Um Villa-Lobos lírico e essencialmente romântico

por Camila Fresca 31/03/2025

Com Sonia Rubinsky e Roberto Minczuk, Osesp abriu série dedicada aos concertos para piano e orquestra do compositor

No último final de semana, a Osesp deu início a mais um projeto grandioso envolvendo a obra de Villa-Lobos. Depois de passar pelos Choros, Bachianas brasileiras, pelos concertos para violoncelo e pelas sinfonias, a orquestra agora se dedica a apresentar e gravar os concertos para piano.

Esta é das iniciativas mais relevantes que a Osesp pode prestar à música brasileira, uma vez que esse trabalho voltado ao público (apresentação e gravação) se complementa com a revisão e edição das partituras, em parceria com a Academia Brasileira de Música – tornando, portanto, esses concertos acessíveis a profissionais e instituições musicais do mundo inteiro. 

O programa teve regência de Roberto Minczuk e se iniciou com uma estreia: Kurupira – O guardião da natureza, do luso-argentino Esteban Benzecry. O compositor tem sido figura recorrente em nosso meio: em 2021 ele foi o compositor visitante da própria Osesp e, em abril, a São Paulo Chamber Soloists fará a estreia de seu segundo concerto para piano e orquestra no Teatro Cultura Artística.

Sua obra parte da constatação de que a cultura tupi-guarani, que se difundiu pelo Brasil, pela Argentina e pelo Paraguai, é um elemento de ligação entre esses países. Nela, o Curupira é o ponto de partida para uma reflexão sobre a preservação das florestas. [Leia entrevista com o compositor publicada na edição de abril da Revista CONCERTO; acesso exclusivo para assinantes.]

Concebido como um poema sinfônico em seis seções, Kurupira tem muito a ver com Villa-Lobos, seja por seu caráter descritivo, seja pela temática da natureza. No entanto, relaciona-se com um Villa-Lobos das décadas de 1910 (o dos poemas sinfônicos) e 1920, com os Choros. Um Villa-Lobos diferente do que se ouviria a seguir, o da década de 1950, que, no auge da maturidade, concluiu o último concerto para piano. 

Quem subiu ao palco para interpretar o Concerto para piano nº 5 foi Sonia Rubinsky, pianista brasileira radicada em Paris e reconhecida por seu trabalho em torno de Villa-Lobos – ela gravou, ao longo de 13 anos, a integral da obra para piano do compositor.

Dividido em quatro movimentos, o Concerto nº 5 se inicia com a orquestra atacando um tema grandioso, com um quê de cinematográfico. É uma rápida introdução para uma entrada mais melancólica do piano. No geral, entretanto, este Allegro non troppo é vigoroso, e durante boa parte do tempo foi difícil ouvir o piano, encoberto pela sonoridade voluptuosa da orquestra.  

Sonia Rubinsky não é uma pianista de arroubos virtuosísticos nem gestos grandiloquentes, e sua arte e seu profundo entendimento da obra de Villa-Lobos puderam ser mais bem apreciadas no nostálgico segundo movimento, Poco Adagio, que traz uma reminiscência da famosa Ária das Bachianas nº 5. Depois dele, um belo Allegreto scherzando é emendado ao Allegro final por uma cadência. 

O projeto da Osesp com os concertos para piano de Villa-Lobos se estenderá até 2027, e será muito bom poder conhecer de fato essas obras, a partir de uma edição criteriosa, performances ao vivo e um conjunto de gravações que deve se tornar referência

Villa-Lobos só escreveu seu primeiro concerto para piano em 1945, e o fez por encomenda. Aos 58 anos, já não precisava se provar moderno ou original, e iniciava um período final, de grande reconhecimento e consagração. É provável que este gênero, da mesma forma que a ópera, não estivesse entre os mais caros a ele. O Concerto nº 5 foi composto em 1954 a pedido da pianista polonesa naturalizada brasileira Felicja Blumental, e a ela é dedicado. É uma obra lírica e essencialmente romântica.

O projeto da Osesp com os concertos para piano de Villa-Lobos se estenderá até 2027, e será muito bom poder conhecer de fato essas obras, a partir de uma edição criteriosa, performances ao vivo e um conjunto de gravações que deve se tornar referência. Sonia Rubinsky, que também tem participado da edição das partituras, é quem fará todo o ciclo dos concertos junto da Osesp. Os álbuns serão lançados pela Naxos, em parceria com o Itamaraty, dentro do projeto Brasil em Concerto.

A segunda parte da apresentação se iniciou com Meia lágrima, para soprano e orquestra, da franco-brasileira Elodie Bouny. A peça surgiu de uma encomenda feita à compositora pelo Theatro Municipal de São Paulo em 2019, dentro de um concerto de conscientização sobre o feminicídio. Delicada e inspirada, Meia lágrima tem texto de Conceição Evaristo e foi interpretada com sensibilidade por Marly Montoni. 

Todo formado por obras dos séculos XX e XXI, só na última parte é que o público pôde ouvir uma obra já estabelecida no repertório, as Danças sinfônicas op.45 de Rachmaninov. Com três movimentos que trabalham motivos populares da Rússia, a peça foi tocada com brilhantismo pela Osesp sob a batuta de Minczuk.


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Sonia Rubinsky, Roberto Minczuk e a Osesp durante concerto na Sala São Paulo [Divulgação]
Sonia Rubinsky, Roberto Minczuk e a Osesp durante concerto na Sala São Paulo [Divulgação]

 

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