Recital A música da Independência, concebido por Rosana Lanzelotte, revela pequenos tesouros de nossa história musical; estreia moderna de missa a cappella composta por d. Pedro foi um dos pontos altos da apresentação
É uma beleza o delicado e singelo programa A música da Independência, concebido e apresentado pela tecladista Rosana Lanzelotte no auditório do novo Museu do Ipiranga, em São Paulo. Aproveitando a efeméride do bicentenário, Rosana voltou-se a pesquisas e revela agora a criação musical de nosso Imperador d. Pedro I.
Que d. Pedro era instrumentista, cantor e compositor é sabido – é de sua autoria o Hino da Independência do Brasil. Mas Rosana, por meio do Musica Brasilis que dirige, reuniu e editou outras obras do depois imperador, algumas delas registradas no CD D. Pedro I, lançado há pouco pelo selo Naxos na coleção Música do Brasil.
Mas o recital apresentado na tarde do sábado, dia 26 de novembro, celebrou não apenas a obra de d. Pedro I, mas a música criada no Brasil daquele período. E para isso, Rosana Lanzelotte ao pianoforte reuniu os excelentes músicos Ricardo Kanji, na flauta, Guilherme de Camargo, nas guitarras, e a soprano Marília Vargas.
O concerto iniciou-se com quatro obras do Padre José Maurício (1767-1830), o maior músico brasileiro daquele período: Laudamus Te da Missa N. Sra. da Conceição, de 1810, em que a linda voz escura de Marília Vargas foi acompanhada com esmero pelo trio de músicos; a Lição nº 5 de 1821, para flauta e o pianoforte, que evidencia fortes semelhanças com o Barbeiro de Sevilha de Rossini (Ricardo Kanji comentou que isso seria mais uma prova de como os músicos da corte estavam bem informados sobre o que se passava no Europa, uma vez que a obra de Rossini foi escrita apenas 3 anos antes); e duas lindas modinhas – Marília, se não me amas não me digas a verdade e Beijo a mão que me condena.
Seguiu-se o Lundum de autor anônimo, anotado pelos exploradores naturalistas Spix e Martius entre 1817 e 1820. Guilherme de Camargo explicou que o lundu era a música da rua daquela época, a gênese da música popular brasileira, e tocou a peça na guitarra que conhecemos como viola caipira (nesse caso, de 12 cordas) junto com Ricardo Kanji que tocou um pífano.
Marcos Portugal (1762-1830), um dos mestres de D. Pedro de quando ele ainda residia em Lisboa, chegou ao Brasil em 1811 e aqui ficou até a sua morte, em 1830. Artista extraordinário, Portugal exerceu forte influência na vida musical brasileira de então. Dele ouvimos inicialmente a peça Você trata amor em brinco e em seguido duas lindas cantigas do cancioneiro das Marílias, sobre poemas do inconfidente Tomás Antonio Gonzaga: Se o vasto mar se encapeta e Os mares minha bela (a fluência musical e inspiração melódica das canções são prova de que esse repertório não tem apenas valor de um mero registro histórico...).
Outro autor incontornável do período é o austríaco Sigismund Neukomm (1778-1858), que residiu no Rio de Janeiro entre os anos de 1816 e 1821. Conforme contou Rosana, Neukomm também foi professor de D. Pedro e em seu catálogo há a menção de valsas, que teriam sido escritas pelo príncipe em 1816, mas que estão perdidas. Ricardo Kanji e Rosana Lanzelotte tocaram a sua Sonata para flauta e pianoforte composta no Rio de Janeiro em 1819. Bem, na verdade a versão original não é para flauta, como lembrou Ricardo, mas sim para violino – emendando, aos risos, que na flauta fica muito mais bonita!
As últimas obras do programa foram de autoria D. Pedro I, e a primeira delas, pela beleza e ineditismo, foi um dos pontos altos de toda apresentação: a breve Missa ed Adjuva nos Domine, escrita para quarteto vocal a cappella, cujo manuscrito foi recém-descoberto na ilha de Açores, de Portugal. O que ouvimos foi muito provavelmente a estreia moderna da composição. E foi excelente – e emocionante! – a execução dessa polifonia feita pelo quarteto vocal formado por Marília Vargas, pela mezzo soprano Ivy Szot, pelo tenor Marco Antonio Cassiano e pelo barítono Cláudio Marques.
O programa encerrou-se com a Marcha Imperial, seguido pelo Hino Constitucional (de 1821, e que foi adotado como hino nacional português entre os anos de 1834 até a proclamação da República em 1910) e, finalmente, pelo Hino da Independência, de 1822.
No nosso Hino da Independência, convidado pelos músicos no palco, o público também participou. Eu, aproveitando o clima, cantei alto: “Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil; Brava gente brasileira, longe vá, temor servil; Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil!”
O programa A música da Independência terá ainda apresentações nesse domingo, dia 27, e no próximo fim de semana, dias 3 e 4 de dezembro, às 16h. Veja mais detalhes no Roteiro Musical.
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