Claudio Santoro
Concerto para violoncelo
Sinfonia nº 8
Marina Martins – violoncelo
Denise de Freitas – mezzo soprano
Orquestra Filarmônica de Goiás
Neil Thomson – regente
Repertório:
Claudio Santoro (1919-89)
Concerto para violoncelo
Sinfonia nº 8
3 Abstrações
Interações Assintóticas
One Minute Play
Aclamada pela crítica brasileira e internacional, a coleção Música do Brasil, do selo Naxos, volta a celebrar, em seu novo volume, a música do compositor Claudio Santoro. Dele, a Filarmônica de Goiás está registrando a integral das sinfonias, assim como outras peças marcantes. Neste disco, estão a Sinfonia nº 8 e o Concerto para violoncelo, além de Três abstrações e Interações assintóticas. O repertório nos leva em direção aos anos 1960, período atribulado da trajetória do compositor. Convidado por Darcy Ribeiro para criar o departamento de música da Universidade de Brasília, após o golpe de 1964 e o AI-5, em 1968, acabaria deixando o Brasil e se instalando na Alemanha. É um dos momentos de maior experimentação de sua carreira, como vemos na Sinfonia nº 8, de caráter serialista, entrecortado por um lied interpretado com excelência por Denise de Freitas; no Concerto para violoncelo, que registra o trabalho de uma das principais artistas da nova geração brasileira, Marina Martins; e nas Interações assintóticas, de escrita quase matemática. É digno de nota o cuidado e a atenção ao estilo com que a Filarmônica de Goiás e Neil Thomson nos guiam por esse recorte histórico fundamental para que compreendamos a riqueza da escrita de Santoro.
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Texto do encarte do CD
Claudio Santoro (1919-89)
Concerto para violoncelo • Concerto para violoncelo
A década de 1960 foi particularmente intensa em acontecimentos na vida de Claudio Santoro, mesmo para os padrões já normalmente intensos da vida do compositor. É uma década marcada pela vivência de importantes acontecimentos históricos e por uma reviravolta estética que o coloca numa posição de absoluto destaque entre os compositores brasileiros do período.
No começo da década, Santoro encontrava-se em Londres, morando com o casal de amigos pianistas Heitor e Jeannette Alimonda. Em 1960, com uma bolsa do governo alemão, Santoro partiu para Colônia e depois para Berlim, com a intenção de trabalhar com música eletrônica. (O arrojado final da Sétima Sinfonia, composta um ano antes em Londres, já parece anunciar o interesse do compositor por novas sonoridades.) Com sérios problemas de saúde e crescentes dificuldades financeiras, porém, Santoro foi socorrido por Nathan Notowicz, primeiro-secretário da União de Compositores e Musicólogos da Alemanha Oriental, que o levou para Berlim Oriental. Era lá que Santoro se encontrava no dia 13 de agosto de 1961, quando teve início a construção do Muro de Berlim.
O Concerto para violoncelo e orquestra foi composto em meio a esses acontecimentos: o primeiro movimento é datado apenas "agosto de 1961"; o segundo tem a data de 28 de agosto de 1961, quinze dias após o fechamento das fronteiras, e o concerto foi concluído em outubro do mesmo ano. Embora a parte solista seja extremamente exigente, o discurso e a estutrura da obra fazem o concerto muito mais próximo das sinfonias do que das outras obras concertantes do compositor.
A longa e sombria introdução orquestral apresenta, nos seus fragmentos iniciais nas cordas graves, os dois elementos sobre os quais se construirá o primeiro movimento: o intervalo de segunda menor e um motivo sinuoso construído a partir dele, depois retomado pela clarineta. A entrada do violoncelo é discreta, quase como um solo orquestral: a parte torna-se aos poucos mais intensa e expressiva, até chegar à extensa cadência, a partir da qual o violoncelo assume seu papel de protagonista. O segundo movimento prolonga a atmosfera desolada do fim do movimento anterior, com uma linha estática do violoncelo, entrecortada por arpejos ocasionais da harpa e da clarineta baixo. O terceiro movimento é o mais caracteristicamente concertante dos três, construído sobre dois temas: o primeiro, num movimento nervoso de semicolcheias e síncopes, e o segundo, em notas repetidas e destacadas sobre um ritmo titubeante das cordas em pizzicato, que se alternam até a conclusão abrupta e pessimista.
Embora não seja uma obra programática, é impossível dissociar a atmosfera carregada do concerto dos acontecimentos em Berlim. No fim do mesmo ano, já baseado em Genebra, Santoro começou a trabalhar no oratório Berlim, 13 de agosto, para narrador, coro e orquestra, como um libelo antimilitarista. A obra ainda está inédita: até o fim da vida, Santoro não permitiu que ela fosse estreada, porque temia que se fizesse uso político da sua obra no contexto da Guerra Fria. (O compositor morreu oito meses antes da queda do Muro.)
Em 1962, Santoro foi convidado a assumir a função de chefe do Departamento de Música da recém-criada Universidade de Brasília. Ocupado com as tarefas impostas pela nova missão, compôs relativamente pouco no período, limitando-se a alguns prelúdios para piano. No entanto, no final de 1963 surgem duas obras importantes, que indicam novos rumos estéticos para o compositor: a Sonata nº 4 para violoncelo e piano e, sobretudo, a Sinfonia nº 8. Pela ruptura estética que representa e pela distância de vinte anos até as obras seguintes do gênero, a Oitava ocupa uma posição isolada no conjunto das sinfonias. A linguagem é novamente serial, mas francamente expressionista; o uso peculiar que Santoro faz das técnicas seriais, não definindo as séries previamente, mas extraindo-as a partir da observação da própria composição, permite-lhe manter a individualidade e a coerência estilística mesmo nos momentos de maior experimentação. O primeiro movimento é construído a partir de pequenos gestos, como os dois acordes iniciais (onde já se ouvem quase todos os doze sons), e motivos de três notas ascendentes e descendentes. A escrita rítmica é fluida e instável, com divisões muito irregulares e polirritmias complexas. O movimento central faz uso dos mesmos recursos, mas na criação de uma atmosfera muito mais sombria, para o que contribui a angustiada e acidentada linha da mezzo-soprano solista em vocalise. O terceiro movimento contrasta fortemente com os anteriores pela regularidade do pulso e pela violência do seu discurso, com amplo uso da percussão, que levam a sinfonia a um fecho dramático. A obra foi estreada no ano seguinte pela Orquestra Sinfônica de St. Louis sob a regência de Eleazar de Carvalho, um dos principais defensores da obra do compositor.
Em abril de 1964, um golpe de Estado militar instaura uma ditadura militar no Brasil. A Universidade de Brasília foi invadida por tropas militares em mais de uma ocasião; professores foram afastados e a reitoria foi posta sob intervenção. Em 1965, um grupo de 223 dos 305 professores da universidade, incluindo Santoro, demitiu-se em sinal de protesto contra arbitrariedades da reitoria e ingerências externas indevidas na universidade. Sem trabalho na capital, Santoro retornou ao Rio de Janeiro, onde se sustentava com aulas de música.
Em 1966, Santoro foi convidado pelo DAAD, o serviço de intercâmbio acadêmico alemão, para uma permanência de um ano em Berlim, como um dos primeiros convidados do Berliner Künstlerprogramm, o programa de residência artística criado três anos antes, que, nos anos seguintes, receberia nomes como Ligeti, Penderecki e Cage. Foi um período de intensa experimentação artística, e não apenas na música: é do ano em Berlim a incursão de Santoro pela pintura, com a produção de quadros que deveriam reproduzir música à medida que o espectador se aproximasse deles, com a ativação de fitas magnéticas e dispositivos fotoelétricos associados aos quadros. A instalação nunca foi realizada tal como Santoro a concebeu, mas é indicativa do pensamento do compositor naquele momento.
A primeira obra composta nesse ano em Berlim foram as Três Abstrações, para orquestra de cordas. O primeiro movimento é um estudo de timbres para orquestra, com amplo emprego de clusters, estáticos e em glissando, e de técnicas expandidas para os instrumentos. O segundo movimento reduz a participação da orquestra e dá espaço para intervenções desacompanhadas dos solistas dos naipes; o terceiro, de escrita mais convencional, é marcado pela pelo ritmo instável e pelos acordes secos e violentos. A obra foi estreada em 1968, no Rio de Janeiro, pela Orquestra Sinfônica Brasileira, novamente sob a regência de Eleazar de Carvalho.
Também desse período é One Minute Play, espécie de tocata em moto perpétuo para orquestra de cordas, concebida como número extra para concertos. A peça estrutura-se a partir de um fugato rápido a oito vozes nos violinos e violas, cuja tessitura se expande continuamente para o agudo e o grave. É a única peça do período berlinense integralmente em escrita convencional e sem o emprego de elementos aleatórios, mas nem por isso ela se afasta do universo sonoro das Três Abstrações: o fugato não é empregado como técnica contrapontística, mas apenas com o objetivo de aumentar a densidade e a tensão interna de um cluster em constante movimento. Essas duas obras parecem já indicar o caminho de pesquisa a ser seguido na década seguinte, em particular na série das doze Mutationen, para instrumentos e fita magnética (1968-1976).
Santoro retorna ao Brasil no fim de 1967, em meio ao recrudescimento do regime autoritário no país. A permanência será curta: a ausência de trabalho e o ambiente de crescentes perseguições políticas o levam novamente a sair do Brasil em 1969, desta vez rumo a Paris, onde já estava o físico Roberto Salmeron, colega de Santoro na Universidade de Brasília, que também se havia demitido em 1965. É na casa do casal Salmeron que Santoro produz Interações Assintóticas, sua última obra orquestral na década, cujo título foi inspirado pelo amigo físico, a quem a obra também é dedicada. Assíntota, na matemática, é uma reta que se aproxima da curva do gráfico de uma função de tal forma que a distância entre ambas tende a zero no infinito. Nesta obra, a única obra sinfônica em que Santoro emprega quartos de tom, a segunda estante de todos os instrumentos – portanto, metade da orquestra – é afinada um quarto de tom abaixo da primeira. O material inicial da obra – um movimento aleatório de flautas e clarinetas, com sonoridades líquidas – explica bem a escolha do título: ao improvisarem livremente sobre um conjunto de notas num âmbito muito reduzido, e com o uso da afinação em quartos de tom, os instrumentos interagem entre si de tal forma que a distância entre os sons é cada vez mais reduzida, mas nunca chega a zero. Esse jogo de microafinações é explorado por todos os naipes da orquestra, sempre em blocos: acordes sustentados dos sopros, improvisações rápidas das cordas em staccato, com uso de técnicas expandidas, clusters em glissando em todos os naipes. O motivo líquido dos sopros atravessa a peça, servindo como elemento unificador e conduzindo as interações de um universo sonoro a outro. A obra foi estreada apenas em 1976, com Santoro à frente da Orchester der Beethovenhalle Bonn.
Em 1970, Santoro presta concurso e é admitido como professor de regência na Heidelberg-Mannheim Staatliche Hochschule für Musik. Depois de duas décadas de insegurança e constantes mudanças de domicílio, Santoro e a família passam quase toda a década na Alemanha, em situação finalmente estável. Nesse período, Santoro dedica-se sobretudo à experimentação e à composição eletroacústica; a volta à música sinfônica coincidirá com o seu retorno ao Brasil, em 1978, quando se abre o último e intenso capítulo da trajetória do compositor.
Gustavo de Sá
Neil Thomson
Neil Thomson estudou regência no Royal College of Music com Norman Del Mar e na escola de verão de Tanglewood com Leonard Bernstein.
Ele é o maestro principal e diretor artístico da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014, levando a orquestra a destaque nacional com sua defesa do repertório brasileiro e contemporâneo. Ele também tem uma carreira internacional movimentada trabalhando com todas as principais orquestras do Reino Unido e com a Orquestra Sinfônica Yomiuri Nippon, Orquestra Filarmônica de Tóquio, Orquestra Sinfônica de Tóquio, Orquestra Nacional Russa, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), WDR Rundfunkorchester, Orquestra Sinfônica de Lahti e a Orquestra Nacional da Romênia, entre outros.
Thomson já se apresentou com muitos solistas renomados, incluindo Dame Felicity Lott, Sir Thomas Allen, Sir James Galway, Nelson Freire, Jean Louis Steuerman e Antonio Meneses.
De 1992 a 2006 foi professor de regência no Royal College of Music, em Londres, sendo a pessoa mais jovem a ocupar esse cargo. Foi nomeado Sócio Honorário da RCM em reconhecimento dos serviços prestados à instituição. www.neilwthomson.com.
Orquestra Filarmônica de Goiás
Desde sua criação em 1980 pelo maestro Braz de Pina Filho, a Orquestra Filarmônica de Goiás tem se empenhado na democratização da música erudita goiana, dando especial destaque à música brasileira em sua programação. Em 2012, a orquestra passou por uma grande reestruturação que deu início ao seu período mais frutífero e criativo e levou à nomeação, em 2014, de Neil Thomson como Maestro Titular e Diretor Artístico. Sob a liderança de Thomson, a orquestra cresceu rapidamente de um conjunto de importância local para um de importância nacional.
Agora amplamente considerada como uma das três melhores orquestras do Brasil, a Orquestra Filarmônica de Goiás é conhecida por seu estilo de tocar enérgico e dinâmico e abordagem inovadora à programação. A orquestra executou as estreias sul-americanas de Des canyons aux étoiles de Messiaen, Rituel in memoriam Bruno Maderna de Boulez e Como una ola de fuerza y luz de Nono. Também está envolvido em um projeto de dez anos para filmar as sinfonias completas de Haydn, 'Haydn no Cerrado'.
Denise de Freitas
A mezzo soprano brasileira Denise de Freitas estudou com Lenice Prioli. Vencedora de diversos prêmios nacionais, entre eles o Prêmio Carlos Gomes em 2004, 2009 e 2011, o Prêmio Bidú Sayão e o IV Concurso da Canção de Arte Brasileira do Centro da Música Brasileira, já se apresentou em prestigiadas casas de shows em todo o Brasil, figurando no título papéis de Carmen e Alma de Santoro, como Dalila em Sansão e Dalila e Adalgisa em Norma, entre muitos outros papéis.
Possui também um extenso repertório sinfônico, tendo interpretado obras como A canção da terra, Scheherazade, O Messias de Handel, El amor brujo de Falla e Canções de amor de Santoro com renomadas orquestras brasileiras.
Já trabalhou com maestros eminentes como Isaac Karabtchevsky, Roberto Tibiriçá, Fábio Mechetti, Rafael Frühbeck de Burgos e Marin Alsop.
Os compromissos internacionais incluem uma apresentação das canções de Villa-Lobos no Festival Internacional de Música Felicja Blumental 2018, repertório que ela apresentou posteriormente em Budapeste, Berlim e Copenhague; várias produções na Ópera de Bogotá; uma versão concerto de Yerma, de Villa-Lobos, em Berlim, Paris e Lisboa; e Stabat Mater de Dvořák sob Helmuth Rilling em locais por toda a Europa.
Marina Martins
A violoncelista brasileira Marina Martins começou a aprender violoncelo aos três anos de idade. Aos oito, ela ganhou sua primeira competição, e aos dezesseis fez sua estreia como solista em Bristol, Inglaterra.
Já conquistou prêmios em diversos países, entre eles o Exilarte Preis 2021 (Áustria) e o Concurso Jovens Solistas seguido da Medalha Eleazar de Carvalho, ambos concedidos pela Osesp, em 2018.
A busca de Martin pelo desenvolvimento musical a levou a morar nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Suíça. Ela foi aluna de Pieter Wispelwey na Robert Schumann Hochschule Düsseldorf por quatro anos, e atualmente estuda com Danjulo Ishizaka na Musik Akademie Basel.
Entusiasta da música de câmara, Martins já se apresentou com artistas renomados como Pieter Schoeman, Wenzel Fuchs e Stefan Mendl, entre outros. Ela também se apresentou com orquestras e maestros renomados na Inglaterra, Suíça, Itália, França, Alemanha, Áustria, Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Martins toca atualmente no violoncelo de Giuseppe Guarneri 'filius Andreae' (c. 1700) emprestado por um colecionador particular, e no violoncelo de Michael Stürzenhofecker, Cully (2009). www.marinamartins.art.
CRÍTICAS INTERNACIONAIS
Hubert Culot
MusicWeb International, Agosto 2023
Na década de 1960, Claudio Santoro passou uma temporada na Europa, inclusive na Inglaterra. A sua visão musical, agora consideravelmente mais ampla, tornou-se em grande parte cosmopolita. As suas viagens colocaram-no em contacto com compositores e instituições musicais europeias. Isso lhe permitiu explorar novos campos musicais. Algumas destas novas aquisições podem ser claramente ouvidas nas obras compostas naquela que pode ser considerada, grosso modo, como a sua década alemã.
Santoro estava em Berlim Oriental quando começou a construção do Muro de Berlim. Foi então que compôs seu substancial Concerto para Violoncelo, uma grande peça em três movimentos pesados. O primeiro movimento – mais da metade de toda a duração – começa com uma introdução longa, sombria e sinistra. Com efeito, a primeira entrada do solista quase passa despercebida, pois o instrumento é primus interpares. Logo, a parte do violoncelo torna-se mais intensa e fortemente expressiva. Ela se desenvolve em uma cadência e então assume claramente seu papel como protagonista importante. O segundo movimento do Lento é bastante sombrio e desolado, mas o terceiro movimento parece restabelecer o equilíbrio. Gustavo de Sá escreve nas notas do livrinho: "O terceiro andamento é o mais caracteristicamente concertante dos três." A música é abertamente tensa e animada, mas nunca expressa claramente triunfo ou alívio de qualquer tipo.
Gustavo de Sá observa, com razão, que o Concerto para Violoncelo pode não ser uma obra programática, mas é impossível dissociar a sua atmosfera carregada dos acontecimentos contemporâneos em Berlim. Acredito firmemente que os compositores muitas vezes reservam os seus pensamentos e sentimentos mais profundos para os seus concertos para violoncelo. Esta não é exceção, uma peça sombria, tensa e fortemente expressiva que deveria ser ouvida com mais frequência. Marina Martins joga lindamente, com empenho e convicção. Este é um trabalho importante sob qualquer aspecto.
A Sinfonia nº 8 foi concluída quando Santoro foi convidado para chefiar o departamento de música da recém-criada Universidade de Brasília. Devido às responsabilidades acadêmicas, compôs relativamente pouco. As exceções são a Sonata nº 4 para violoncelo e piano e esta Sinfonia. Esta obra bastante curta e compacta em três movimentos oferece ambientes fortemente contrastantes. Musicalmente, nota-se que a escrita e a imagem sonora geral da obra tendem para uma espécie de Expressionismo. Isto fica particularmente claro nas explosões ouvidas no primeiro e terceiro movimentos. O Andante central desdobra uma trenódia sombria composta para mezzo-soprano e orquestra sem palavras. Comparada com o fortemente expressivo Concerto para Violoncelo, a Sinfonia soa esparsa e ascética, embora não sem drama.
As diversas obras aqui registradas datam todas da década em que Santoro explorou diversas questões musicais; ele obviamente entrou em contato com tendências novas para ele. É importante notar, entretanto, que nenhum dos trabalhos aqui apresentados é de alguma forma experimental. Ele assimilou uma série de técnicas, como o aleatorismo, e conseguiu algo completamente pessoal. Isto é particularmente perceptível em Três Abstrações para strings e Interações Assintóticas(interações assintóticas) para orquestra. O primeiro é um conjunto de estudos curtos sobre escrita de cordas. O primeiro movimento depende quase inteiramente de timbres orquestrais na forma de estase e agrupamentos de glissando. No segundo movimento, as cordas são reservadas principalmente para intervenções solo dos líderes de seção. O terceiro movimento pode soar um pouco mais convencional, mas a escrita é "notável por seu ritmo instável e acordes violentos e bruscos". Esta peça curta, mas bastante exigente, deve agradar a qualquer conjunto de cordas empreendedor.
O título Interações Assintóticas tem conotações matemáticas, mas a característica importante desta soberba peça musical é a escrita imaginativa e inventiva para orquestra. Cerca de metade da orquestra está afinada um quarto de tom abaixo, e isso tem como objetivo criar algum tipo de assíntota musical. O compositor demonstra o seu domínio da escrita aleatória, evitando qualquer caos formal: tudo ainda é estritamente controlado pela sua vontade. (Podemos comparar isto com a escrita aleatória controlada de Lutosławski.) A música é assegurada e a peça desdobra-se numa poderosa tatuagem de percussão que faz tremer a terra. Não tenho dúvidas: esta é uma das melhores peças aqui, depois do Concerto para Violoncelo e da Sinfonia nº 8.
Este belo lançamento termina com One Minute Play . É uma peça curta e estimulante para cordas, destinada a ser um encore, e tem uma escrita de cordas exigente por sua brevidade. Realmente toca por pouco mais de um minuto.
Este terceiro lançamento do ciclo Santoro de Naxos é realmente muito bem-vindo. É preciso destacar o magnífico Concerto para Violoncelo, a dramática, embora um tanto discreta, Oitava Sinfonia (com uma voz sem palavras lindamente cantada por Denise de Freitas), e Interações Assintóticas , especialmente em leituras tão comprometidas. Estas peças poderosas e fortemente articuladas contribuem consideravelmente para a avaliação do progresso musical de Santoro.
Lynn René Bayley
The Art Music Lounge, Julho 2023
Dando seguimento ao brilhante disco de música de José de Almeida Prado, a série "Música do Brasil" de Naxos apresenta-nos aqui uma música igualmente fascinante, num estilo diferente, do compositor Carlos Santoro (1919-1989). Assim, enquanto as orquestras americanas perdem o seu tempo a tocar a música convencional e sem características de compositores como Jessie Montgomery e Carlos Simon, podemos pelo menos ouvir alguma música moderna de verdadeira substância nas gravações. Seja grato por pequenos favores.
Pode-se ouvir imediatamente a engenhosidade de Santoro desde a abertura de seu Concerto para Violoncelo: figuras de cordas em pizzicato, seguidas de notas sustentadas nos violinos enquanto os baixos tocam um pequeno motivo que mais tarde evolui para o tema. Sim, a música de Santoro é tonal, como a de Montgomery, mas é muito mais interessante porque ele sabia espaçar as coisas, quebrá-las em pequenos pedaços e depois costurá-las. Na verdade, grande parte desta seção de abertura apresenta a seção de violino e um solo de clarinete tocado no registro mais grave do instrumento, criando uma sensação de mistério e tensão. A sensação que se tem é a de um curioso passeio pela mente do compositor, captando os vários fios da partitura à medida que ele os criava, portanto, apesar de ser relativamente melódica, não é uma música "fácil", mas sim, desafia o ouvinte a continuar seguindo sua linha de pensamento. O violoncelo solo, na verdade, não entra em cena antes das 5:45 do primeiro movimento, e aqui também Santoro serpenteia um pouco, relutante em dar ao ouvinte uma "melodia" "fácil" e atraente para seguir. A harmonia na música do violoncelo é bastante modal, fazendo com que soe menos solidamente fundamentado na tonalidade, mas ainda relacionado a ela. Mesmo quando a parte do violoncelo se torna mais rápida e complexa na segunda metade do movimento, ainda há uma sensação de que falta base à música, forçando o ouvinte a acompanhar de perto o seu progresso, em vez de apenas "sentar e relaxar". A harmonia na música do violoncelo é bastante modal, fazendo com que soe menos solidamente fundamentado na tonalidade, mas ainda relacionado a ela. Mesmo quando a parte do violoncelo se torna mais rápida e complexa na segunda metade do movimento, ainda há uma sensação de que falta base à música, forçando o ouvinte a acompanhar de perto o seu progresso, em vez de apenas "sentar e relaxar". A harmonia na música do violoncelo é bastante modal, fazendo com que soe menos solidamente fundamentado na tonalidade, mas ainda relacionado a ela. Mesmo quando a parte do violoncelo se torna mais rápida e complexa na segunda metade do movimento, ainda há uma sensação de que falta base à música, forçando o ouvinte a acompanhar de perto o seu progresso, em vez de apenas "sentar e relaxar".
E estranhamente, o segundo movimento é ainda mais lento que o primeiro, um "Largo" que desafia as expectativas. Aqui, a qualidade difusa e um tanto episódica do primeiro movimento é ainda mais pronunciada, quase como se Santoro estivesse "desconstruindo" suas ideias musicais – ainda que o movimento seja excepcionalmente curto, com menos de cinco minutos de duração. Quando avançamos para o movimento final rápido, ainda não há muita coesão temática, mas neste ritmo rápido a execução ruminante do violoncelo solo é definida por figuras curtas e rápidas tocadas, não muito alto, mas vários membros do as seções de vento e cordas. Isto cria uma leve sensação de caos; a sensação um tanto desconfortável dos dois primeiros movimentos é aqui colocada em maior relevo. O violoncelo parece determinado a escapar do seu estreito "beco" sonoro, tocando figuras de arco rápido,
Depois deste concerto um tanto massivo (31:37) de 1961, ouvimos a concisa Sinfonia nº 8 (14:56) de Santoro de 1963. O método de escrita é praticamente o mesmo, trabalhando em motivos curtos soldados entre si ou simplesmente justapostos, mas aqui sua linguagem harmônica é muito mais densa, trabalhando em um idioma atonal (mas não serial) no qual não há acordes fundamentais. Isso faz com que toda a sinfonia soe "suspensa", por assim dizer, suspendendo no ar seus acordes "inacabados". Somente quando se ouve uma passagem breve e lenta tocada pelos baixos é que se tem alguma sensação de resolução harmônica. E o segundo movimento é ainda mais estranho, usando um vocal sem palavras de uma mezzo-soprano como principal "instrumento". Aqui Santoro fornece uma linha melódica para o cantor, mas novamente confunde o ouvinte com o uso de acordes "não aterrados". Embora este segundo movimento seja apenas 12 segundos mais longo que o primeiro (5:37), ele soa mais longo devido à maior continuidade proporcionada pelas notas longas e arqueadas da linha vocal. No breve terceiro movimento (3:38), Santoro finalmente usa um ritmo constante de ostinato, mas quebra os padrões métricos à medida que avança e subverte as expectativas com uma maior ruptura dos temas já curtos.
Santoro percorre as ainda mais abstratas (e atonais) Três Abstrações que são a coisa mais próxima que já ouvi da música de Anton Webern que não foi escrita por ele. Esta pequena suíte e as obras seguintes, compostas em 1969 e 1966-67 ( One Minute Play ), mostram claramente Santoro caminhando para um estilo de escrita ainda mais moderno - e fragmentado, que como mencionei já estava presente de forma embrionária no Concerto para violoncelo.
Na verdade, é difícil para mim sequer pensar em outro compositor desta época ou posterior que tenha sido capaz de fundir com tanto sucesso a construção abstrata com a forma musical. Mesmo em sua forma mais moderna, Ginastera sempre teve o cuidado de usar pelo menos formas musicais reconhecíveis em sua música, mas Santoro soava "moderno" mesmo em suas peças mais tonais, como o Concerto para Violoncelo, porque ele já estava pensando em termos de frases curtas entrelaçadas, às vezes suavemente, mas muitas vezes inquieto. Ele esperava claramente que o seu público se aproximasse dele, para que não caísse em formas ou padrões reconhecíveis, e neste aspecto a sua música ainda está muito acima da maior parte da "música contemporânea" que ouço hoje em dia, o que parece faça o possível para manter o ouvinte "focado" em ritmos e padrões musicais reconhecíveis, embora assimétricos. Se tudo isso parece um pouco confuso para o ouvinte, garanto que você entenderá do que estou falando ao ouvir essa música. A única compositora "contemporânea" que se aproxima disso é Nancy Van de Vate nas suas peças mais aventureiras e atonais. Talvez a chegada da "era espacial" tenha sido uma inspiração para ele, mas em qualquer caso ele encontrou claramente a sua própria maneira de fazer as coisas que funcionavam para ele e ainda assim não tinha absolutamente nenhuma ligação com a sua música "nativa", seja ritmicamente ou tematicamente. Um disco absolutamente fascinante e único.
Dean Frey
Music for Several Instruments, Julho 2023
Como um dos principais compositores brasileiros de meados e finais do século XX, Claudio Santoro manteve-se por dentro das últimas tendências musicais, mas sempre atento à tradição criada em parte por Heitor Villa-Lobos, seu antepassado bachiano, brasileiro. Mais de 30 anos mais novo que Villa-Lobos, Santoro passou uma temporada em Paris, estudando com Nadia Boulanger, de modo que o modernismo de Villa foi absorvido na origem. Embora Santoro tenha se aventurado na atonalidade, por influência de outro professor, Hans Joachim Koellreutter (que também ensinou Antônio Carlos Jobim), existem tantas semelhanças entre os dois compositores quanto diferenças. A divisão entre os "Nacionalistas" e os "Serialistas" que surgiu quando Koellreutter fundou a Musica Viva é, neste caso, bastante permeável.
Isto é especialmente evidente no Concerto para Violoncelo , que Santoro escreveu em 1961 (dois anos após a morte de Villa). O violoncelo era o instrumento de Villa-Lobos, junto com o violão e o piano, e ele escreveu vários grandes concertos para violoncelo e outras obras com o instrumento, que tenho certeza que Cláudio Santoro conhecia bem. A violoncelista Marina Martins interpreta a obra com vivacidade nesta nova gravação da prestigiada série Música do Brasil de Naxos , com competente apoio da Orquestra Filarmônica de Goiás. Embora tenha sido escrito em Berlim durante uma crise geopolítica histórica e em meio a mudanças musicais revolucionárias, o Concerto para Violoncelo mostra pelo menos alguns toques remanescentes da Brasilidade, se não o som nacional (e naquele ponto conservador) do falecido Villa-Lobos.
Sinfonia de Santoro nº. 8 é do ano seguinte, 1962, quando Santoro estava de volta ao Brasil, lecionando na Universidade de Brasília. As sinfonias são mais importantes em sua obra do que na de Villa, e esta obra deixa sua marca por sua intensidade e profundidade de sentimento. Uma vocalização no segundo movimento , Andante - lindamente cantada aqui pela mezzo-soprano Denise de Freitas - remete à obra mais famosa de Villa-Lobos. É apoiado por murmúrios sombrios e ejaculações da orquestra, e finalizado pelo primeiro movimento igualmente expressionista e um final dramático e ritmicamente propulsivo.
Em 1966 Santoro estava de volta a Berlim, onde escreveu as Três Abstrações para orquestra de cordas. São maravilhosas peças curtas de personagens - de dois ou três minutos cada - que fazem uso de uma técnica serial para criar climas alternados de mistério, pavor e, na peça final, talvez alguma esperança de transcendência. Em 1969 Santoro, que não estava nos bons livros da ditadura militar no Brasil, estava trabalhando em Paris, onde escreveu seu Interações Assintóticas (Interações Assintóticas- termo retirado da pesquisa matemática atual de um colega físico de Santoro). Este é um trabalho muito legal de dez minutos que faz uso de quartos de tom, lindamente coloridos pelo uso inteligente que Santoro faz de cada instrumento em uma grande orquestra. Olivier Messiaen disse uma vez que Heitor Villa-Lobos foi o maior orquestrador do século XX, e Claudio Santoro dá continuidade a essa tradição. Esta é uma peça muito divertida e que apresenta uma orquestra virtuosa da Filarmônica de Goiás, sob a direção de Neil Thomson.
À guisa de bis, o disco termina com One Minute Play , obra de 1966. É uma máquina de cordas minúscula, inteligente e de movimento perpétuo, e deve ser muito divertido de tocar. Que final maravilhoso para um disco desafiador, mas sempre interessante.
Stephen Page
Lark Reviews, Julho 2023
Eu não conhecia nada da música de Santoro até começar a ouvir esses lançamentos da série Naxos Music of Brazil. Recentemente foram lançadas várias das suas Sinfonias e outras obras e aqui a nº 8, de 1963, é colocada ao lado do Concerto para Violoncelo um pouco anterior e de três outras obras da mesma década. Mais uma produção informativa e divertida.
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