Acervo CONCERTO: A vida de Giovanni Battista Pergolesi

por Redação CONCERTO 01/04/2022

Texto de Leonardo Martinelli na Revista CONCERTO de julho de 2010

Muitos se perguntam que rumos a história da música teria tomado se ao gênio de Wolfgang Amadeus Mozart fosse oferecida uma estada terrena maior que seus meros 35 anos de vida. O que mais teria produzido o mestre de Salzburg? Apesar de não conseguirmos extrair qualquer tipo de resposta dessa pergunta, ela não deixa de ser instigante. Mas o que, então, poderíamos elucubrar a respeito do compositor italiano Giovanni Battista Pergolesi? Mesmo tendo vivido apenas pouco mais de 26 anos, ele foi personagem de relevância na passagem da música barroca para o estilo clássico e foi o pivô de um dos maiores debates da história da música, a Querelle des Bouffons

Nascido na cidade italiana de Jesi, em 4 de janeiro de 1710, Giovanni Battista era filho de uma cidadã local com um fiscal chamado Francesco Andrea, oriundo da cidade de Pergola (de onde deriva o sobrenome Pergolesi). Não foi apenas a vida de Giovanni que ficou marcada pela brevidade: seus dois irmãos morreram quando ele era ainda criança, depois sua mãe em 1727 e finalmente seu pai em 1732. No entanto, a atividade profissional do pai rendeu-lhe importantes contatos com a nobreza local, que depois viriam a amparar o jovem órfão.

Giovanni Battista iniciou sua formação musical ainda em Jesi, recebendo treinamento elementar em teoria e solfejo com Francesco Santi, mestre-de-capela local, e de violino com Francesco Mondini, o mais reputado instrumentista da cidade. Evidenciado o especial talento do jovem Pergolesi, no ano de 1720 (com apenas dez anos de idade) ele foi enviado para aprimorar suas habilidades na cidade de Nápoles, sob o patrocínio do Marquês Cardolo Maria Pianetti. A mudança para Nápoles – onde teve aulas no Conservatorio dei Poveri di Gesù Cristo com Gaetano Greco e Francesco Durante – foi muito significativa para o desenvolvimento de seu estilo e carreira musicais, dado que a cidade era um dos grandes epicentros de produção operística e território de atuação de Alessandro Scarlatti, um dos mais proeminentes compositores italianos da época.

Uma vez em Nápoles, Pergolesi começa a realizar suas primeiras composições, ao mesmo tempo em que sua destacada atuação como menino-cantor e como violinista passa a proporcionar-lhe autossuficiência financeira. Os relatos da época tendem a ser superlativos ao descrever a perícia do jovem ao violino, que logo se torna um capoparanza (uma espécie de spalla de um dos grupos de instrumentistas que o conservatório colocava à disposição para apresentações públicas na cidade). Apesar de ser impossível precisar a data de composição de muitas de suas obras instrumentais, é provável que boa parte delas – justamente um grande número de sonatas para violino – tenha sido escrita durante esses anos de formação, inclusive como material de uso pessoal.

No verão de 1731 Pergolesi estreia no conservatório Li prodigi della divina grazia nella conversione di San Guglielmo Duca d’Aquitania, um dramma sacro em três atos de vocação francamente operística. A obra acaba por alavancar sua carreira como compositor. A desenvoltura com a qual o jovem demonstra seu domínio sobre a escritura operística rende-lhe ainda nesse ano a encomenda de sua primeira ópera, Salustia, a ser estreada no início do ano seguinte. Como era comum na época, ao compor essa opera seria em três atos ele deveria automaticamente elaborar outra, de menor dimensão e com enredo cômico composto por dois atos, a ser apresentada entre os atos da ópera principal (e por isso chamada ópera de intermezzo). É com Nibbio e Nerina que Pergolesi estreia nesse gênero, que garantiria sua imortalidade, quando, dois anos mais tarde, La serva padrona subisse aos palcos.

Apesar de Salustia não ter tido boa acolhida, sua repercussão foi sufi ciente para que, em 1732, o príncipe Ferdinando Colonna Stigliano contratasse Pergolesi como mestre-de-capela de sua corte. Foi para o príncipe que ele escreveu sua próxima ópera, Lo frate ’nnamorato, sua primeira commedia musicale, gênero que precede a opera buffa. Ao contrário do que ocorreu com sua primeira ópera, Lo frate ’nnamorato foi um grande sucesso: estreada em setembro de 1732, ela foi apresentada ao longo do ano seguinte e revisada para adaptar-se a um novo elenco durante o Carnaval de 1734.

O fato de Nápoles respirar ópera fez com que naturalmente muitos compositores nela radicados se dedicassem de forma quase exclusiva ao gênero. Mas quiseram os desígnios divinos que entre os anos de 1731-32 a cidade fosse assolada por uma série de terremotos, que colocaram os cidadãos em estado de terror. A Igreja então tomou as providências que lhe eram cabíveis e realizou uma série de cultos dedicados a São Emídio, protetor contra terremotos. Essa força-tarefa religiosa culminou em um grande festival sacro levado a cabo em 31 de dezembro de 1732, para o qual, relata-se, Pergolesi compôs nada menos que uma missa para coro duplo, um motete sobre o texto Domine ad adjuvandum me e três salmos (Dixit Dominus, Laudate e Confi tebor).

Em 1733, como parte das comemorações de aniversário da esposa de seu protetor, Pergolesi recebe a encomenda de compor outra opera seria, Il prigioniero superbo, cuja ópera de intermezzo será La serva padrona, ambas também recebidas com bastante entusiasmo pelo público. Aliado a um indubitável talento criativo, o sucesso que as obras sacras e seculares de Pergolesi obtiveram junto ao público de Nápoles foi decisivo para que ele fosse eleito, em 1734, mestre-de-capela da cidade, um dos maiores postos musicais da Europa naquele momento.

Apesar de uma série de conturbações e reviravoltas políticas que instabilizam a vida social de Nápoles, Pergolesi mantém-se em seu cargo e, em setembro daquele ano, compõe outra opera seria, Adriano in Siria, e seu respectivo intermezzo, Livietta e Tracollo, como parte das festividades para o aniversário do Rei Carlos de Nápoles. Sua fama começa a ultrapassar as fronteiras napolitanas e chega a Roma. Ali, no Teatro Tordinona em 1735, Pergolesi estreia uma nova ópera, L’olimpiade, sobre argumento de Pietro Metastasio. Novamente, os relatos de sua recepção junto ao público dão a entender que, se a ópera não chegou a ser um sucesso, também não foi um fracasso. Entretanto, sua partitura foi constantemente revisitada por seus colegas compositores, por conta de suas admiráveis qualidades dramáticas.

Ao longo do ano de 1735 a saúde de Pergolesi passou a definhar de forma definitiva, acredita-se hoje que por conta da tuberculose, agravada por uma natural fragilidade física própria da família Pergolesi. Isso não o impediu de terminar outra commedia musicale, Il Flaminio, que obteve uma ótima recepção do público. Quando por fim seu estado de saúde mostra-se insustentável, Pergolesi muda-se para o monastério franciscano de Pozzuoli, nos arredores de Nápoles, onde passa seus últimos dias compondo peças sacras, entre as quais o aclamado Stabat Mater. Jovem, sozinho e sem herdeiros, Pergolesi morre no dia 16 de março de 1736, tendo sido sepultado em vala comum.

Apesar de sua obra ser naturalmente sucinta, seu impacto no mundo da ópera foi enorme. Pergolesi desenvolveu em suas óperas de intermezzo e commedia musicale o modelo de opera buffa e de fluxo narrativo-musical que norteariam boa parte da criação lírica do classicismo. A famosa Querelle des Bouffons, que teve La serva padrona como estopim de uma verdadeira batalha verbal, ocorreu na França em meados do século XVIII, já passados vários anos da morte de Pergolesi. Ali, incentivadores do novo estilo italiano priorizado por Pergolesi – um time de peso que incluiu também o enciclopedista Jean-Jacques Rousseau – eram atacados pelos defensores da ópera francesa.

Se houve vencedores nessa batalha é uma questão a discutir. Mas não há dúvidas de que Pergolesi sai do debate como seu principal herói. 

Detalhe de retrato de Pergolesi pintado pelo italiano Domenico Antonio Vaccaro [reprodução]
Detalhe de retrato de Pergolesi pintado pelo italiano Domenico Antonio Vaccaro [reprodução]

 

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