Texto de Camila Fresca na Revista CONCERTO de abril de 2014
Sergei Rachmaninov nasceu em Semyonovo, noroeste da Rússia, no dia 1º de abril de 1873. De família nobre, os pais eram proprietários de terras e músicos amadores, e foi com a mãe que ele teve as primeiras aulas de piano. Com dificuldades econômicas, a família mudou-se para São Petersburgo, onde o jovem ingressou no Conservatório. Mais tarde, seguiu os estudos no Conservatório de Moscou, no qual recebeu uma sólida formação musical – aulas de piano com o rigoroso Nikolai Zverev e com Alexander Siloti (primo dele, que havia estudado com Liszt), contraponto com Sergei Taneyev e harmonia com Anton Arensky. Durante o tempo no Conservatório, ainda jovem, Rachmaninov participava dos domingos musicais promovidos por Zverev, o que lhe deu a oportunidade de fazer contatos importantes e ouvir uma grande variedade de música.
Em seus estudos, Rachmaninov demonstrava grande talento para a composição, sendo estimulado pessoalmente por Tchaikovsky. Um ano após se formar em piano, recebeu a medalha de ouro do Conservatório pela ópera em um ato Aleko, de 1892. E em 1891, com apenas 18 anos, ele terminou o primeiro concerto para piano, além de diversas outras peças para o instrumento, incluindo o Prelúdio em dó sustenido menor, que logo se tornou bastante popular.
Sua carreira parecia prosseguir sem dificuldades, até que em 1897 sofreu um abalo, quando sua Sinfonia nº 1 recebeu duras críticas em sua estreia. A rejeição levou Rachmaninov a um longo período de depressão e insegurança, que ele superou com ajuda de terapia e hipnose.
Após um período de reclusão, Rachmaninov voltou aos holofotes com o estrondoso sucesso de seu Concerto para piano nº 2 (1900-01), que lhe assegurou definitivamente grande fama como compositor. A primeira década do século XX foi bastante produtiva e feliz para o artista, que escreveu algumas de suas obras mais importantes: a Sinfonia nº 2 (1906-07), o poema sinfônico A ilha dos mortos (1907) e o Concerto para piano nº 3 (1909). Foi também nessa época que ele passou a atuar como regente e que finalmente conseguiu vencer as imposições da Igreja Ortodoxa russa para se casar com a prima Natalia, em 1902.
Ao final da década de 1910, Rachmaninov fez sua primeira turnê aos Estados Unidos, e o grande sucesso lhe rendeu fama e popularidade. Embora ausentando-se em frequentes viagens, o músico residiu na Rússia até 1917, quando deixou o país, com a esposa e as filhas, por conta da Revolução. Ele nunca mais retornaria à terra natal, seguindo para Suécia, Suíça, Dinamarca e finalmente Estados Unidos, para onde embarcou em 1918. Após a partida, sua música foi banida da União Soviética por muitos anos.
Ainda que suas turnês envolvessem compromissos como regente – ele rejeitou por duas vezes o posto de maestro na Sinfônica de Boston –, foi sua incrível habilidade pianística que lhe deu o maior prestígio. Sua técnica distinguia-se pela precisão, pela clareza e por um singular sentido de legato (ligaduras entre as notas). O tamanho de suas mãos se tornou uma lenda – parece que com a mão esquerda era capaz de tocar o acorde Dó-Mi bemol-Sol-Dó-Sol, ou seja, um intervalo de 13ª no teclado.
Por outro lado, suas composições diminuíram drasticamente – comparando com as 39 obras que havia escrito na Rússia entre 1892 e 1917, ele compôs apenas seis entre 1918 e sua morte, em 1943. É desse período aquela que talvez seja sua obra mais amada, a Rapsódia sobre um tema de Paganini (1934), além da Sinfonia nº 3 (1936) e das Danças sinfônicas (1940), seu último trabalho completo. Alguns estudiosos alegam que o motivo da redução da produção foi a melancolia que o compositor sentiu ao perceber que não voltaria mais a sua terra natal. Ele se tornou cidadão norte-americano semanas antes de sua morte, em Beverly Hills, no dia 28 de março de 1943 – a poucos dias, portanto, de completar 70 anos.
Rachmaninov deixou três sinfonias, quatro concertos para piano orquestra (além da Rapsódia), três óperas, diversas obras vocais e de câmara, além de peças para piano solo. Se ninguém contestava seu talento incrível como pianista, a mesma unanimidade não ocorreu com suas obras. A edição de 1954 do Grove Dictionary chegou a afirmar que sua música era “monótona em textura... consistindo principalmente de melodias artificiais e feias” e previu seu sucesso como “não duradouro”. Em suas obras se nota a influência de Tchaikovsky, além de grandes pianistas compositores, como Chopin e Liszt. Uma parte das críticas dirigidas ao compositor se referia justamente a esse Romantismo tardio, já sem lugar no intenso e acelerado século XX, que antes mesmo de chegar à metade viu florescer duas guerras mundiais.
De qualquer forma, os quatro concertos para piano formam o cerne do legado dele como compositor. O primeiro, obra de um ainda estudante do Conservatório de Moscou, foi totalmente revisado por Rachmaninov em 1917 (quando ele já havia escrito outros dois concertos), deixando-o da forma que o conhecemos hoje – uma versão destilada da paixão juvenil, acrescida da turbulência que o fez abandonar a Rússia naquele mesmo ano. O segundo concerto, de 1901, é um renascimento após o sério período de depressão e alcoolismo que se seguiu à malfadada estreia de sua sinfonia e o estabeleceu definitivamente como compositor. Compacto, melodioso e solidamente estruturado, esse segundo concerto foi por décadas o preferido dos pianistas e do público. Aos poucos, porém, o Concerto nº 3, de 1909, passou a agradar tanto quanto. Este é certamente um trabalho mais profundo, cheio de obstáculos de virtuosismo e de longas cadências, mas que foi prejudicado no início pelos cortes que Rachmaninov foi obrigado a fazer, para torná-lo mais facilmente programável em apresentações. Desde as últimas décadas do século XX, no entanto, a maioria das apresentações têm resgatado a versão original, que dura cerca de 45 minutos e que preserva todo seu valor artístico. Finalmente, o quarto concerto data de 1926 e é a primeira grande obra que ele completou após deixar a Rússia. Estreada em 1927 com a Orquestra da Filadélfia sob regência de Leopold Stokowski e o próprio compositor como solista, a obra nunca conheceu o mesmo êxito dos dois concertos anteriores, talvez pelo tom mais distante e menos melodioso, de um compositor que se encontrava exilado.
Felizmente para a posteridade, Rachmaninov gravou boa parte de sua música, incluindo os concertos para piano e a Rapsódia sobre um tema de Paganini. Uma rápida busca na internet revela aos ouvidos curiosos algumas dessas preciosas interpretações.
Linha do tempo
1873
Nasce em Semyonovo no dia 1º de abril
1891
Aos 18 anos, escreve seu primeiro concerto para piano.
1892
Sua ópera Aleko conquista a medalha de ouro no Conservatório de Moscou.
1897
Sua primeira sinfonia é mal recebida, o que deixa o jovem compositor deprimido e inseguro
1901
Com a estreia de seu Concerto para piano nº 2, vence a depressão e estabelece-se como compositor
1902
Após vencer a proibição da igreja russa, casa-se com a prima Natalia
1907
Finaliza a Sinfonia nº 2 e compõe o poema sinfônico A ilha dos mortos
1908
Realiza sua primeira turnê norte-americana, com grande sucessoa
1917
Com a Revolução Russa, deixa seu país e, um ano depois, radica-se nos Estados Unidos
1934
Compõe sua obra mais célebre, a Rapsódia sobre um tema de Paganini
1940
Escreve seu último trabalho, as Danças sinfônicas
1943
Falece no dia 28 de março, em decorrência de um câncer