Dança em diálogo: um ano de reflexões e descobertas artísticas

por Inês Bogéa 13/06/2024

Desde seu lançamento há um ano, a coluna Dança em diálogo – criada em parceria com Nelson Kunze, diretor da Revista CONCERTO – tem várias vozes dedicadas a explorar e refletir sobre algumas nuances da arte da dança. Este espaço se tornou uma plataforma dinâmica para a diversidade de pensamentos e interpretações, contando com contribuições de Adriana Pavlova, Amanda Queirós, Beatriz Hack, Flávia Fontes, Flávia Vianna, Karla Dunder, Keyla Barros, Marcela Benvegnu, Maria Eugênia de Menezes, Sayonara Pereira e Wagner Correa de Araújo. E mês a mês, novos colaboradores se juntam a este grupo para continuarmos esse caminho de uma lembrança viva da dança.

A memória, conforme discutida por Sergio Luiz Pereira da Silva em “O lugar da arte na memória social e na identidade cultural”, funciona como um filtro seletivo que valoriza experiências definidoras de nossa identidade cultural e pessoal. Esta ideia pode ser refletida em como abordamos os eventos da dança, destacando momentos que ressoam significativamente em níveis tanto individual, quanto coletivo. Paul Ricoeur, em “La mémoire, l’histoire, l’oubli”, expande essa visão ao vincular a memória às dinâmicas de reconhecimento, individualidade e coletividade, argumentando que ela é intrinsecamente ligada à linguagem e ao conhecimento que formam as riquezas culturais de nossa sociedade. 

As contribuições dos colunistas proporcionaram insights valiosos, oferecendo novas perspectivas que fortalecem nossa memória coletiva e estimulam um diálogo contínuo sobre a arte

Ao longo deste ano, a coluna trouxe informações sobre espetáculos e diversos elementos que os constituem, além de algumas emoções e interpretações que esses eventos evocam. As contribuições dos colunistas proporcionaram insights valiosos, oferecendo novas perspectivas que fortalecem nossa memória coletiva e estimulam um diálogo contínuo sobre a arte. 

A coluna também contribui como um fórum para discutir a interseção entre a dança e outras formas de arte, enfatizando como essas interações potencializam nossa experiência cultural e expandem nosso entendimento sobre o que a arte pode representar. Como Tostão escreveu em sua coluna para a Folha de S. Paulo em 16/03/2024: “A memória é o elo entre o passado e o presente, entre o corpo e a alma”.

Ao celebrarmos o primeiro aniversário de Dança em diálogo, expressamos nossa gratidão a todos que leram e contribuíram, refletindo sobre os diversos temas e análises que exploramos. Nosso compromisso em preservar a história e manter o diálogo vivo continua a inspirar cada linha escrita e cada trajetória contada, prometendo mais um ano de narrativas ricas e envolventes no universo da dança.

Continuidade dos Diálogos

Desde o lançamento da série “Figuras da Dança” em 2008, pelo governo do Estado de São Paulo, como parte do programa da São Paulo Companhia de Dança, codirigi, até 2011, com Antonio Carlos Rebesco (Pipoca), Sérgio Roizenblit e Moira Toledo, documentando as trajetórias de figuras icônicas da dança brasileira. Desde então, continuei este trabalho ao lado da editora Guta Pacheco e do gerente de audiovisual da Companhia, Charles Lima. Esta jornada tem sido uma montagem viva de diversos tempos da dança, refletindo a ideia de Walter Benjamin de que a história deve ser vista não como uma sequência linear, mas como um conjunto de instantes carregados de significados que ressoam no presente.

O trabalho de documentar parte da trajetória destas pessoas é uma forma de diálogo entre o passado e o presente, onde a memória atua como um campo ativo de interação. Esse enfoque ressalta que a história da dança é um espaço vibrante de debate e descoberta, onde cada episódio funciona como uma escavação nas camadas de significado deixadas pelos artistas.

Cada performance é um ato de lembrança e esquecimento, onde o movimento corporal no presente invoca e ressignifica as tradições passadas

Na dança, essas camadas de recordações são particularmente palpáveis. Cada performance é um ato de lembrança e esquecimento, onde o movimento corporal no presente invoca e ressignifica as tradições passadas. O trabalho do documentarista é capturar essa efemeridade, fixando-a num formato que permite a análise e a reflexão futura.

Hoje com 41 episódios, cada história contada em “Figuras da Dança” destaca a importância das lembranças na reinterpretação e reavaliação contínua do passado. Isso reflete a visão de Benjamin sobre o historiador como alguém que revive o passado, fazendo com que ele ressoe com novos significados no presente. Assim, a série não apenas documenta, mas também inspira reflexões sobre a relevância contínua e transformadora da dança.

Como Paulo Pederneiras expressou, “se não vier com esta dúvida toda, não tem sentido”. Esta afirmação nos toca profundamente, pois cada episódio destaca a incerteza e a busca incessante por significado que definem a expressão na dança.

O “Figuras da Dança” de Inaycira Falcão estreará em agosto. Essa grande artista articula uma visão da dança como um elemento inseparável das experiências diárias da vida: “A arte é parte da vida e a dança está relacionada ao canto, às artes visuais, ao teatro, à música”. Essas palavras enfatizam a interconexão entre as diferentes formas de arte e como a dança pode ser vista como um diálogo entre elas, enriquecendo cada aspecto da expressão criativa.

Olhando para o futuro, as recordações podem continuar a ser um espaço de diálogo entre as diversas temporalidades da dança, convidando os espectadores a ver a arte da dança como uma conversa contínua com o tempo e o passado. A dança, em sua essência, é um comentário vivo sobre a temporalidade, sempre se movendo, sempre evoluindo e sempre contando uma nova história.


PARA ASSISTIR

Os documentários “Figuras da Dança” podem ser assistidos na TV Cultura, Canal Curta!, Arte 1 e online no site [Figuras da Dança] 

Clique aqui para assistir o “Figuras da Dança” com Ana Botafogo.

Clique aqui para assistir o “Figuras da Dança” com Márcia Haydée.


Referências bibliográficas:

Baudelaire, Charles. Les fleurs du mal. Paris: Librairie Générale Française, 1972.

Baudelaire, Charles. Un mangeur d'opium em Oeuvres complètes. Paris: Robert Laffont, 1980. 

Benjamin, Walter. Magia e técnica, arte e política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Seligmann-Silva, Márcio. Catástrofe, história e memória em Walter Benjamin e Chris Marker: a escritura da memória. Em: Seligmann-Silva, Márcio (org). História, memória e literatura: o testemunho na era das catástrofes

Gagnebin, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Ricoeur, Paul em La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris: Seuil, 2000.

Pereira da Silva, Sergio Luiz O lugar da arte na memória social e na identidade cultural. Conferência proferida durante a 5º Seminário Redart, realizado entre os dias 9 e 10 de novembro de 2017, na Fundação na Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro. 


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Ana Botafogo e Inês Bogéa em ‘Figuras da Dança’ (divulgação, Charles Lima)
Ana Botafogo e Inês Bogéa em ‘Figuras da Dança’ (divulgação, Charles Lima)

 

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