“Sala em conserto”. O compositor João Guilherme Ripper, diretor da Sala Cecilia Meireles, no Rio de Janeiro, postou o trocadilho em sua página do Facebook em 19 de janeiro. Dava conta da manutenção do prédio carioca no recesso: reforço da impermeabilização do teto e manutenção dos equipamentos de palco, como varas de iluminação, conectores, mesas de som e luz passavam por checagem e atualizações.
Nessa segunda-feira, dia 7, é a vez de Ripper divulgar a programação 2022, que começa no dia 11 de março, com “a combinação de continuidades e novidades”, diz ele. De volta à Sala desde 2019 (ele dirigiu a casa entre 2004 e 2015), o carioca vem privilegiando a vocação para música de câmara do palco da Lapa. E a Sala manteve uma programação de qualidade e quantidade mesmo ao longo da pandemia, nos difíceis anos de 2020 e 2021, tendo recebido o Prêmio CONCERTO 2020 pela sua Sala Digital e com três indicações para o prêmio em 2021.
“O importante é ressaltar que temos como valor fundamental a regularidade, a previsibilidade. Mais de 80 concertos programados e confirmados, patrocínio da mantenedora Petrobras e da Vale, como master, de cerca R$ 2 milhões – crescemos em relação ao ano passado”, celebra. “É uma política cultural, que a Sala, que integra a Funarj, faz questão de manter.”
“Vamos começar dizendo que a dupla presencial e digital continua valendo”, garante o diretor. “Esperamos que não haja nenhuma retroação sanitária, de variantes. Estamos com lotação completa e nosso YouTube e a TV Alerj farão a transmissão de quase todos os concertos. Além do que significou para público e artista durante o isolamento, tratamos de ampliar o registro para constituir a memória.” Ripper garante que, além do mais, um novo público foi atraído para os concertos ao vivo e as transmissões alcançaram o Brasil e o mundo. “De qualquer maneira, é preciso lembrar que são experiências completamente diferentes. Uma não substitui a outra.”
Seguem na programação as séries Música de Câmera e Cantares – que inclui os brasileiros Paulo Mandarino e Vinicius Atique, os estrangeiros Alfonso Mujica, tenor uruguaio, e Antonella Cesare, soprano italiana, trazida pelo Instituto Italiano de Cultura. A série Pianistas fará uma homenagem especialíssima: “Vamos homenagear Jacques Klein nos 40 anos de sua morte. Ele foi diretor da Sala duas vezes, faleceu no cargo e é um nome referencial no piano do Brasil. Clélia Iruzun, que foi aluna dele, vai trazer o repertório que ele costumava fazer.” A série tem três jovens pianistas franceses que o Consulado ajudou a trazer e um duo de Cristian Budu e Luiz Gustavo Carvalho. “E virá também Andrew Simpson, que faz do acompanhamento a filmes mudos sua grande arte”, destaca o diretor.
Na série Orquestras, os grandes grupos sinfônicos cariocas – com exceção da Sinfônica Brasileira – e presença da Orquestra de Barra Mansa. “A Petrobras Sinfônica apresenta, sob a batuta de Fabio Mechetti, uma obra orquestral especialmente encomendada ao paulista Marcelo Dino, compositor, arranjador e professor”, revela Ripper. Já a Sala Contemporânea e a Sala Jazz seguem trazendo a música dos séculos XX e XXI. “O Abstrai Ensemble vai fazer a estreia brasileira de Dmaathen, de Iannis Xenakis.
Das novidades, Ripper destaca um Festival Mendelssohn. “Vamos fazer a integral dos quartetos, quintetos e o octeto de cordas com o Quarteto Carlos Gomes e convidados cariocas, acredito que pela primeira vez no Rio de Janeiro.” O compositor alemão, nascido em 1809, é algo subestimado, “considerado meio kitsch, talvez, ou fácil”, coloca Ripper. “Discordo desse olhar. A música de Mendelssohn tem uma dimensão espiritualizada e ele foi tremendamente precoce. O Octeto de Cordas, por exemplo, foi escrito quando ele tinha 16 anos."
Um festival dedicado ao violoncelo traz Antonio Meneses interpretando a integral das Suítes para violoncelo de Bach, além de Fabio Presgrave (com Max Uriarte), Rafael Cesario (com André Mehmari) e Gustavo Tavares (com Maria Teresa Madeira), entre outros, com o bônus de um octeto de cellos tocando peças de Villa-Lobos e Mario Tavares.
O incontornável centenário da Semana de 22 ganha um foco local, com o Festival Modernistas Cariocas. “A partir das pesquisas preciosas de Manoel Correa do Lago em seu livro O círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil - Modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana, crio programas com o que era ouvido aqui no Rio antes da Semana de 22. Vamos fazer uma obra da Nininha. É levantar o véu da história, ouvindo Glauco Velásquez, Henrique Oswald, Nepomuceno, criadores que já tinham linguagens harmônicas surpreendentes”, explica.
Ópera de câmera também terá lugar na Sala em 2022. “Apesar de ser um conceito elástico no número de cantores, coro, instrumentistas, aqui o mais importante é que a obra seja adequada às condições da Sala Cecilia Meireles – não temos fosso nem caixa preta, e por outro lado temos recursos de projeção, iluminação, espaços singulares que podem ser muito bem aproveitados”, pontua o diretor. “Teremos a estreia no Rio de O doido e a morte, do português Alexandre Delgado, com o grupo Toy Ensemble, também de Portugal. E, no Dia das Crianças, celebraremos os 80 anos de Jorge Antunes com duas de suas óperas infantis."
O Festival de Orquestra Juvenis franqueia o palco da Sala para ações sociomusicais em curso. “São projetos que usam a música como ferramenta de integração social. Incluo aí o projeto Sinos, da Funarte e da UFRJ, e o Vale Música, que também sintetizam esses objetivos.” E, esse ano, sete master classes vão fazer a ponte entre grandes intérpretes e os jovens músicos, com Jean Louis Steuerman, Nelson Faria, Gilson Peranzetta, Antonio Meneses , Fábio Zanon, o Quarteto Carlos Gomes e Andrew Simpson.
Por fim, uma continuidade que embute novidades. O Programa Gestores, que abre espaço para jovens músicos viverem o dia a dia da casa de concertos no treinamento para a função, entra na terceira edição, mantendo sua estrutura de formação com palestras, aulas, vivências e uma parte prática, de programação de concertos para o Espaço anexo Guiomar Novaes.
“O que muda é a apresentação do produto final, as séries de concertos que vão ao público”, explica Ripper. “Esses eventos serão concentrados e mostrados em sequência, num festival em novembro.” Dos alunos do ano passado, um deles já garantiu espaço na própria Sala: o regente Éder Paolozzi é agora assistente artístico de Ripper. “Há 18 anos, Edino Krieger me chamou para esse posto. Agora, é a vez de trazer o Éder.”
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