Um concerto memorável para celebrar os 25 anos da Sala São Paulo

por João Luiz Sampaio 15/07/2024

A escolha da Sinfonia nº 2 – Ressurreição de Gustav Mahler para inaugurar, no dia 9 de julho de 1999, a Sala São Paulo pareceu lógica. A construção de uma casa para a Osesp era um ponto central do processo de renascimento de uma orquestra que, anos antes, não apenas não tinha uma sede como oferecia condições pouco profissionais de trabalho a seus músicos. 

Para essa geração de artistas, a construção da sala foi a realização de um sonho que o mundo real fazia parecer impossível. Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, falou sobre isso na abertura do concerto que celebrou, no último dia 9, o aniversário de 25 anos da sala. E há também as gerações posteriores, para as quais a sala sempre esteve ali. E para as quais o espaço tem sido decisivo em sua formação, como artistas e como público.

Desse processo, a música de Mahler tem sido protagonista, e não é exagero dizer que está no DNA da Osesp. Ainda durante a gestão do maestro Eleazar de Carvalho, o grupo fez, em 1980, a primeira integral brasileira das sinfonias do compositor, além da Canção da Terra. John Neschling chegou perto, mas não teve tempo de completar o ciclo, como pretendia, mas sempre deixou claro que entendia as sinfonias como um dos eixos da reconstrução da sonoridade da orquestra. Depois da vírgula que foi a gestão de Yan Pascal Tortelier, Marin Alsop regeu todas as sinfonias em seu período como diretora musical. 

Thierry Fischer já fez a terceira, a primeira, uma seleção do ciclo Des Knaben Wunderhorn e, no dia 9, acrescentou à lista a Ressurreição, escolhida para celebrar os 25 anos da Sala. E o fez em um concerto memorável, pela leitura oferecida e pelo desempenho dos músicos da orquestra e do coro.

Sua escolha de andamentos pareceu lenta de cara – mas a visão foi aos poucos tornando-se clara, próxima daquilo que Mahler anota,  “com completa gravidade e solenidade de expressão”. Os contrastes soaram orgânicos dentro da estrutura do primeiro movimento – e também no modo como ele nos leva para o segundo movimento, um ländler feito com tranquilidade, delicadeza, sem exageros artificiais. E o mesmo vale para o terceiro movimento, em que a lembrança da música do Sermão de Santo Antônio de Pádua aos Peixes não soou estridente ou descompromissada: pelo contrário, a ironia foi ali elegante, precisa, fina. 

A mezzo soprano Luisa Francesconi ofereceu uma leitura comovente do Urlicht. O texto fala, de modo quase inocente (com simplicidade, para usarmos o termo empregado por Mahler), da esperança representada pelos céus. O modo como ela trabalhou as cores da voz, recorrendo às ricas nuances de seu timbre escuro, no entanto, parecia nos falar menos de salvação e mais "da terrível necessidade, da terrível dor" que a antecede. E o acompanhamento oferecido pela Osesp foi de enorme sofisticação dramática. Assim como o grito de desespero que se seguiu, na abertura do quinto e mais longo movimento.

Aqui, o cuidado na construção do arco proposto por Mahler, sem pressa, respirando cada espaço de música e silêncio, se manteve. Foi comovente ouvir o refinamento quase camerístico do coro em sua primeira entrada, assim como a intensidade que substituiu a força em outros momentos. Coro da Osesp, Coro Acadêmico da Osesp e Coral Paulistano, preparados por Luiz de Godoy, Marcos Thadeu e Maíra Ferreira, deram atenção a cada palavra – como o fez também a soprano Camila Provenzale em suas intervenções.

A Osesp ressuscitou no final dos anos 1990 e, desde então, um dos marcos do projeto tem sido o fato de que a morte deixou de ser uma ameaça. Ao contrário do que estamos acostumados a ver acontecer com outros projetos culturais, sempre em busca de um possível recomeço, a Osesp alcançou uma solidez institucional que foi tão importante para o meio musical brasileiro quanto suas realizações musicais (Nelson Kunze já escreveu com clareza e detalhes sobre isso).

Mas, nos diz Mahler ao final de sua sinfonia, é preciso morrer para poder viver. São palavras que podem servir aqui como metáfora da necessidade de evitar certezas e de aceitar riscos na construção de uma identidade artística. Não é algo que a Osesp goste sempre de fazer. Mas a Ressurreição que celebrou os 25 anos da Sala São Paulo é um lembrete do que o grupo é capaz.

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Osesp, coro e solistas recebem aplausos ao fim da apresentação [Divulgação]
Osesp, coro e solistas recebem aplausos ao fim da apresentação [Divulgação]

 

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