Acervo CONCERTO: A vida de Giuseppe Verdi

por Redação CONCERTO 30/04/2019

Texto de Leonardo Martinelli na Revista CONCERTO de maio de 2011

Quando o compositor Giuseppe Verdi veio ao mundo, em 10 de outubro de 1813, em Roncole, ao norte da península Itálica, a Itália, como hoje a conhecemos, não existia. Na época, a nação italiana não passava de uma comunidade imaginada, uma idealização centrada na convergência idiomática de um povo divido em diversos ducados e reinos, estes sempre em constante tensão política entre si. No início do século XIX, a vila de Roncole fazia parte do ducado de Parma e Piacenza, então anexado pelo frenesi expansionista de Napoleão Bonaparte. Nascido sob o domínio do império francês, a suprema ironia é que este símbolo da cultura italiana teve seu nome registrado em idioma estrangeiro: Joseph Fortunin François Verdi (ou Peppino, para os íntimos).

Filho de uma família muito pobre – seu pai, Carlo, adminis­trava uma modesta estalagem e sua mãe, Luigia, fazia pequenos trabalhos como fiandeira – Giuseppe deveu sua sorte e destino a um padre da pequena vila onde cresceu, que não apenas o alfabetizou como lhe deu as primeiras lições de música. Ainda muito jovem, seu extraordinário talento ficou patente, o que fez com que seus pais tomassem a difícil decisão de se mudar para Busseto, cidade próxima, que oferecia infraestrutura adequada para dar prosseguimento à educação do jovem Peppino.

Já aos 12 anos, em Busseto, Verdi encontrou seu primeiro emprego, enquanto continuava a realizar seus estudos e a fascinar a população local com seu talento. Tanto que conseguiu o patronato de Antonio Barezzi, comerciante e melômano (e futuro sogro de Verdi), que financiou a ida do compositor, então com vinte anos, a Milão, para uma formação musical de excelência no famoso conservatório da cidade. De novo a ironia lhe bateria as portas: o conservatório, que hoje leva o seu nome, não o aceitou como aluno. Entretanto, Verdi permaneceu na cidade – epicentro operístico desde finais do século XVIII, quando da inauguração do teatro La Scala –, onde teve aulas particulares de música e se embrenhou no circuito artístico.

Em 1836, Verdi se casou com Margherita Barezzi, filha de seu benfeitor. Porém, a felicidade do casamento em breve se transformaria em incomensurável dor, inicialmente pela morte dos filhos – com pouco mais de um ano de idade – e, em meados de 1840, pela morte de sua própria esposa. Foi nesse ambiente de dor e perdas que Verdi compôs sua primeira ópera (Oberto). Nascia então um dos maiores nomes da ópera mundial.

[Reprodução]
[Reprodução]

Anos de galés

Em sua estreia em novembro de 1839, Oberto foi recebida com relativo sucesso pelo público do La Scala de Milão. Animado com a recepção, Bartolomeo Merelli, o então todo-poderoso impresario do teatro, de imediato encomendou outros dois títulos a Verdi, que já no ano seguinte levou ao palco Un giorno di regno, que, no entanto, não foi recebida de maneira tão entusiasmada. Merelli não se deu por vencido e manteve o contrato para a segunda ópera, nada menos que Nabucco, que desde a estreia, em 1842, entraria de modo definitivo para a história da música e para a mente dos amantes da ópera com seus inspirados temas e melodias, entre os quais a famosíssima Va, pensiero.

Aqui é importante lembrar que desde meados do século XVII a ópera, mais que um gênero musical, era uma das atividades sociais e culturais mais importantes do Ocidente, em torno da qual girava uma engrenagem e uma economia altamente lucrativas. Assim, não faltaria trabalho para aqueles que conseguissem estabelecer vínculo afetivo com a audiência e cair nas graças do grande público. E trabalho foi o que Verdi encontrou – e em abundância – no período entre 1843-53, quando compôs e estreou nada menos que quatorze óperas! No ano de 1847, Verdi bateu seu recorde, ao levar ao palco três novos títulos.

Se para seus fãs esse período poderia ser chamado de “década de ouro” – afinal, foi quando ele compôs obras-primas como Ernani, Macbeth, Luisa Miller, Rigoletto, Il trovatore e La traviata –, Verdi apelidou esses anos de intensa labuta de “anos de galés”, referência às embarcações da Antiguidade que utilizavam a força braçal de remadores para propulsão. Se Verdi trabalhava como escravo, o dinheiro foi o tambor-mor que ditava a cadência de sua produção; nesse período o compositor amealhou sua fortuna a atingiu sua independência financeira.

 

O drama humano como ópera

Contudo, ao longo de seus “anos de galés” Verdi fez muito mais que somar uma pequena fortuna (e se casar uma segunda vez, com a soprano Giuseppina Strepponi). Se por um lado o compositor estabeleceu um ritmo quase industrial na confecção de partituras, por outro desenvolveu de maneira decisiva a linguagem operística, estando sempre atento à natureza dos enredos que utilizaria como base de seus libretos.

Na França e na Alemanha de então, não raro os enredos de ópera apontavam para uma dimensão mítica e muitas vezes circunscritas a um tempo pretérito. Verdi, por sua vez, procurou abordar em suas óperas os dramas humanos contemporâneos a partir de enredos de obras literárias modernas, tais como Le roi s’amuse, de Victor Hugo (ponto partida para Rigoletto), e A dama das camélias, Alexandre Dumas Filho (enredo para La traviata).

Leia mais
Acervo CONCERTO
 'Rigoletto', de Giuseppe Verdi

Essa abordagem foi um dos principais fatores para a difusão de suas óperas para além das fronteiras italianas. Se num primeiro instante houve diversas remontagens de títulos já apresentados em solo italiano, não tardou para que diferentes teatros de ópera do mundo passassem a ambicionar o prestígio de abrigar uma estreia de Verdi. Foi o caso de La forza del destino, estreada em 1862 no Teatro Imperial de São Petersburgo, na Rússia, As vésperas sicilianas (1855) e Don Carlos (1867), ambas encomendadas pela Ópera de Paris. Supostamente, uma de suas mais famosas óperas, Aida (1871), foi encomendada não apenas para ser estreada em outro país, mas também para celebrar a inauguração do Canal de Suez, no Egito; hoje, porém, ganha peso a versão de que Aida teria inaugurado “apenas” o Khedivial, o teatro de ópera da cidade do Cairo.

Muitas vezes a dimensão humana das óperas de Verdi ganhou contornos políticos. O caso mais emblemático é o do enredo de Nabucco, no qual a opressão do povo judeu foi relacionada à opressão do povo que vivia numa Itália em ocupação político-militar. Várias de suas óperas passaram por diversas censuras – ora francesas, ora austríacas –, e coube a Verdi o desafio de driblar os censores sem descaracterizar as narrativas e os personagens.

É difícil mensurar quão intencionalmente politizada foi sua obra. No entanto, não há como negar o peso político que a comunidade italiana conferiu a ela durante o movimento do Risorgimento, que posteriormente culminaria na unificação política da Itália, dando a Verdi uma importância que transcende largamente a música.

 

O compositor e seus estilos

O sucesso que Verdi conheceu em vida não passou despercebido aos críticos e aos acadêmicos, que insistentemente o analisavam (e analisam) sob a luz da comparação com outros compositores ou escolas estilísticas. “Verdi rossiniano”, “Verdi francês”, “Verdi wagneriano” e afins são alguns dos insólitos rótulos que se pode encontrar na fortuna crítica do compositor. Claro, como todo e qualquer artista, Verdi estabelece uma relação criativa e dialética com outras práticas musicais, que podem efetivamente ser identificadas, sem que, no entanto, se prove alguma coisa contra a suprema originalidade de sua arte.

Arte que atingiu o ápice por meio de duas óperas baseadas em personagens de William Shakespeare, Otello (1887) e Falstaff (1893), compostas por Verdi já na casa dos setenta anos. 
É com o contraste entre a mais revoltante tragédia shakespeariana e o mais despachado personagem criado pelo bardo inglês que Verdi conclui sua obra, referência para toda uma nova geração de compositores que surgia no crepúsculo do Romantismo.  

 

Linha do tempo

1813
Giuseppe Fortunino Francesco Verdi nasce em Roncole, norte da Itália

1823
A família muda-se para Busseto, onde Verdi passa a atuar profissionalmente

1833
Muda-se para Milão, onde é recusado pelo conservatório local

1836
É nomeado maestro di musica de Busseto. Casa-se com Margherita Barezzi, com quem terá dois filhos

1839
Estreia sua primeira ópera, Oberto, no teatro La Scala de Milão

1840
Falecem esposa e filhos

1842
Estreia com sucesso de Nabucco

1843
Iniciam seus “anos de galés”, ao compor I Lombardi alla prima crociata

1859
Casa-se com a soprano Giuseppina Strepponi

1861
É nomeado deputado no primeiro parlamento constituído na Itália

1871
Sua ópera Aida estreia na Cidade do Cairo, no Egito

1874
Finaliza seu Requiem, em memória ao escritor Alessandro Manzoni

1887
Aos oitenta anos finaliza sua última ópera, Falstaff

1901
Morre em 27 de janeiro num luxuoso quarto do Grand Hotel de Milão
 

Curtir