O pianista Steven Osborne realiza jornada dupla nesta semana na Sala São Paulo, interpretando duas obras importantes de meados do século XX. Com a Osesp, ele será o solista, na quinta, na sexta e no sábado, no Concerto para piano do britânico Michael Tippett. E, no domingo, faz recital solo no qual vai interpretar Vingt regards sur l’Enfant-Jésus, do compositor francês Olivier Messiaen.
Tippett concluiu seu concerto em 1955, mas trabalhava nele já há dez anos quando colocou as últimas notas na partitura. “Durante a maior parte desse tempo, ele esteve também ocupado com a ópera The Midsummer Marriage. E não é surpresa que a música da ópera permeie de alguma forma o concerto, em suas extensas linhas orquestrais, na vida que há nelas, e em especial na criação de uma sensação de mistério e magia”, escreveu o musicólogo Ian Kemp, amigo pessoal de Tippett e responsável por alguns dos estudos mais importantes a respeito de sua obra.
“Tippett concentrou-se na descoberta de um pianismo cintilante. Ele cria um efeito entre o essencial e o decorativo. A obra é lenta, reconfortante. Se um clímax parece iminente, ele é desviado: parágrafos amplos se abrem para panoramas profundos e visões minúsculas. O notável é que o concerto foi escrito quando o curso da música europeia parecia estar levando a um serialismo ansioso e fragmentado, com o corolário de que a redefinição de Tippett da música pastoral inglesa era de uma irrelevância singular. O início dos anos 1950 foi um período de ameaças e de austeridade fria; e aqui Tippett oferecia mais um antídoto para tudo isso”, completa Kemp.
Osborne gravou a peça em 2007 com a Sinfônica da BBC e o maestro Martyn Brabbins. “O poderoso Concerto equilibra-se entre o ainda ricamente potente estilo da juventude de Tippett e as corajosas novas possibilidades, exploradas em seu visionário movimento central... A eloquência e a fantasia daquela que é sem dúvida uma das maiores obras dos anos 1950 são projetadas soberbamente em uma performance que não precisa temer comparação com as melhores gravações”, escreveu o crítico da Gramophone.
Música e fé
Vingt regards sur l’Enfant-Jésus data de 1944, um ano antes do final da Segunda Guerra Mundial, e é testemunho do credo artístico e da crença religiosa de Olivier Messiaen. A peça, com cerca de duas horas de duração, foi estreada em 1945 por Yvonne Loriod, na Sala Gaveau, em Paris.
O próprio Messiaen definiu a obra, que seria a “contemplação do Menino Deus no berço e olhares que acontecem sobre ele, desde o olhar indizível de Deus Pai até o olhar múltiplo da Igreja de amor, passando pelo olhar inaudito do espírito de alegria, pelo olhar tão enternecido da Virgem, depois dos anjos, dos magos e das criaturas imateriais ou simbólicas (o tempo, as alturas, o silêncio, a estrela, a cruz)”.
A religiosidade teve papel importante na criação de Messiaen. “As pesquisas científicas, as provas matemáticas, as experiências biológicas acumuladas não nos salvaram da incerteza. Pelo contrário, aumentaram nossa ignorância, mostrando sempre novas realidades por baixo do que acreditávamos ser a realidade. A única realidade que existe é a de uma outra ordem: situa-se no domínio da fé. É pelo encontro com um Outro que podemos compreendê-la.”, escreveu o compositor.
“Mas é preciso passar pela Morte e pela Ressurreição, o que supõe um salto para fora do tempo. Muito estranhamente, a música é capaz de nos preparar para isso, como imagem, reflexo, símbolo. Com efeito, a música é um perpétuo diálogo entre o espaço e o tempo, entre o som e a cor; o espaço é um complexo de tempos superpostos, os complexos de sons existem simultaneamente como complexos de cores. O músico que pensa, vê, ouve e fala por meio desses conceitos fundamentais pode, em certa medida, aproximar-se do Além. E, como diz São Tomás, a música nos conduz a Deus, ‘por lacuna de verdade’, até o dia em que Ele próprio venha a nos deslumbrar ‘por excesso de verdade’. Tal pode ser o sentido-significação e também o sentido-direção da música.”
Clique aqui para ler o texto do João Marcos Coelho sobre a obra Vingt regards sur l’Enfant-Jésus, de Messiaen, publicado na edição corrente da Revista CONCERTO (acesso exclusivo para assinantes)
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