Acervo CONCERTO: A vida de Alexander Scriabin 

por Redação CONCERTO 20/05/2019

Texto de Camila Fresca publicado na Revista CONCERTO de janeiro de 2015

Alexander Scriabin foi o compositor russo mais eminente de sua geração. Contemporâneo de Debussy, no início do século XX foi um dos artesãos da emancipação da linguagem harmônica em relação aos limites tonais. Nascido em 6 de janeiro de 1872, em Moscou (segundo o calendário juliano, no dia 25 de dezembro de 1871), numa família aristocrática, Scriabin teve aulas de piano desde criança, integrando a classe de Nikolay Zverev (da qual Rachmaninov também fazia parte) a partir de 1884. De 1888 a 1892, estudou no Conservatório de Moscou, onde teve como professores Anton Arensky, Sergei Taneyev e Vasily Safonov. Nessa época, o excesso de prática do instrumento fez com que Scriabin lesionasse gravemente a mão direita. Isso não impediu sua carreira como pianista, mas certamente contribuiu para que ele voltasse as energias para a composição. Ainda que a mão mal alcançasse uma oitava, Scriabin tornou-se um pianista prodigioso que, antes mesmo de concluir o conservatório, já fazia turnês de concertos.

Também foi durante os anos de conservatório que ele revelou aptidão como compositor. As obras inicias revelam forte influência de Chopin e são exemplos típicos da música romântica para piano – noturnos, mazurcas, prelúdios e os primeiros estudos. Já estava presente, porém, a forte individualidade do compositor. Pouco tempo depois, ele iniciou a escrita de obras orquestrais, o que lhe garantiu prestígio como compositor e lhe abriu as portas para dar aulas no Conservatório de Moscou, a partir de 1898. E sua primeira grande obra orquestral foi justamente o Concerto para piano op. 20. Com apenas 24 anos e precisando de um concerto para demonstrar suas habilidades, ele se utilizou essencialmente do padrão estabelecido por Chopin – embora em sua escrita a orquestra desempenhe um papel muito mais ativo. A obra foi composta em poucos dias no outono de 1896, ainda que a orquestração só tenha sido finalizada em maio do ano seguinte.

Em 1903, Scriabin abandonou o conservatório e a primeira esposa, com quem tinha quatro filhos, e partiu para Bruxelas com Tatyana Schloezer, uma jovem admiradora que viria a ser sua segunda esposa. A estadia na Europa ocidental durou seis anos e teve dois fatos marcantes: o contato com a Sociedade de Teosofia e os ensinamentos de Helena Petrovna Blavatsky, que se tornariam, ao lado de sua admiração por Nietzsche, a base intelectual de seus esforços musicais e filosóficos; e, de outro lado, o desenvolvimento de uma linguagem musical original, altamente pessoal, experimentando com novas estruturas harmônicas em busca de outras sonoridades. 

Segundo a pesquisadora Michèle Reverdy, até 1903, data em que Scriabin compôs a Sonata para piano nº 4, a obra dele era profundamente marcada pela influência de Chopin e, depois, pela de Wagner. Foi então que a Sinfonia nº 3, construída sem solução de continuidade e a partir de um tema único, tornou-se o ponto de partida de um período de pesquisa em sua obra. “A partir de 1907, Scriabin libertou-se conscientemente do sistema tonal e edificou seu próprio universo sonoro – o Poema do êxtase op. 54 [que é sua Sinfonia nº 4] e a Sonata nº 5 foram as primeiras obras manifestas de uma nova trajetória, que resultou na elaboração de Prometeu: o poema de fogo op. 60, para piano e orquestra, concluído em 1910 e no qual o universo harmônico do compositor estava já perfeitamente constituído e controlado.” 

Por meio da teosofia, Scriabin dava vazão à busca por Deus e a questionamentos sobre a humanidade. O Poema do êxtase (1908) e Prometeu (1910) refletem, assim, a concepção de música do compositor, que seria uma ponte para o êxtase místico. Se a forma de alcançar a transcendência era pela música, a técnica utilizada era uma linguagem com algumas inovações importantes, tais como acordes construídos a partir da sobreposição de quartas e efeitos cromáticos inesperados. O compositor também acreditava firmemente na natureza sinestésica da arte e, apostando na correspondência entre sons e cores, indicou, em algumas obras, projeções de determinadas cores que se relacionavam com sons. 

O compositor Alexander Scriabin [Reprodução]
O compositor Alexander Scriabin [Reprodução]

Scriabin retornou à Rússia em 1911 e, até sua morte, saiu poucas vezes do país, apenas para turnês. Deixou inacabada a composição de um Mistério, que, além das correspondências entre música e cor, relacionava sons a sensações olfativas e táteis, chegando a se referir a toda a natureza, desde o ruído das folhas até a cintilação das estrelas. Scriabin morreu em 1915 em decorrência de uma infecção generalizada que se iniciou a partir de um corte no lábio, feito ao se barbear.

Alexander Scriabin está entre os pioneiros da linguagem musical contemporânea. O compositor teve o mérito de questionar as estruturas legadas pelo século XIX sem, contudo, perder o espírito essencialmente romântico. Para o musicólogo Roland de Candé, se a influência de Scriabin não foi muito grande em relação à dos contemporâneos, sua singularidade nos interessa porque bom número de suas iniciativas aparece, a posteriori, como antecipação da nova música – espírito de síntese, natureza essencialmente harmônica do sistema modal etc. 

O movimento gradual de Scriabin para além da tonalidade tradicional pode ser ouvido sobretudo em suas obras para piano. O pianista José Eduardo Martins, que realizou uma importante gravação dos Estudos (um dos legados mais importantes), afirma que existe uma enorme riqueza de ideias ao longo dos 26 estudos que o compositor escreveu entre 1887 (aos 15 anos de idade) e 1912, três anos antes de sua morte. Nos doze estudos do op. 8 nota-se o Romantismo exacerbado; em parte dos oito estudos do op. 42, é o modelo de Chopin que impera; finalmente, no op. 65, nota-se a integração da música com a experiência mística. Para José Eduardo, isso permite estabelecer, de um lado, um nítido panorama da escritura pianística do compositor e, de outro, acompanhar a trajetória do músico-pensador. Além disso, “tipificando Scriabin, percebe-se ser ele um dos autores que sofreria maiores transições na escrita composicional, sendo difícil compreender as derradeiras criações como compostas pelo mesmo músico das primeiras fases”.
 

Linha do tempo

1872
Alexander Scriabin nasce em Moscou, em 6 de janeiro, filho de uma família aristocrática

1876
Aos quatro anos de idade, inicia os estudos de piano

1884
Passa a ter aulas com Nikolay Zverev, também professor de Rachmaninov

1888
Aos 16 anos, ingressa no Conservatório de Moscou

1896
Compõe o Concerto para piano op. 20

1898
Passa a dar aulas no Conservatório de Moscou

1903
Scriabin abandona a esposa, Vera Ivanova Isakovich, e os quatro filhos e parte para a Europa ocidental com Tatyana Schloezer

1905
Toma contato com os ensinamentos teosóficos de Helena Petrovna Blavatsky, o que seria determinante em sua carreira; início de um período de grandes transformações em sua linguagem musical 

1908
Compõe o Poema do êxtase, sua Sinfonia nº 4

1910
 Finaliza Prometeu: o poema de fogo op.60, para piano e orquestra

1911
Volta a viver na Rússia

1915
Falece em decorrência de uma infecção generalizada

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