas as áreas. As pessoas gostam de colaborar, ouvir, trabalhar em grupo. Uma vez que isto mudou, as mulheres estão prontas para entrar nesse meio, porque elas trabalham de um jeito que é colaborativo. Hoje em dia me sinto muito feliz, vejo outras mulheres, jovens regentes, querendo adquirir conhecimento comigo. Todos os meus professores foram homens; mas agora, mulheres podem me procurar e me questionar, podem conversar comigo e eu digo, “sim, eu tive o mesmo problema, isto foi o que eu fiz, isto é o que posso sugerir a você”. Eu dei uma masterclass para jovens regentes aqui em São Paulo, e cerca de 35% da classe era de jovens mulheres, o que é muito bom.
Você acredita que essas jovens regentes estão conseguindo alcançar os mesmos postos que os jovens regentes, ou ainda não?
É difícil dizer, mas talvez ainda não. Depende muito do direcionamento das orquestras, do quanto elas têm a mente aberta. Infelizmente, nem todas têm.
Recentemente o filme Tár, sobre uma maestra fictícia, chamou grande atenção. Foi muito elogiado pelo mundo do cinema e muito discutido no meio musical. Você assistiu Tár? O que achou do filme?
Eu assisti, e talvez eu esteja em minoria, mas adorei. É importante que as pessoas vejam nosso mundo: que ouçam a Quinta de Mahler, que vejam alguém em ação no pódio e percebam quanta energia, quanta paixão há nisso. Achei ótimo por mostrar nosso meio, mas também achei Cate Blanchett uma atriz fantástica. É o retrato de uma pessoa complexa, e penso que se vamos tratar as mulheres com igualdade, temos que perceber que elas são complexas também; elas não são completamente boas, têm personalidades complexas e dificuldades como todos. Eu gostei muito do filme.
As mulheres vão desempenhar um papel importante. Elas já desempenham, na verdade, mas ainda ficam em segundo plano
Você é violonista de formação e o Brasil é um país de grandes violonistas e que tem um compositor que deixou uma obra importante para o instrumento, Heitor Villa-Lobos. Você conhece nosso meio violonístico?
Não muito, mas conheço a família Assad, eles são internacionalmente conhecidos, e claro que conheço as peças de Villa-Lobos, todos nós as tocamos, ele é fantástico. Eu percebi, estando aqui, quão musical é a cidade de São Paulo, é um centro musical muito forte, tanto em relação à educação quanto à performance, e também quanto a compositores.
Quando não está viajando, ensaiando ou se apresentando, o que você gosta de fazer? Você tem hobbies, atividades fora da música?
Sim, eu escrevo poesia, gosto de ler, andar de bicicleta, praticar yoga. Além disso, gosto muito de viajar, porque quando chego a uma cidade conheço coisas diferentes, vou aos museus de arte, observo como as pessoas trabalham ou aonde vão comer. Fico sempre com a impressão de que o mundo é um lugar pequeno, os seres humanos são muito parecidos. Andei um pouco por São Paulo com o maestro Roberto Minczuk.
Qual você acha que será o futuro das mulheres regentes, compositoras e instrumentistas na música clássica?
Eu acho que elas vão desempenhar um papel importante. Elas já desempenham, na verdade, mas ainda ficam em segundo plano, não aparecem tanto. Eu espero, quero acreditar que não precisaremos dizer mulheres compositoras ou mulheres regentes. Diremos músicos, simplesmente.
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