Retrospectiva 2022: Alba Bomfim, maestra e professora de regência e práticas interpretativas da Universidade Federal do Piauí
Meu ano foi muito positivo e com demandas em diferentes áreas. Na regência, trabalhei com orquestras profissionais e de formação: OSB, Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, Sinfônica do Departamento de Música da Universidade da Paraíba, Sinfônica do Conservatório de Tatuí.
Foram encontros muito ricos, incluindo estreia de obras – gosto muito de trabalhar com peças de compositores vivos, assim como trabalhar com solistas vocais e instrumentais. Ainda nos projetos de formação, ministrei duas imersões no Guri e pude conhecer o trabalho de excelência feito por essa entidade na cidade e no interior de São Paulo. Outro exemplo é Belém do Pará, que tem um trabalho fortíssimo junto ao Theatro da Paz e à Fundação Amazônica de Música dirigido pela professora Glória Caputo.
Em João Pessoa encontrei pessoas engajadas e um movimento artístico muito forte. Nessa cidade eu tive a felicidade de dividir o palco com o solista Iberê Carvalho. Dessa maneira, em diferentes espaços, tive o privilégio de conhecer um Brasil Sinfônico e pulsante de dentro para fora e assim trabalhar com a música de concerto feita fora dos grandes polos, vendo como as pessoas a recebem. Assim como percebi em minha pesquisa de doutorado sobre a orquestra (o Rapport e a formação de públicos num contexto regional português), aqui no Brasil a minha experiência atual no terreno tem me desvelado que um formato de concerto mais próximo do público, no qual a gente conversa, apresenta o repertório, e até permite eventuais quebras de protocolo com palmas em diferentes momentos, pode transmitir um sentimento de pertencimento. Ademais, a inclusão na programação de música brasileira com elementos tradicionais, como Villa-Lobos, Guerra-Peixe, Lorenzo Fernandez, entre outros, pode dar ao público leigo a sensação de algo conhecido.
Outro aspecto que pude explorar foi reger a música de compositoras mulheres: exemplos foram o Concerto para violino de Amanda Maier, com solos de Emmanuele Baldini, ou a peça de Florence Price que dirigi na Paraíba. Gosto de programar concertos com repertórios plurais e acredito que nesse momento em que nossa sociedade se apresenta mais onívora, esse tipo de programação possa ser bastante acolhida. Não vejo a hora de poder programar mais obras do impressionismo, expressionismo, séculos XX e XXI. Tenho observado que esse repertório pode dialogar muito bem com a realidade atual e estética brasileiras, seja no campo das artes visuais, dança, teatro, arquitetura, fotografia, cinema, moda e literatura.
No final do mês de maio assisti ao espetáculo DI da São Paulo Companhia de Dança e Orquestra do Theatro São Pedro com direção musical de Cláudio Cruz e direção artística de Inês Bogea que me fez viajar: que exemplo inspirador de espetáculo interdisciplinar! Naquele caso havia artes visuais, projeções, dança com jovens bailarinos, a música. Essa explosão de criatividade nos faz dialogar com o presente e o futuro. Isso me faz falta e acredito que faça falta para muitos jovens: enxergar como a linguagem da música clássica dialoga com os nossos dias.
Em 2022 fiquei muito contente de ver e de estar em diferentes projetos, como ser júri de concursos, incluindo ações afirmativas para negros, pardos e indígenas, como foi o 1º Concurso Joaquina Lapinha. Aqui é importante destacar o papel que o Coletivo Ubuntu está tendo na música de concerto, com destaque para a figura da Mere Oliveira. Os concursos para jovens talentos têm que estar vivos, e não apenas os maiores, mas tudo o que diz respeito à vida profissional: concursos para participar de um musical, coro, orquestra ou uma ópera. Esses processos são importantes, não só para a arte mas para a vida, porque estamos sempre sendo selecionados.
Também vi o movimento na Sinfônica de Porto Alegre, que esse ano recebeu não só a Mere Oliveira como também a maestra Sarah Higino. Fiquei muito feliz, pois vê-la no palco confirma que não sou a única a lutar por um ideal em meu país. Também fiquei feliz com a vinda do Luiz de Godoy, um maestro consistente, assim como o João Rocha, que regeu e dividiu sua música tão bonita com a Osusp e Hércules Gomes.
Para 2023 desejo mais gente no palco e pluralidades dentro e fora dele. Aspiro profundamente ver e ouvir a música de concerto nas salas de diferentes regiões do Brasil, pois o nosso diferencial enquanto país é apresentar dimensões continentais com imensa riqueza e diversidade culturais. A arte muda a minha vida todo dia, e todo cidadão tem o direito de ter essa mesma arte em sua vida. Meu desejo é que em 2023 mais pessoas possam acessá-la e de forma presencial.
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