70 anos em duas horas de música, pelas mãos do mestre Edelton Gloeden

por Camila Fresca 28/03/2024

Há algumas décadas, Edelton Gloeden é uma referência do violão, seja como professor de gerações de estudantes, como pesquisador e docente da USP ou ainda como instrumentista. Pelo Selo Sesc, ele acaba de lançar um álbum duplo que é uma contribuição imensa ao violão brasileiro. 

A importância de Villa-Lobos para o instrumento – suas peças são um marco na escrita moderna para o violão – acaba por eclipsar a produção dos compositores que o sucederam. A exceção talvez fique por conta de Francisco Mignone, embora sua obra esteja longe de ter alcançado a mesma difusão. Edelton enfoca o repertório brasileiro surgido a partir de meados do século XX, quando “houve no Brasil um crescimento significativo e praticamente ininterrupto na criação de obras para violão solo”, explica. 

Em Integrais ele se dedica a registrar, pela primeira vez, toda a composição para violão solo de Edino Krieger (1928-2022), Camargo Guarnieri (1907-1993), Cláudio Santoro (1919-1989) e Osvaldo Lacerda (1927-2011), além de fazer uma nova gravação das peças de Guerra-Peixe (1914-1993). Do Ponteio, escrito em 1944 por Guarnieri, até A bela Luna (2019), de Edino Krieger, 70 anos de escrita para o violão no país são apresentadas em duas horas e meia de música. 

“Guarnieri, Guerra-Peixe, Santoro, Lacerda e Krieger, todos nascidos em um período cuja distância temporal entre eles não ultrapassa 21 anos, o que em História é uma distância mínima, apresentaram consideráveis diferenças em suas produções como compositores, mesmo quando, aparentemente, a distância entre seus ideais estéticos parecia ser tão próxima”, explica o maestro Lutero Rodrigues, um dos estudiosos cujos textos integram o projeto.

Osvaldo Lacerda e Cláudio Santoro possuem, cada um, apenas três obras para o violão, e nos dois casos elas foram escritas num curto intervalo de tempo: as de Lacerda, entre 1959 e 1961, preservando a escrita bem cuidada que lhe é peculiar, bem como o alinhamento à escola nacional de seu professor Camargo Guarnieri. Santoro, por sua vez, escreveu as suas entre 1982 e 83, em sua última década de vida, com alto grau de complexidade e dentro de uma estética “internacionalista” que caracterizou sua fase madura.  

Já Edino Kriger e Camargo Guarnieri escreveram seis peças cada um. Com o Ponteio, que nasceu por incentivo do violonista uruguaio Abel Carlevaro, Camargo Guarnieri compunha uma das primeiras obras brasileiras para violão escritas por um compositor não violonista, conforme revela o pesquisador Marcelo Fernandes. “A obra apresenta uma estrutura composicional ousada para o repertório da época, [...] com uma estética e estrutura que não se vinculam à obra de Villa-Lobos, sobretudo no campo idiomático e, por isso, constitui-se em um memorável enriquecimento para o repertório da década de 1940”, explica.

Edelton Gloeden se mostra um intérprete sofisticado, em plena forma e com amplo domínio dos diferentes discursos musicais empregados pelos compositores

Diferente desses compositores, Edino Krieger possuía formação como violonista, o que transparece em sua escrita. Com uma estética que abarca desde o neoclassicismo nacionalista até linguagens contemporâneas internacionais, sua obra pode ser a uma só vez cativante e altamente complexa, como a Ritmata, escrita em 1974 a pedido do violonista Turíbio Santos. Por outro lado, há peças singelas como A bela Luna, uma valsa de salão brasileira dedicada à sua neta.

Lacerda, Santoro, Krieger e Guarnieri preenchem o primeiro disco, enquanto o segundo é todo dedicado a obra de Guerra-Peixe. O compositor, que também tocava violão, escreveu a primeira peça para o instrumento em 1946, momento em voltava seu interesse para o dodecafonismo e o atonalismo: a despeito de ter movimentos intitulados Ponteado, Acalanto e Choro, a Suíte tenta uma fusão interessante entre o atonalismo e o elemento nacional. Há ainda uma Sonata, cinco Prelúdios, a coleção de Lúdicas e de Breves, o Caderno de Mariza e Peixinhos da Guiné, peças que vão do didático à investigação musical, tendo como norte a tradição musical brasileira. Uma produção rica e diversificada desse compositor cujas obras têm um enorme potencial comunicativo e que ainda são pouco difundidas.

“Pelo fato dessas obras serem, em sua maioria, de compositores que não tocavam o instrumento, elas apresentam grandes desafios aos intérpretes, tanto de ordem técnica quanto musical”, explica Edelton. “Outros fatores estão ligados à atuação desses criadores, como a defesa intransigente de princípios estéticos”.

Todas essas questões, no entanto, são equacionadas com tranquilidade pelo artista. Prestes a completar 69 anos, Edelton Gloeden se mostra um intérprete sofisticado, em plena forma e com amplo domínio dos diferentes discursos musicais empregados pelos compositores. “Integrais” já nasce como um disco incontornável do violão brasileiro. 

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Edelton Gloeden [Divulgação/Sesc]
Edelton Gloeden [Divulgação/Sesc]

 

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Comentários

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Parabéns pelo belo texto. Este CD de Edelton Gloeden já é um marco na história do nosso instrumento no Brasil, com produção e textos impecáveis, além de toda a maestria técnica e interpretativa desse grande violonista.

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