Aos 80 anos, Aylton Escobar, um dos mais importantes compositores brasileiros da atualidade, ganha álbum que evidencia a alta densidade artística de sua obra
Hoje, 14 de outubro, o compositor, maestro e professor paulista Aylton Escobar completa 80 anos. Em sua homenagem, o Núcleo Hespérides Música das Américas gravou o álbum digital “Aylton Escobar, Música Contemporânea Brasileira”, que teve concerto de lançamento na última segunda-feira dia 9, no Theatro São Pedro, em São Paulo.
À exceção de uma obra, o concerto apresentou o mesmo repertório registrado no álbum, que abrange diversas fases da criação de Aylton, de Movimento de sonata, de 1967, obra para piano solo (por Renato Figueiredo), que foi escrita ainda em uma linguagem tonal e de forma tradicional, até En el hondo silencio de la noche - Escena, de 2015, para clarinete (Bruno Ghirardi), violoncelo (Rafael Cesário), piano (Renato Figueiredo) e coro feminino (regência de Maíra Ferreira). Em diversas obras, Aylton se utiliza de recursos eletrônicos (material pré-gravado com sons sintetizados, instrumentais, recitações de textos ou mesmo conversas e ruídos dos bastidores da gravação), que consegue juntar organicamente aos instrumentos tocados ao vivo no palco.
O CD abre com a obra Sete palavras e um punhal (1982), para flautista, sua voz e recursos eletrônicos, na interpretação de Rogério Wolf. Segue-se El laúd y las brumas (2013) para voz (a soprano Laiana Oliveira), percussão (Joaquim Abreu), violão (Daniel Murray) e recursos eletrônicos.
A obra seguinte é Leminski: quatro dizeres e uma sombra (2014), para voz (barítono Ademir Costa) e piano (Rosana Civile). A gravação que segue é Cantares para Airton Barbosa, escrita em 1982 para fagote solo (Fábio Cury). A próxima obra é Cantos Novos & Vazios (1977), para voz (soprano Caroline De Comi) e piano (Lidia Bazarian). Após a já citada Movimento de sonata, o álbum traz a Poética IV (1980), para clarinete baixo (Luis Afonso Montanha), seguida de Assembly (1972) para piano e recursos eletrônicos (Maria José Carrasqueira). O álbum fecha com a mencionada En el hondo silencio de la noche.
No geral, as interpretações são de grande esmero e virtuosismo. Próprio da escrita de Aylton, também, é a exploração dos recursos de cada um dos instrumentos. E é incrível a sonoridade e timbres que Rogério Wolf extrai de sua flauta ou Fábio Cury de seu fagote, para destacar apenas dois instrumentistas do grupo de intérpretes no todo de excelente nível técnico e musical.
Em sua música, Aylton Escobar logra aliar um formalismo racional a uma musicalidade que soa livre e espontânea. Sua criação é de alta concentração, cada nota tem o seu lugar e o seu sentido. Em sua cuidadosa ourivesaria sonora, não há som supérfluo. A sua música é introspectiva, não há arroubos. Mas não é uma atmosfera onírica ou meditativa – é muito mais a expressão de uma verdade existencial crua, com todas as suas contradições e paradoxos.
Em um ambiente vazado pela atonalidade, a música de Aylton Escobar brota livre definindo ela mesma a sua própria razão de ser, como em um poema. A sua música não é de harmonia e consolo, ela é de prospecção e de descobrimento. Ela busca verdades de nossa existência, e essas muitas vezes são desconfortáveis. É um corajoso perscrutamento da alma humana, com suas belezas, mas também com as suas sombras.
Aylton Escobar estudou música com mestres da escola nacionalista brasileira, como Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri, graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mais tarde estudou música eletroacústica na Universidade Columbia, em Nova York. Desde cedo, Aylton interessou-se por todo o universo das expressões artísticas, como o teatro, a literatura, o cinema e as artes plásticas. Em sua trajetória, Aylton Escobar também foi professor de composição na Escola de Comunicações e Artes da USP e desenvolveu uma destacada carreira de regente.
Foi um público seleto de algumas dezenas de pessoas que assistiu ao concerto de lançamento do álbum que homenageia Aylton Escobar em seus 80 anos de vida. Um álbum que evidencia a alta densidade artística de um dos mais importantes compositores brasileiros da atualidade.
Saí do teatro na garoa fria da noite de São Paulo pensando em como a música de Aylton Escobar se encaixa em nossa época imagética, rápida e instagramável... Acho que ela não se encaixa. Ou melhor, acho que ela se encaixa sim, mas pelo avesso!
Parabéns e vida longa a Aylton Escobar!
Clique aqui para ouvir no spotify o álbum “Aylton Escobar, Música Contemporânea Brasileira”
Clique aqui para ler a matéria ‘Autorretrato musical’, de João Marcos Coelho, sobre o novo álbum de Aylton Escobar.
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