Às seis da tarde dessa segunda-feira, dia 11 de outubro, começa o recital de Thalyson Rodrigues (piano) e Thiago Vieira (trompete e flugelhorn) na Sala Chroma – nome que o acolhedor Espaço Guiomar Novaes da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, recebe nesse dia. Poderia ser apenas mais um concerto da programação carioca de música. Mas os bastidores dessa produção são singulares.
É o primeiro evento da fase final do Programa Gestores 2021 da Sala Cecília Meireles – Funarj, projeto inovador idealizado pelo diretor da casa, João Guilherme Ripper. Dos 110 inscritos – a formação em música era o principal requisito, e muitos já tinham experiência em produção cultural – ficaram 80. Desses, 60 alunos ouvintes de todo o Brasil e 20 de modo presencial. Todos acompanharam aulas teóricas sobre os mais diversos aspectos da produção – orçamentos, desafios técnicos, contratos, divulgação, entre outros – e os alunos baseados no Rio de Janeiro estão, nessa fase final, levando ao palco doze concertos inteiramente concebidos e produzidos no âmbito do curso.
“Aqui no Brasil é muito comum, quase a regra, que o diretor artístico seja também o diretor executivo dos espaços culturais”, explica João Guilherme. “São trabalhos bem diferentes, que exigem ferramentas específicas. E nossos sistemas de treinamento dos profissionais da nossa área ainda são mestre-discípulo. Vemos que tantas soluções se perdem, não há sistematização. As instituições não conseguem atingir seu potencial de crescimento.”
Ripper viveu na pele a questão: músico de formação, muito cedo se envolveu com produção e gestão artísticas, atuando na Funarte e na própria Sala Cecília Meireles. E sentiu a necessidade de mergulhar no conhecimento específico.
“Foi um desejo pessoal de capacitação”, conta. “E naquele ponto, 2008, fiz um curso intensivo na França, ‘Economia e financiamento da cultura’, na Université Paris-Dauphine, que não apenas dava o conteúdo teórico, mas levava à sala de aula gestores de grandes equipamentos culturais para dividirem a vivência prática e sanarem dúvidas. Uma experiência riquíssima, que de certa forma estou replicando aqui na Sala: o projeto Gestores apresenta, através dos profissionais do nosso dia a dia, o ferramental da gestão de uma sala de concertos. Vieram ainda Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, e Flavia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas de Ópera, como palestrantes convidados.”
Mas o grande diferencial é mesmo a aplicação prática. Os participantes recebem um pequeno orçamento para a realização de doze concertos. Os vinte alunos, divididos em três grupos, conceberam uma série de quatro concertos cada – que acontecem entre os dias 11 de outubro e 11 de novembro. Cada grupo conceituou sua série – e a criatividade incluiu nomear o espaço de apresentações. Surgiram assim a Sala Chroma, a Sala Mariuccia Iacovino e o Espaço Edino Krieger.
Mezzo-soprano formada pela Unirio, Julia Requião faz parte do grupo de estreia – está na gestão da Sala Chroma. Aos 28 anos, tem uma longa experiência em iluminação e produção – é filha de cineasta e desde cedo engrenou no campo da técnica.
“O nome da nossa sala, além de lembrar cromatismo na música, tem relação com um projeto de luz que ambienta todo o espaço”, explica. Mesmo trabalhando na produtora carioca Dellarte há dois anos (“logo na pandemia.... mas deu para fazer coisas muito boas”), Julia sente que ganhou perspectivas importantes com o curso.
“Pensar na arte também como produto, inserido num mercado, é importantíssimo para todos os envolvidos. Também ganhei muito em entender detalhes de legislação, possibilidades de formatos variados nas instituições”, pondera. Ela não vê contradição entre a postura do artista e a do produtor. “Claro que o gestor, o produtor, precisa ter uma visão mais objetiva e concreta. É inevitável. Mas pode-se conciliar.”
Já Letícia Paixão, outra carioca de 26 anos, veio de experiências mais ligadas à MPB – e ainda estudou Administração na UFRJ. “Mas minha relação com a música começou lá atrás, em 2003, com a musicalização infantil na própria Escola de Música da UFRJ.” Produziu grupos vocais, bandas, o Festival da Canção da UFRJ em 2019 e idealizou o Coral do CCJE. Atualmente produz uma banda de música autoral – a Peruá. “Sempre no caminho independente”, ressalta, “mas já pensava em buscar uma formação mais completa, e o curso faz isso: dá detalhes, o prático e o concreto.” Ela está no grupo que concebeu o Espaço Edino Krieger, com estreia na quarta, dia 13.
O violinista concertino da Petrobras Sinfônica e integrante do Quarteto da Universidade Federal Fluminense, Tomaz Soares, está no terceiro grupo, o da Sala que homenageia Mariuccia Iacovino.
“Vamos fazer uma panorâmica do violino nos nossos concertos”, diz o mineiro de Uberlândia radicado no Rio, que estudou na Unirio e na Northwestern University, em Chicago. “Comecei a me interessar por gestão quando integrei a comissão artística responsável pela programação da Orquestra da UFF.”
A atividade curatorial abriu os olhos de Tomaz para uma possibilidade futura de gerir um espaço cultural. “Não tinha vivência nenhuma em gestão e estou apaixonado pelo assunto, principalmente ao ver como funciona a Sala Cecília Meireles e com as palestras de Marcelo Lopes e Flavia Furtado, dois grandes realizadores, com muitas armas para enfrentar desafios como a Osesp e o Festival Amazonas.”
No que depender de Ripper, a Sala vai repetir a experiência. “E adoraria estender o programa a outras instituições”, avisa o diretor.
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