Acervo CONCERTO: A vida de Carlos Gomes

por Redação CONCERTO 19/03/2020

Texto de Camila Fresca na Revista CONCERTO de maio de 2013
 
Gênio ou falsário? Artista que deu à música brasileira reconhecimento internacional ou aproveitador que se utilizou de dinheiro público para se promover no exterior? Carlos Gomes já foi visto de todas essas formas. Estudos mostram que, a partir do Modernismo, sua obra passou a ser questionada e diminuída. Na verdade, a estatura de Carlos Gomes era tamanha que talvez só tentando desprezá-lo tenha sido possível seguir em frente. Hoje se sabe que antes mesmo do Modernismo o compositor campineiro era visto com maus olhos. O apoiador do regime monárquico, que dedicava obras a Dom Pedro II e seus familiares, passou a ser abominado assim que a nova ordem, trazida com a República, se instaurou.

Carlos Gomes nasceu em 16 de setembro de 1836, filho de Manuel José Gomes, o Maneco Músico, bastante conhecido na Vila de São Carlos (atual Campinas) por ser mestre de música e regente de banda. O pequeno Tonico, como era chamado na intimidade, seguiu a tradição familiar e aos 10 anos de idade já integrava a Banda Marcial, além de tocar vários instrumentos. Em 1846, tocou triângulo com o grupo em uma apresentação para Dom Pedro II, que visitava Campinas; estava com seu pai regendo e seu irmão mais velho, José Pedro de Santana Gomes, à clarineta.

Carlos Gomes passou a adolescência aprendendo música, fazendo apresentações pelo interior de São Paulo e trabalhando como alfaiate, e datam desse período suas primeiras composições. Em 1847 recebeu aulas em São Paulo, para aperfeiçoar-se ao violino com Paul Julien. Só dez anos depois mudou-se definitivamente para a capital do estado, quando já tinha escrito, além de peças curtas, uma missa. Na metrópole, Carlos Gomes hospedou-se – com seu irmão José Pedro de Santana e o amigo Henrique Luís Levy – em uma república de estudantes. E foi assim que travou contato com os alunos da faculdade de Direito do largo São Francisco, para os quais compôs, de improviso durante um sarau, o Hino acadêmico. Com versos de Bittencourt Sampaio, ainda hoje ele é cantado pelos estudantes. Foi nesse mesmo período de boemia e serenatas que, recordando um amor adolescente, escreveu a modinha Quem sabe? (1860), que com versos simples (“Tão longe, de mim distante...”) se tornaria um clássico.

 Os amigos, entusiasmados com o talento do jovem músico, estimulam-no a prosseguir os estudos no Rio de Janeiro. E Carlos Gomes decidiu partir para a Capital Federal à revelia de seu pai. “Uma ideia fixa me acompanha como o meu destino! Tenho culpa, porventura, por tal coisa, se foi você quem me deu o gosto pela arte a que me dediquei, e se seus esforços e seus sacrifícios fizeram-me ganhar a ambição de glórias futuras?”, perguntou ao pai, em uma carta em que tentava justificar sua decisão.

Já no Conservatório de Música, o talento de Carlos Gomes despertou a atenção do diretor Francisco Manuel da Silva. Autor do futuro Hino Nacional e um dos mais importantes e respeitados músicos do Império, Francisco Manuel encomendou a Carlos Gomes uma cantata a ser executada na presença do imperador. Assim, em 15 de março de 1860, o jovem compositor, convalescendo de febre amarela, regeu sua cantata na Academia Nacional de Belas-Artes. Este segundo contato com Dom Pedro II e o sucesso da obra lhe renderam medalha de ouro e a admiração do monarca, que se tornaria seu mecenas.

Logo Carlos Gomes começou a se dedicar ao gênero que lhe daria notoriedade internacional. Com o apoio de Francisco Manuel da Silva, que regeu ambas as estreias, o compositor levou ao palco as óperas A noite no castelo, em 1861, e Joana de Flandres, em 1863. Neste mesmo ano, Gomes foi enviado a Milão, onde passou a estudar no conservatório da cidade sob a tutela de Lauro Rossi, diretor da instituição. Já diplomado, em março 1870 Carlos Gomes deu o pontapé inicial em sua gloriosa carreira lírica, com a estreia de O Guarani no La Scala de Milão. O sucesso foi imediato e estrondoso: o artista se fez cavaleiro da Ordem da Coroa italiana e a ópera foi montada nas principais capitais europeias. No Rio de Janeiro, onde O Guarani foi apresentado em dezembro do mesmo ano, Gomes foi recebido como herói. O músico campineiro ganhou reputação de um dos maiores compositores líricos de sua época.

Carlos Gomes voltou a Milão no início de 1871, com a incumbência de escrever uma nova ópera. Nesse mesmo ano, casou-se com a pianista e professora italiana Adelina Conte Peri, sua antiga colega de conservatório. Em meio à união conturbada, tiveram cinco filhos, mas três morreram pouco depois de nascer.

Em 1873, debaixo de muita expectativa, estreou no La Scala Fosca, melodrama em quatro atos. Ao contrário de O Guarani, a obra não foi bem recebida pelo público nem pela crítica. Provavelmente, as ousadias harmônicas à maneira de Wagner não agradaram os italianos, que esperavam uma nova obra fincada na tradição verdiana. Ainda assim, Carlos Gomes continuou trabalhando, estreando, nos anos seguintes, Salvator Rosa (1874) e Maria Tudor (1879). Carlos Gomes fazia frequentes viagens ao Brasil, apresentando suas obras em várias capitais. A partir de 1880 passou a morar parte do tempo aqui e parte na Europa e, em 1889, estreou uma nova ópera com assunto brasileiro – Lo schiavo (O escravo) foi dedicada à princesa Isabel.

No entanto, com a proclamação da República, Carlos Gomes perdeu o apoio oficial e a esperança de ser nomeado diretor do conservatório do Rio de Janeiro – então renomeado Instituto Nacional de Música. Quem assumiu como diretor da instituição foi Leopoldo Miguez. Em um documento que procura legitimar a nova ordem e desabonar os artistas ligados à Monarquia e ao antigo conservatório, Miguez chegou a afirmar que Carlos Gomes era um compositor “cujos trabalhos deixam muito a desejar”.

Gomes retornou à Milão, estreando, em 1890, novamente no La Scala, a ópera Condor, com libreto de Mario Canti. A partir daí, os problemas que enfrentava só se agravaram. Ele havia se separado de Adelina em 1885. Estava deprimido, endividado e viciado em ópio. Foi nessas condições que escreveu e estreou seu último trabalho, o oratório Colombo. Em quatro atos, para coro e orquestra, a obra foi composta a fim de comemorar o quarto centenário da descoberta da América e estreou no Rio de Janeiro em 1892.

Em 1895, doente, ao reger O Guarani no Teatro São Carlos, em Lisboa, Carlos Gomes recebeu uma de suas últimas homenagens: foi condecorado com a Ordem de São Tiago de Espada pelo rei Carlos I.

Ciente de suas dificuldades, o governador do Pará, Lauro Sodré, convidou-o a organizar e dirigir um conservatório em Belém. Carlos Gomes aceitou e, no mesmo ano, chegou ao Pará. Já bem doente, mal conseguiu desempenhar sua função, falecendo em Belém no dia 16 de setembro de 1896, aos 60 anos. Com a morte, recebeu toda a sorte de homenagens. Os estados do Pará, do Rio de Janeiro e de São Paulo quiseram velá-lo. Foi construído um monumento-túmulo no largo do Carmo, marco zero da cidade de Campinas, para depositar seus restos mortais.

Em 1936, o centenário de nascimento de Carlos Gomes foi comemorado em todo o país, com a efígie do artista estampada em moedas de trezentos réis. Isso voltaria a acontecer com as notas de 5 mil cruzeiros, em 1990. Ele ainda dá nome a praças, ruas, concursos, escolas de música e teatros por todo o país, além de ser contínuo objeto de pesquisa.

As manifestações de apoio e admiração e as reverências dedicadas a sua figura e sua criação só provam uma coisa: Carlos Gomes deixou como legado uma obra de força e importância poucas vezes alcançadas entre nós.
 

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