Realities de dança: entre o glamour e a realidade, a descoberta de uma arte acessível a todos

por Redação CONCERTO 22/09/2025

Dos palcos da TV às histórias pessoais, como os realities constroem a relação do público e dos artistas com a dança

Por Keyla Barros [jornalista formada pela Universidade Tuiuti do Paraná, atua na área desde 1997. Em 2010, lançou o portal de notícias Dança em Pauta com a proposta de empregar seu conhecimento em comunicação para divulgar a dança]

As noites de domingo, durante anos, guardaram um momento em que milhões de brasileiros paravam diante da televisão para acompanhar algo que ia além de música, coreografia e competição. Era a dança em horário nobre, na rede Globo, maior emissora de TV do Brasil, ocupando um espaço raro na grande mídia, capaz de emocionar, divertir e mobilizar o país. Este fenômeno dos realities de dança revela o quanto essa arte, mesmo exigente e complexa, tem o poder de dialogar com qualquer pessoa.

O fascínio não é exclusivo do Brasil. Desde que a BBC lançou, em 2004, o programa “Strictly Come Dancing”, no Reino Unido, a fórmula se espalhou rapidamente pelo mundo. O formato, que mistura celebridades, professores de dança e uma competição recheada de emoção, resultou em versões locais em dezenas de países, entre elas o famoso “Dancing With The Stars”, que estreou em 2005 nos Estados Unidos. A dança, adaptada ao ritmo frenético da televisão, conquistou plateias heterogêneas, compostas por muitas pessoas que jamais estiveram em um teatro.

No Brasil, esse movimento ganhou força com o “Dança dos Famosos”, da TV Globo, criado em 2005 como um quadro dentro do programa Domingão do Faustão. Atualmente, inserido no programa apresentado por Luciano Huck na mesma emissora, o reality está em sua 22ª edição e segue como uma das principais atrações dominicais do canal. Ao longo de mais de duas décadas, celebridades diversas já se arriscaram em estilos como salsa, tango, samba, forró e valsa, sob a orientação de professores que puderam aproveitar a grande exposição para suas carreiras. Mais do que entretenimento, o programa ajudou a construir uma memória coletiva em torno da dança, aproximando ritmos diversos do grande público.

Acredito que o maior legado foi dar visibilidade para a dança de salão, principalmente para quem não tinha ideia do quão rica é essa arte (Edson Carneiro)

Na opinião do professor de dança Edson Carneiro – primeiro profissional a se apresentar no palco da primeira edição da “Dança dos Famosos”, conquistando o terceiro lugar ao lado da atriz Daniela Escobar – o quadro trouxe uma exposição para a arte da dança jamais alcançada antes. “Acredito que o maior legado foi dar visibilidade para a dança de salão, principalmente para quem não tinha ideia do quão rica é essa arte. Mostrou, e mostra, que a dança vai muito além de simples passos. É expressão, conexão, cultura, desafio e pode ser entretenimento também”, afirma. Para ele, o programa abriu espaço para dezenas de professores brilharem em rede nacional e foi fonte de outros trabalhos. “Gerou inúmeros convites e oportunidades que transformaram minha carreira. Duas décadas depois, ainda sinto o impacto disso tudo”, comenta Edson.

Na trilha do sucesso da dobradinha “dança + programa de TV”, outro destaque foi o “Dancing Brasil”, exibido pela TV Record entre 2017 e 2019, sob o comando da apresentadora Xuxa Meneghel. Seguindo de perto a proposta internacional, o programa apostou em produções elaboradas, iluminação sofisticada e um tom mais próximo do espetáculo musical, agradando o público.

A coreógrafa e jurada Fernanda Chamma – que integrou o júri da “Dança dos Famosos” por 12 anos e depois se tornou jurada fixa no “Dancing Brasil” por cinco edições – comenta a diferença nos formatos dos programas e a contribuição de cada um para a dança. Ela explica que “são propostas distintas, mas igualmente valiosas. O ‘Dança dos Famosos’ teve um papel fundamental em popularizar ritmos, mostrar que todos podem dançar e aquecer academias em todo o país. Já o ‘Dancing Brasil’ deu grande visibilidade ao trabalho de coreógrafos e bailarinos, que passaram a ser reconhecidos como protagonistas do processo criativo”.

O público se envolve, torce, vota, acompanha a evolução dos participantes e descobre que a dança é entretenimento, saúde, desafio e arte (Fernanda Chamma)

Para Fernanda, além de estimular a prática da dança em diferentes gerações, os realities tiveram o mérito de criar uma comunidade engajada em torno do espetáculo. “O público se envolve, torce, vota, acompanha a evolução dos participantes e descobre que a dança é entretenimento, saúde, desafio e arte. Esse estímulo ultrapassa a TV e movimenta o mercado de escolas e grupos pelo Brasil inteiro”.

O formato televisivo, porém, impõe suas regras. Coreografias curtas, cortes rápidos de câmera, foco em narrativas de superação e emoção imediata: tudo é pensado para segurar a audiência. Nesse contexto, o papel do coreógrafo ganha uma dimensão especial. Kátia Barros, que esteve à frente da direção coreográfica do “Dancing Brasil” e do “The Masked Singer”, lembra que criar para a TV exige um raciocínio diferente: “Na TV a gente coreografa para as câmeras. Além de pensar dentro de uma proposta coreográfica, é preciso imaginar como essa história será contada pelos enquadramentos. O tempo do show é limitado e precisamos destacar o essencial: o balé, o apresentador e o cenário. Muitas vezes você cria números grandiosos que, ao vivo, têm um impacto enorme, mas na TV se transformam em outra coisa porque a edição faz cortes necessários. No ‘Dancing Brasil’, o carro-chefe era o casal dançando, às vezes reforçado por mais bailarinos, mas sempre coreografado já pensando nas pegadas e no que seria mais impactante. Já no ‘The Masked Singer’, o destaque era o talento da pessoa fantasiada, e todo o balé precisava transitar em torno dessa narrativa, o que exigia um olhar cuidadoso para como os cortes valorizariam cada momento”.

Katia conta que “a pressão do tempo também é uma marca constante. No ‘Dancing Brasil’, por exemplo, professores e famosos tinham poucos dias para aprender e apresentar ritmos complexos em rede nacional. Já no ‘The Masked Singer’, os desafios incluíam ensaios acelerados, fantasias que limitavam os movimentos e a necessidade de criar dezenas de números diferentes sem perder impacto ou originalidade”. Para Kátia, esse ritmo intenso só é possível graças ao trabalho coletivo de profissionais altamente qualificados, capazes de transformar restrições em espetáculo e garantir que a dança brilhe mesmo diante das exigências da televisão.

Seja qual for o formato, o impacto dos realities de dança é inegável.

Seja qual for o formato, o impacto dos realities de dança é inegável. Para o público, é um convite a experimentar o encantamento da dança de forma acessível. Para professores e coreógrafos, participar desses programas significa projeção nacional, novos alunos e oportunidades profissionais. Já para os artistas convidados, é uma chance de se reinventar e ampliar sua imagem.

A participação nesses programas também pode transformar a relação dos famosos com a dança em algo duradouro, muito além do brilho efêmero da competição televisiva. Um exemplo emblemático é o cantor Léo Jaime, que, após ganhar o “Dança dos Famosos”, em 2018, trouxe a dança para o seu dia a dia. Ele conta que a experiência o ajudou a quebrar paradigmas relacionados à idade, ao corpo e à autoconfiança em se apresentar ao vivo. “Eu tinha vergonha do corpo, porque fui muito criticado ao longo da vida. Mas descobri que sempre gostei de dançar, e isso me fez recuperar algo que estava adormecido em mim”, relata. 

O impacto foi tão intenso que ele iniciou aulas de balé clássico, prática que descreve como a mais completa entre as atividades físicas que experimentou, pela consciência corporal, força e leveza que proporciona. Mesmo tendo interrompido os treinos, por conta de uma lesão no tornozelo, ele afirma que a dança segue presente, mas agora busca estilos mais próximos ao seu estilo musical, com “menos pirueta e mais swing”. “Dançar é um exercício para a alma, para o corpo. A gente quando quer fazer arte, não precisa ser por trabalho, pode ser simplesmente para se expressar, faz um bem danado”, afirma o cantor. A trajetória de Léo Jaime ilustra como a experiência televisiva pode ser um ponto de virada pessoal, transformando a dança em prática contínua e integrada à vida.

Nos últimos anos, plataformas digitais como YouTube e TikTok também se tornaram arenas para batalhas de passos e coreografias virais. Se a televisão inaugurou uma era de realities que popularizaram a dança, a internet levou esse consumo a outra escala – rápida, fragmentada, interativa. A dança segue presente, mudando de palco, mas sempre cativando olhares. O que se vê é a permanência de um fascínio coletivo: seja em um grande espetáculo televisionado, em um reality de streaming ou em um vídeo de 30 segundos no celular, a dança continua a cumprir seu papel essencial – comunicar emoção, disciplina e beleza, atravessando gerações e formatos.


Para assistir

Internacional: Dance 100 – Netflix
Reality de competição em que 100 dançarinos avaliam coreógrafos em desafios criativos de grande escala. Com energia intensa e diversidade de estilos, o programa testa a capacidade de liderança e inovação de cada participante.

Nacional: Segue o Baile – Amazon Prime
Apresentado por Aline Campos, o reality reuniu talentos da dança de diferentes estilos, em desafios coletivos e apresentações de impacto. O júri contou com nomes de peso, como o ex-primeiro-bailarino do Royal Ballet, Thiago Soares.

Dança dos Famosos 2005 - Edson Carneiro com Daniela Escobar - TV Globo

 

Dança dos Famosos 2025 - TV Globo

 

1º ep Dancing Brasil - TV Recor

 

Semifinal Temporada 5 – The Masked Singer Brasil – TV Globo

 

Danca em diálogo
Cena de The Masked Singer Brasil (reprodução YouTube)

 

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