Manifesto da Biblioteca Pública reforça importância da educação, da cultura e da cidadania na sociedade contemporânea; estado deve prover recursos que garantam a oferta de cultura para a população
Aconteceu entre os dias 26 e 30 de junho a 14ª edição do Seminário Biblioteca Viva, uma realização do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas (SisEB), da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do estado de São Paulo, sob a gestão da Organização Social SP Leituras. A programação deste ano contou com palestras, debates e apresentações de painéis com a participação de profissionais do Brasil, África do Sul, Holanda, Portugal e Ucrânia (parte dos eventos está disponível no YouTube, clique aqui para acessar).
O seminário teve como tema norteador o Manifesto da Biblioteca Pública, um documento lançado no ano passado pela Unesco e pela IFLA, International Federation of Library Associations and Institutions (Federação Internacional de Associações e Instituições de Biblioteca). Trata-se de uma atualização do manifesto redigido em 1994, incorporando agora os novos recursos digitais (leia aqui o manifesto).
Fiquei empolgado com o documento! Deu-me assim uma sensação de fé na humanidade. Em cinco páginas, o texto faz uma defesa pujante da biblioteca como um imprescindível meio para a população adquirir conhecimento e cidadania.
“A liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento social e individual são valores humanos fundamentais. Tais valores só vão ser alcançados por meio da capacidade de cidadãos bem-informados exercerem seus direitos democráticos e desempenharem um papel ativo na sociedade.
O manifesto abre com uma declaração lapidar: “A liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento social e individual são valores humanos fundamentais. Tais valores só vão ser alcançados por meio da capacidade de cidadãos bem-informados exercerem seus direitos democráticos e desempenharem um papel ativo na sociedade. A participação construtiva e o desenvolvimento da democracia dependem de uma educação de qualidade e do acesso livre e ilimitado ao conhecimento, ao pensamento, à cultura e à informação”.
E em seu segundo parágrafo, pontua: “A biblioteca pública, porta de acesso local ao conhecimento, fornece as condições básicas para a aprendizagem ao longo da vida, para a tomada independente de decisões e para o desenvolvimento cultural de indivíduos e grupos sociais”. E mais adiante: “Este manifesto proclama a crença da Unesco na biblioteca pública como uma força viva para a educação, cultura, inclusão e informação, como um agente essencial para o desenvolvimento sustentável, para o desenvolvimento da paz e para o bem-estar espiritual de todos os indivíduos”.
Escrito em uma linguagem de forte viés humanista, o documento reforça a importância da educação e da cultura na sociedade contemporânea, bem como do desenvolvimento de uma consciência cidadã. No manifesto, é reivindicada uma posição central para a biblioteca, uma vez que “ela fornece um espaço de acesso público para a produção de conhecimento, compartilhamento e troca de informações e cultura, como também a promoção do engajamento cívico”. E a biblioteca também deve servir e estar aberta a todos: “Os serviços da biblioteca pública são prestados com base na igualdade de acesso para todos, independentemente de idade, etnia, sexo, religião, nacionalidade, idioma, condição social e qualquer outra característica”.
Em um tópico voltado às missões da biblioteca pública, o documento elenca 11 missões-chave relacionadas à informação, alfabetização, educação, inclusão e participação cívica e cultural. “Através dessas missões-chave, bibliotecas públicas contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e para a construção de sociedades mais igualitárias, humanas e sustentáveis”, afirma.
“A biblioteca pública é da responsabilidade das autoridades locais e nacionais. Ela deve ser amparada por legislação específica e atualizada, alinhada aos tratados e acordos internacionais. Ela deve ser financiada pelos governos nacionais e locais”
O que achei especialmente significativo, é a responsabilização do poder público por sua manutenção e por seu desenvolvimento, sem qualquer relativização: “A biblioteca pública é da responsabilidade das autoridades locais e nacionais. Ela deve ser amparada por legislação específica e atualizada, alinhada aos tratados e acordos internacionais. Ela deve ser financiada pelos governos nacionais e locais”.
O manifesto se encerra assim: “Os tomadores de decisão nos níveis nacional e local e a comunidade bibliotecária em geral, em todo o mundo, estão convocados a implementar os princípios expressos neste manifesto”.
É verdade que o manifesto diz respeito a bibliotecas públicas. Mas, em suas declarações e assertivas, diversas vezes o texto extrapola para a área maior que as contém, que é a da educação e da cultura.
E para o setor cultural, que está acostumado a ver autoridades públicas tergiversando sobre investimentos na área, este manifesto da Unesco é um alento: a biblioteca pública “deve ser financiada pelos governos nacionais e locais”. Ponto! Investimento público direto.
No Brasil, afirmo eu, as dotações orçamentárias para a área da cultura são irrisórias. Vejam o seguinte paradoxo: conforme estudo realizado pelo Instituto Itaú Cultural, a área da economia criativa contribui com 3,11% do PIB nacional (clique aqui para ler). Por que, então, a dotação direta de recursos públicos para o setor da cultura nunca chegou nem perto de 1% do orçamento (em qualquer dos três níveis de governo – municipal, estadual e federal), que é considerado o mínimo em países civilizados?
O Brasil possui uma excelente legislação de isenção fiscal para patrocínios culturais, que é a Lei Rouanet. A própria lei também prevê o investimento público por meio do Fundo Nacional de Cultura. Mas não é suficiente.
O Brasil possui uma excelente legislação de isenção fiscal para patrocínios culturais, que é a Lei Rouanet. A própria lei também prevê o investimento público por meio do Fundo Nacional de Cultura. Mas não é suficiente.
Bibliotecas, e por minha conta incluo na lista museus, orquestras, teatros de ópera, companhias de dança e outras áreas culturais, não podem prescindir do investimento direto de recursos públicos. O estado brasileiro – o ministério da cultura e as secretarias estaduais e municipais – deve prover recursos que garantam a oferta de cultura para a população. Essa é a via para o futuro.
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