Lilian Barretto: “Eu adoro subir no palco, mas um projeto como o festival é um legado”

por Luciana Medeiros 27/10/2023

Nesse sábado, dia 28 de outubro, acontece a finalíssima do 3º Festival Internacional de Piano do Rio de Janeiro, sucessor do Concurso Internacional BNDES. Os três candidatos escolhidos vão tocar com a Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Roberto Tibiriçá. A competição e seus desdobramentos são projetos de Lilian Barretto, pianista e produtora, que em 2009 realizou o primeiro grande concurso internacional no Brasil depois de 50 anos de hiato. Ela conversou com a CONCERTO na antevéspera da final.

O que você diria do resultado que levou à final a canadense Élisabeth Pion, o italiano Gabriele Strata e o espanhol Leo de María? 
A final vai ser uma competição muito acirrada entre os três e um programa sensacional. Primeiro, porque cada um vai tocar uma catedral da música de concerto para piano. O Terceiro de Rachmaninov, o Primeiro de Tchaikovsky e o Terceiro de Prokofiev. São pilares da literatura pianística. Qual a chance de ouvirmos os três no mesmo programa? E, segundo, os três finalistas são muito diferentes, têm personalidades completamente diversas. O fato é que não dá para dar nota friamente em arte. Os sete jurados vão avaliar cada um a seu jeito, dependendo da sua escola, da sua escuta. Nessa edição, me impressionou o alto nível dos candidatos de um modo geral. Sempre existem os muito bons, os bons, os medianos..., mas esse ano eu diria que 80% dos candidatos tinham nível internacional, poderiam se apresentar em qualquer lugar. A maioria está pronta para a carreira.

Houve ainda uma menção honrosa?
Sim, para o francês Orlando Bass, que tocou as Variações Goldberg, de Bach, pelo risco e determinação – apostar todas as fichas numa peça de imensa complexidade... Todos tocaram diversas obras, ele ficou nos 45 minutos das Variações. Muitos pianistas só encaram essa obra no fim da carreira. Já o prêmio Nelson Freire foi concedido aos dois brasileiros, Vítor Zendron da Cunha e Ervino Rieger.

Leia mais
Como foram as semifinais do 3º Festival de Piano do Rio de Janeiro, por Camila Fresca

O concurso se transformou em festival em 2022. Qual é a sua percepção dessa trajetória?
O primeiro Concurso Internacional BNDES de Piano do Rio de Janeiro foi em 2009, 14 anos atrás. Fizemos duas edições seguidas (2009 e 2010) e depois em 2012, 2014 e 2016. Em 2011, no entanto, já havíamos feito o Festival Internacional de Piano, que foi retomado em 2022, reunindo competição e uma longa série de ações paralelas. Nesse ano, 2011, fizemos a inauguração do piano comprado para o concurso, num recital do então iniciante Daniil Trifonov. Ele tinha 20 anos de idade e estava prestes a se tornar uma estrela. Além dele, no Rio de Janeiro, vários pianistas fizeram recitais pelo Brasil. Não houve competição, mas a semente estava plantada. Há outros festivais com esse modelo, um conceito mais amplo do que a competição, como o Pianale, na Alemanha, que englobam uma série de ações. Estamos então na 3ª edição do Festival. 

O que mudou de concurso para festival?
Olhando para trás, vejo que nossa missão é descobrir talentos e fortalecer as carreiras e esse objetivo foi alcançado. Não é apenas um concurso ou um prêmio que fortalece os elos de uma carreira em início, principalmente em termos de Brasil. O que fica são as master classes, a divulgação, a busca de talentos, o estímulo aos novos intérpretes. Porque a competição é emocionante, tem peso e é fundamental, mas são jovens que vêm de escolas famosas e voltam para seus países. Já o formato mais abrangente fortalece também as ações estruturantes dentro do Brasil. Hoje, o festival tem patrocínio do Instituto Vale.

Eu gostaria muito de fazer, por exemplo, uma das provas ou o concerto dos vencedores em São Paulo. Outra coisa: enfatizar o recorte das mulheres compositoras, um tema que eu abordo desde 1985 em muitos projetos – e que atualmente ganhou mais força em debates e ações envolvendo questões de inclusão, de gênero, ainda bem

Uma das ações importantes foi a concessão de bolsas de estudo, não?
A gente começou a procurar os jovens Nelson Freire e Guiomar Novaes e proporcionar a eles condições de aperfeiçoamento. Uma das ações mais fundamentais foi a concessão de bolsas de estudo. Nós tivemos 13 bolsistas, entre os quais Leonardo Hilsdorff, Fábio Martino, Lucas Thomazinho, Richard Kogima, que começaram suas carreiras entre 2009 e 2012. Isso só entre os brasileiros. Há estrangeiros que se destacaram enormemente, como o romeno Daniel Ciobanu, que ganhou nosso concurso em 2016 e, um ano depois, foi um dos vencedores do Concurso Arthur Rubinstein, um dos mais tradicionais do mundo.

As bolsas de estudo ainda existem?
Não. O investimento nas bolsas de estudo está suspenso por enquanto. Era no tempo em que o BNDES fazia um investimento via fundo cultural, fora das leis de incentivo. Projeto de longo prazo, como são os estruturantes na área de cultura ou de educação. Infelizmente isso parou em 2016, mas queremos muito trabalhar pela volta das bolsas.

E o que vem na próxima edição do festival?
Vamos tentar viabilizar uma itinerância, ir para outras cidades. Eu gostaria muito de fazer, por exemplo, uma das provas ou o concerto dos vencedores em São Paulo. Outra coisa: há a ideia de enfatizar o recorte das mulheres compositoras, um tema que eu abordo desde 1985 em muitos projetos – e que atualmente ganhou mais força em debates e ações envolvendo questões de inclusão, de gênero, ainda bem. Nos 14 anos do festival, essa é a primeira vez que uma candidata toca duas compositoras mulheres, que foi a Élizabeth Pion. Ela apresentou na semifinal uma compositora francesa, Helena de Montgeroult, e a russa Sofia Gubaidulina, que aliás é bastante tocada na Europa e muito pouco no Brasil. Também fiquei impressionada porque, dos 10 candidatos, só havia duas mulheres. Onde estão as pianistas, as compositoras? Onde estão as jovens pianistas, nós que temos tantas estrelas no Brasil... Guiomar, Magdalena, Ana Stela, tantas.... Gostaria de fazer, no âmbito do próximo festival, um painel de compositoras, trazer pianistas mulheres para tocar, por exemplo, um recital Clara Schumann, que tem coisas absolutamente geniais, Fanny Mendelssohn, Alma Mahler. Eu fiz no Brasil a primeira audição de trios de Clara e Fanny. Vejo que há jovens pianistas na faixa dos 20, 25 anos se debruçando sobre o assunto. 

Sua persistência é impressionante.
Teimosia, não é? Quando a gente chega à parte final da vida, e olha para o que passou... eu só cheguei aonde cheguei por causa de iniciativas como essa, que me deram bolsa, viagem de estudo, visibilidade, impulso, auxílio do Itamaraty. Fazer mais um concerto é bom, eu adoro subir no palco e tocar. Mas um projeto como esse é mais para um legado. E eu acho preferível deixar um legado em vez de mais uma gravação. E devolver à sociedade o que recebi.

Lilian Barreto com os finalistas do 3º Festival de Piano do Rio de Janeiro [Divulgação]
Lilian Barreto com os finalistas do 3º Festival de Piano do Rio de Janeiro [Divulgação]

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.