Leia a seguir o texto de Tamoio Athayde Marcondes, presidente da Funarte, apresentado no “Ópera em pauta”, encontro realizado pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto, no Theatro Municipal de São Paulo, no último dia 25 de outubro
É importante reconhecer que a Funarte, enquanto órgão governamental de apoio às artes em âmbito federal, nunca desenvolveu uma política específica para a ópera, apenas iniciativas pontuais. A ausência de uma ação voltada para a ópera pode ser justificada por diferentes fatores. O primeiro, e talvez o mais decisivo, é que o setor pouco demandou em ações específicas em âmbito federal. Sabendo os teatros produtores vinculados a estados e municípios, podemos considerar compreensível que as políticas de fomento a tal manifestação artística ficassem a cargo dos órgãos governamentais aos quais os teatros produtores estão vinculados. Um segundo fator pode estar em uma desarticulação entre os diferentes e poucos teatros produtores, normalmente aqueles que mantêm corpos artísticos estáveis, mas que costumam elaborar suas temporadas de forma isolada. As eventuais trocas de produções e as ainda mais eventuais coproduções parecem ser práticas pontuais, com objetivos mais imediatos, quando poderiam se constituir numa estratégia mais consistente para oferecer mais espetáculos ao público e baratear suas produções.
Tais fatos nos fazem refletir e constatar que restringir o apoio à ópera ao fomento de estados e municípios é uma estratégia que acaba por não levar em consideração uma ampla cadeia produtiva nacional, através da qual será possível articular as produções locais, fazer a circulação de espetáculos e fomentar negócios, turismo, formação artística e cultural; inclusive em âmbito internacional.
Fatores internos também foram impeditivos para que a ópera ganhasse alguma atenção por parte da Funarte ao longo de suas mais de quatro décadas de atuação. Definida como uma linguagem artística do campo das artes cênicas, a ópera não recebeu a merecida atenção exatamente por articular diferentes linguagens artísticas, sendo a música o elemento fundamental e unificador que a distingue, por exemplo, do teatro dramático. Vinculada no âmbito da Funarte ao Centro de Artes Cênicas, a ópera acabou por submergir em meio a inúmeras ações voltadas para o teatro e para o circo, sem o olhar diferenciado que faz por merecer. Tal diagnóstico se revela ainda mais preciso ao constatarmos que as poucas iniciativas voltadas para a ópera na Funarte partiram não do Centro de Artes Cênicas, mas do Centro da Música. Destaco aqui duas.
A primeira foi voltada para a obra do compositor Carlos Gomes, com a publicação das reduções para piano de suas principais óperas em 1986 e a editoração de partituras, partes instrumentais e gravações a partir de 1996. A segunda iniciativa a destacar foi voltada para a produção contemporânea, com a organização da Bienal Ópera Atual, em 2016, uma proposta não respaldada por uma política institucional, que infelizmente ficou em uma única edição.
O que posso então propor, como presidente da Funarte, para que tenhamos uma política para o setor? A primeira iniciativa é me colocar à disposição para ouvir as propostas. A segunda é, a partir de uma interlocução objetiva e propositiva com o Fórum que representa o setor, trabalhar para estabelecer uma política pública duradoura, com iniciativas que possam contribuir não só para o desenvolvimento do mercado profissional da ópera no Brasil, mas também fomentar iniciativas pedagógicas e formadoras que qualifiquem novos profissionais e atraiam novos públicos.
Posso dizer, no entanto, que tais ações já tiveram início. A Funarte tem em mãos dois importantes documentos produzidos pela Academia Brasileira de Música. O primeiro foi um levantamento dos teatros com fosso no Brasil, ou seja, aqueles que foram construídos como teatros de ópera. Tal pesquisa aponta a existência de uma rede de quase uma centena de teatros, por todo o Brasil, que poderiam, se não produzir, ao menos receber espetáculos.
O segundo documento é o Plano Nacional para o Desenvolvimento da Ópera no Brasil, apresentado pela ABM à Funarte, em janeiro de 2020 e que já em fevereiro, ensejou uma reunião com representantes do setor, na qual vários artistas e gestores estiveram presentes, na sede da Funarte no Rio de Janeiro, quando foi solicitada a destinação de verbas e a publicação de um edital específico para a ópera. O edital estava pronto para ser publicado quando a pandemia, com o consequente fechamento dos teatros e a suspensão das temporadas das orquestras brasileiras, impediu a continuidade das ações. Naquele momento, compreensivelmente, a então direção da Funarte optou pelo lançamento de editais genéricos para socorrer todo o setor cultural.
No entanto, reconhecendo a importância da ópera como manifestação artística e a necessidade de desenvolver ações que fomentem sua prática no Brasil, a Funarte, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, implementou, em minha gestão, ações para a ópera no âmbito do Sistema Nacional de Orquestras Sociais. Uma das ações foi a encomenda de quatro óperas de câmara aos compositores Tim Rescala, João Guilherme Ripper, André Mehmari e Eli-Eri Moura. No último dia 17 de outubro, a ópera O engenheiro, de Tim Rescala, estreou no Teatro São Pedro, de Porto Alegre. Assim e com o apoio de instituições parceiras, estão previstas para 2022 as estreias das demais óperas.
Evidentemente que não são ações suficientes para um setor que durante tantas décadas não se organizou e não foi contemplado com políticas públicas específicas. A Funarte precisa ser entendida não como uma instituição à qual se bate à porta, eventualmente, para solicitar apoios pontuais para produções e temporadas específicas, mas como o organismo que pode ajudar a alavancar uma cadeia produtiva em âmbito nacional, implementando políticas públicas estruturantes que proporcionem o desenvolvimento do setor como um todo, inclusive chegando aos pequenos e novos produtores. Ter o Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto como um interlocutor qualificado e representativo certamente criará os meios necessários para que finalmente consigamos colocar a ópera em pé de igualdade com as demais linguagens artísticas contempladas pela Funarte.
Tamoio Athayde Marcondes é presidente da Funarte – Fundação Nacional das Artes
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