Partituras originais dos hinos brasileiros serão exibidas em Belo Horizonte

por Luciana Medeiros 22/04/2022

Às 13h da última terça-feira, dia 19 de abril, uma escolta da Polícia Militar do Rio de Janeiro partiu da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro em direção ao aeroporto Santos Dumont, com direito a batedores. Levava documentos raros. Mais do que raros, também simbólicos da história do país: as partituras originais, manuscritas, de oito hinos brasileiros. Seguiram para Belo Horizonte em avião oficial do estado mineiro, com escolta permanente e, lá, foram recebidos pelos Dragões da Inconfidência.

Toda a logística solene é para a montagem da exposição Já Raiou a Liberdade: Hinos do Brasil, que será aberta dia 26 no Palácio da Liberdade, ficando em cartaz até o dia 26 de maio. O projeto, um dos primeiros da comemoração do bicentenário da Independência, reúne a Funarte, a UFRJ (pelo programa Arte de Toda Gente) e a Secretaria Estadual de Cultura e Turismo de Minas Gerais, atualmente capitaneada pelo ex-diretor executivo da Funarte Leônidas Oliveira.

“Estamos fazendo pelo projeto Sinos seis edições dos hinos”, diz Marcelo Jardim, vice-diretor da Escola de Música da UFRJ e coordenador geral do programa Arte de Toda Gente. "O da Independência, da República, à Bandeira e Nacional, e mais dois históricos. Cada hino pontua a história do Brasil e sentimentos de uma época e representa um sentido de nação. Como contrapartida, o Arquivo Público Mineiro, que tem uma equipe especializada, vai fazer o restauro dos documentos, com a colaboração da Escola de Belas-Artes da UFRJ.”

É a primeira vez que esses documentos saem do Rio de Janeiro, cidade que foi capital da colônia, do Reino Unido de Portugal e Algarves, do império e da república. Aterrissam em Minas na semana da Inconfidência – mais uma celebração brasileira. A curadoria é da Escola de Música e a pesquisa histórica ficou a cargo do professor e regente André Cardoso.

O hino mais antigo data de 1816 – A estrela do Brasil, de José Joaquim de Souza Negrão – e é dedicado ao príncipe D. Pedro. O mais recente é o Hino à Bandeira, de 1906, de Francisco Braga sobre poema de Olavo Bilac – isso, se não contarmos a versão hoje consagrada do Hino Nacional, cuja letra definitiva só foi criada em 1909, pela pena de Osório Duque Estrada. Curiosidade: o poeta e jornalista Duque Estrada, professor e crítico feroz, era também autor de libretos de teatro popular, como o da revista Manobras do amor, com música de Chiquinha Gonzaga. A mostra inclui, naturalmente, os hinos compostos por Marcos Portugal.

A primeira versão do Hino Nacional Brasileiro foi escrita em 1831 por Francisco Manuel da Silva quando D. Pedro abdicou em favor do filho, e tinha letra de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, de pegada fortemente antilusitana. Por muito tempo, ficou conhecido como “7 de abril” – a data da abdicação. “Fala contra a opressão portuguesa e os grilhões que nos prendiam; começa com ‘os bronzes da tirania já no Brasil não rouquejam / os monstros que nos escravizavam entre nós não vicejam’”, lembra Marcelo.

“O Marechal Deodoro não queria mais aquele hino – já era uma segunda versão do ‘7 de abril’, agora homenageando D. Pedro II. E promoveu um concurso para escolher a celebração musical da República. Quem ganhou foi Leopoldo Miguez, na época diretor da Instituto Nacional de Música, antecessor da Escola da UFRJ, com o hino que diz ‘Liberdade, liberdade / abre as asas sobre nós’.  E aí Deodoro pronuncia a famosa frase: ‘prefiro o velho...’”, lembra Jardim.  “Os hinos eram do povo, antes de serem tão associados a solenidades e ao militarismo. As pessoas cantavam nas festas, alegres, não havia essa ideologização dos hinos."

Não poderiam faltar as composições do próprio Pedro I – músico muito esforçado, aluno de Sigismund Neukomm, escreveu em 1821 um primeiro hino e, no ano da independência, o famoso hino que começa com “Já podeis da Pátria, filhos / ver contente a mãe gentil”, com versos de Evaristo da Veiga. Também está na mostra a orquestração de Francisco Braga para o Hino da Independência, assim como a partitura do belo Hino à Bandeira, de Braga, criado por encomenda federal para cerimônias escolares, oficializado como símbolo musical da nação apenas em 1971.

E, finalmente, estão na exposição uma homenagem a D. Pedro I de seu professor Neukomm, de 1826, e o documento de doação das partituras à Escola de Música da UFRJ.

Depois de Belo Horizonte, a mostra segue para Brasília, onde será inaugurada em setembro.

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Manuscrito original do Hino Nacional Brasileiro [Divulgação/UFRJ]
Manuscrito original do Hino Nacional Brasileiro [Divulgação/UFRJ]

Veja abaixo detalhes de cada partitura da exposição.

A Estrela do Brasil (1816): abertura composta pelo compositor baiano José Joaquim de Souza Negrão e dedicada ao Príncipe. D. Pedro I. Único manuscrito da obra está no Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno e foi editada e gravada pelo Sistema Nacional de Orquestras Sociais (Sinos) da Funarte em parceria com a UFRJ.

Hino da feliz aclamação de D. João VI (1817): partitura original do hino composto pelo compositor luso-brasileiro Marcos Portugal, professor de música do Príncipe D. Pedro, por ocasião da subida ao trono de D. João VI.

Hino da independência (1822): primeiro hino do Brasil independente, composto por Marcos Portugal a partir da letra de Evaristo da Veiga (1799-1837), com o título de Hino Constitucional Brasiliense, a mesma letra que D. Pedro usaria para seu Hino.

Le héros, ouverture à grand orchestra: obra composta em homenagem ao príncipe D. Pedro pelo compositor austríaco Sisgismund Neukomm, aluno de Joseph Haydn, que viveu no Rio de Janeiro em 1817 e 1821. Original na Biblioteca Nacional de Paris, com cópia manuscrita na UFRJ.

Hino da carta constitucional (1821): composto no Brasil em 1821 pelo príncipe D. Pedro no contexto da revolução liberal que daria a Portugal uma nova constituição em 1826. Estreado e muito executado no Brasil durante o primeiro reinado, acabou por ser oficializado como hino nacional português até a Proclamação da República naquele país, em 1910.

Hino da independência (1822): de D. Pedro I, com orquestração de Antônio de Assis, republicano, compositor responsável pela orquestração oficial do Hino Nacional Brasileiro.

Hino da independência (1822): de D. Pedro I, com Instrumentação de Francisco Braga e arranjo de Francisco Flores.

Hino Nacional brasileiro: partitura original do Hino ao 7 de abril, composto por Francisco Manuel da Silva, por ocasião da abdicação de D. Pedro I em 1831. Em 1841, a mesma melodia ganharia uma nova letra, de autor desconhecido, por ocasião da coroação de D. Pedro II. Em 1909, Osório Duque Estrada (1870-1927) escreveria a letra definitiva e hoje oficializada.

Hino da República (1890): partitura original do hino composto por Leopoldo Miguéz para o concurso promovido pelo primeiro governo republicano para um novo hino nacional. Premiado com o primeiro lugar, se tornaria o hino republicano por decisão do presidente da República, Deodoro da Fonseca, que manteve o de Francisco Manuel da Silva como Hino Nacional.

Hino à bandeira Nacional: partitura original do Hino à bandeira Nacional, composto em 1906 por Francisco Braga sobre letra de Olavo Bilac por encomenda da prefeitura do Distrito Federal para ser cantado pelos alunos da Escola do Rio de Janeiro. Foi oficializado em 1971, sendo executado no primeiro domingo de cada mês na cerimônia de troca da Bandeira conduzida pelo Exército brasileiro. 

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