Camerata de cordas, que tem direção artística do pianista Pablo Rossi, reúne excelentes instrumentistas
Técnica afiada, coesão sonora, articulações e dinâmicas cuidadas e equilíbrio entre os naipes marcaram a apresentação da Orquestra Filarmônica Catarinense, a Ofic, no Auditório Ruy Barbosa, do Mackenzie. A apresentação aconteceu no sábado, dia 13 de julho, dentro da programação do 54º Festival de Inverno de Campos do Jordão. Sediada na cidade de Florianópolis, a Ofic tem direção artística do pianista catarinense Pablo Rossi.
O grupo é formado por 14 instrumentistas. Durante o concerto, que teve peças também para a formação de quarteto e de quinteto, os músicos se alternaram nas posições – ao longo do programa foram quatro músicos diferentes ocupando a cadeira do spalla –, evidenciando que ali todos eram excelentes. E o resultado musical e sonoro comprovou: o concerto foi muito bom e a Ofic tem potencial para desenvolver um trabalho de grande projeção artística.
A Orquestra Filarmônica Catarinense foi criada no início deste ano, como uma camerata de cordas. Conforme noticiado na época pela Revista CONCERTO, o grupo “buscará desenvolver novas linguagens, formatos e dinâmicas de performance, dentro de uma visão socioeducativa e cultural ‘em que predominam a integração da música com ações de educação, socialização, inclusão e democratização do acesso geral à cultura’. Por meio da elaboração de programas temáticos, a Ofic quer promover também a conscientização das plateias sobre a questão climática, sensibilizando-as quanto à relação humana com o meio ambiente”.
O repertório variado também demonstrou a versatilidade do conjunto. O programa teve obras de Paul Hindemith (Cinco peças breves para orquestra de cordas e o quarteto de cordas Navio fantasma – uma inspirada homenagem à Richard Wagner), Hugo Wolff (Serenata italiana), Max Reger (Andante lírico) e Daphne Tayo (Fantasia carnavalesca). O concerto teve também duas obras brasileiras: Ignis II, de Elodie Bouny, e Abaporu, de João Guilherme Ripper.
Elodie Bouny, de 42 anos, é uma violonista e compositora francesa, mas que residiu muitos anos no Brasil – ela fez o seu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ignis II, uma encomenda da Ofic, foi recentemente estreada em concertos em Santa Catarina e teve aqui a sua terceira apresentação. A obra é escrita para orquestra de cordas e piccolo (flautim) e tem como tema a destruição da Amazônia pelas queimadas. É uma peça curta, de cerca de 5 minutos, que se inicia com um tema ritmado e anguloso no piccolo, qual um canto de pássaro, que é desenvolvido motivicamente em conjunto com a orquestra. Em algum momento, o piccolo silencia e, em notas longas, espraia-se um clima de certa melancolia...
João Guilherme Ripper (1959) é um compositor consagrado. (Aliás, enquanto ouvíamos a estreia de Abaporu no Mackenzie, acontecia, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, a primeira audição mundial de sua nova ópera, Devoção). Abaporu é uma peça para orquestra de câmara e piano solista e, como Pablo Rossi contou no concerto, foi escrita por Ripper tendo em vista o pequeno repertório brasileiro para esta formação. Abaporu é o título da famosa obra-prima de Tarsila do Amaral, ícone do modernismo no Brasil.
O piano é o centro da composição, em torno dele que se desenvolve toda a obra, seja em diálogos com a orquestra, seja tendo a orquestra como suporte. O estilo é eclético, em tonalidade expandida, que inclui acordes dissonantes, passagens pianísticas de caráter neorromântico e, ao final, após uma cadência de feição quase popular, uma sequência rítmica modernista.
A última obra de programa foi o Concerto para piano em ré maior, Hob. XVIII:11, composto por Joseph Haydn em inícios dos anos 1780. A peça é mais conhecida em sua versão com dois oboés e duas trompas, mas no Mackenzie foi interpretada apenas pela orquestra de cordas. E foi uma interpretação muito boa, com caráter e consciência de estilo. Pablo Rossi apresentou uma leitura límpida e virtuosística, sóbria, mas cheia das sutilezas e elegâncias do Classicismo. Com uma acentuada articulação das notas e uso econômico do pedal, o instrumento por vezes soou mesmo como um fortepiano do século XVIII. Coisa rara!
A Ofic é uma iniciativa da sociedade civil e capta recursos por meio das leis de incentivo do governo do estado de Santa Catarina e da Lei Rouanet. Seus patrocinadores são as empresas Agricopel, Celesc, Ciser, Havan, Grupo Novo Brasil e Imperatriz, Ciser, Diamante, Engie, Multilog e Portobello, com apoio da Fundação Galeto’s e Instituto Pedra Branca.
Em nosso país tão carente de grupos de câmara institucionalizados e de atividade regular, a Ofic é uma gratíssima surpresa. Vida longa à Orquestra Filarmônica Catarinense!
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