Núcleo propõe novos processos na criação de ópera

por Luciana Medeiros 02/09/2025

Trabalho coletivo, reunindo diferentes profissionais, marca a atividade do Núcleo de Criação do Festival de Música Erudita do Espírito Santo, que neste ano fará a estreia da ópera A profissão da senhora Warren, com música de Maurício De Bonis e libreto de Livia Sabag e Eliane Coelho

Uma experiência singular vem se dando há alguns no âmbito do Festival de Música Erudita do Espírito Santo – que estreia sua 13ª edição no dia 7 de novembro, em Vitória: a estruturação de um núcleo de criação de óperas, em que diretores, regentes, compositores, libretistas e intérpretes formam uma espécie de coletivo para a criação de obras líricas. E funcionando em bases de continuidade, sonha Livia Sabag, diretora artística do evento.

“Desde 2021, no atelier de criação que fizemos, Gabriel Rhein-Schirato e eu, na Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte, essa ideia se mostrou muito produtiva. Lá, fizemos versões de O grande mentecapto, de Fernando Sabino”, ela lembra. O projeto reuniu libretistas, compositores e profissionais do universo da ópera em atividades de formação que resultaram na criação das obras. 

A criação colaborativa, em especial na ópera, em tese desafia a tradição literária, musical e dramatúrgica – melhor dizer, a percepção – do artista em processo necessariamente solitário. O núcleo, a princípio estruturado informalmente, foi crescendo em resultado e em organização de processos. Em 2022, no Theatro São Pedro, foi criada a ópera O canto do cisne, a partir da peça de Tchecov, com libreto de Livia e música do compositor Leonardo Martinelli, com regência de Rhein-Schirato e Eliane Coelho no papel principal, ao lado de Mauro Wrona.

Em Vitória, também em 2022, ocorreu a estreia mundial de A procura da flor, de André Mehmari, com libreto do poeta Geraldo Carneiro. Um ano depois, nasceu Contos de Julia, com música de Marcus Siqueira e libreto de Veronica Stigger, a partir de textos da escritora brasileira Julia Lopes de Almeida. E, em 2024, foi a vez de Clitemnestra, com música de Siqueira e libreto de Livia e João Luiz Sampaio. Contos de Júlia e Clitemnestra venceram o Prêmio Lauro Machado Coelho de Ópera do Prêmio CONCERTO.

“Em nossas reuniões de equipe – com libretista, compositor, maestro, direção cênica –, surgiam novas questões, direções e soluções para o grupo”, explica Livia. “Nossa ideia é mesmo manter o núcleo funcionando permanentemente, aprendendo, avançado, desenvolvendo de uma edição para a outra”, assegura Livia. 

Em 2025, revela a diretora, a ópera inédita, criada para o festival, é baseada na peça de Bernard Shaw, A profissão da senhora Warren, escrita em 1893-94. A música é de Maurício De Bonis; o libreto, de Livia e da soprano Eliane Coelho; e a direção musical, do maestro Gabriel Rhein-Schirato. 

O enredo segue uma jovem, Vivie Warren, que tem vida tranquila e cursa a universidade graças à mãe. Em uma visita, mãe e filha confrontam-se a partir da revelação de que o dinheiro para o conforto e os estudos da moça vem de uma rede de prostíbulos. “É uma obra-prima, que será apresentada em forma de ópera de câmara, em linguagem muito próxima à do original. Ano passado, tomamos liberdades em relação à Oresteia, mas esse ano quisemos manter a dinâmica do original na transposição para a ópera.”

Eliane Coelho, como intérprete, participou de diversas edições do festival e já estava de certo modo presente na criação. “Nesse ano, se incorporou oficialmente ao núcleo”, conta a diretora. “Em anos anteriores, a colaboração dela foi mais esparsa, mas determinante. Esse ano, ela está oficialmente escrevendo o libreto com a gente.” É, portanto, a primeira vez que Eliane Coelho assina uma obra lírica. A montagem de A profissão da senhora Warren abre o festival no dia 7 de novembro, com Eliane no papel-título. 

O Festival de Música Erudita do Espírito Santo, idealizado e coordenado por Tarcísio Santório e Natércia Lopes, ultrapassa a definição de “evento” há tempos, embora o mês de novembro concentre a maioria das apresentações para o público. Livia, colaboradora e coordenadora desde 2014, lembra que a atividade do núcleo de criação começa no início do ano para a criação do espetáculo inédito. “De fato, começa antes, já nos últimos meses do ano anterior, com a busca de textos e propostas.” 

No mês de julho acontece o VOE – Vitória Ópera Estúdio, com a proposta de formação de artistas para o palco lírico, com módulos para cantores, maestros, pianistas correpetidores e diretores cênicos, em um intensivo de 17 dias que deságua numa montagem. “São aulas, ensaios e apresentações”, conta Livia, sempre contando com profissionais convidados, como o direto italiano Marco Gandini, coordenador do Ópera Estúdio do Teatro Alla Scala, de Milão. Esse ano, foi apresentada a ópera La moloinara, de Pasiello (1740-1816). Já a partir de amanhã, acontece o concurso de canto Natércia Lopes, “o único no Brasil sem limite de idade”, afirma Livia.

Além do VOE, acontece um projeto de formação para o grupo de profissionais da técnica, esse ano trazendo a programadora de iluminação do La Scala, Valeria Lovato; a Ópera nos Bairros, projeto infanto-juvenil que percorre cidades do estado com uma apresentação especial (“esse ano, teremos uma opereta baseada num livro infantil, Filhote de trem, com música de Villa-Lobos”); concertos itinerantes; e os cinco concertos de câmara, com a curadora convidada Yara Caznok.

E, em 2025, mais uma novidade: a Sinfônica do Espírito Santo vai se apresentar no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, como um primeiro passo de nacionalização do Festival, que é uma iniciativa do estado do Espírito Santo. 

“Temos como patrocinadora master a Shell, que tem uma parceria muito produtiva conosco, afinada com as propostas artísticas e educativas”, explica Livia. “São espaços de criação, formação e produção de que o Brasil precisa muito.”


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Cena da ópera 'Clitemnestra', de Marcus Siqueira [Divulgação/Fabio Prieto]
Cena da ópera 'Clitemnestra', de Marcus Siqueira, apresentada pelo festival em 2024 [Divulgação/Fabio Prieto]

 

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