No domingo, dia 13 de agosto, houve um acontecimento musical e musicológico de importância na catedral da cidade de Campinas. Pela primeira vez, desde sua estreia, foi interpretada na sua íntegra a Missa de São Sebastião, de Antonio Carlos Gomes.
A obra remonta a 1854. Carlos Gomes era um menino de 18 anos que vivia em Campinas, bem antes de sua fuga para o Rio de Janeiro. A obra impressiona pelo vigor, pela vibração inspirada, que não esmorece. Impressiona também porque revela um jovem perfeitamente atualizado no que concerne a produção musical recente.
Ele claramente conhecia a revolução que Verdi havia impresso na música italiana durante a década de 1840, e que atingira seu apogeu em torno de 1850: efeitos fulminantes de contrastes, concisão, força dramática. Por trás da música de Gomes ouve-se a rítmica enérgica e pulsante, muito marcada, que Verdi inseriu em algumas passagens corais de Nabucco, mas também referências a Ernani, e soluções encontradas em Il trovatore: lembro que esta última ópera estreou em 1853, e que a Missa, de Gomes, é de 1854. Há também, de vez em quando, um ouvido atento às novidades francesas (por exemplo, a valsa “de carroussel” no Sanctus e no Agnus Dei).
Mas que não se pense tratar de música composta por um epígono sem originalidade: ao contrário, os achados musicais pululam e são de uma eficácia impressionante, atingindo um autêntico sentimento do patético: basta o Crucifixus, com o emprego tão expressivo da percussão, veemente, subjugando o auditório, para se perceber como borbulhava o talento dentro de Carlos Gomes.
Desde a era barroca, era uma prática comum que a música teatral também fosse adaptada para o ambiente religioso. Basta lembrar das missas de Mozart, Rossini e, mais adiante, de Gounod, bem como do auge de teatralidade mística presente no Requiem de Verdi. O misticismo de Carlos Gomes também se elevava pelos meios passionais da ópera.
As exigências da composição também são notáveis: Campinas, em 1854, certamente possuía intérpretes de qualidade para fazer jus a uma composição que exige coro, orquestra sinfônica de porte expressivo, incluindo flauta, oboé, clarinetas, trompete, trompas, trombone, cordas, percussão, e quatro solistas cujas partes não foram concebidas para amadores. Isso indica uma atividade musical de importância, e o aggiornamento do jovem compositor em relação ao que se fazia de mais recente na Europa torna-se, assim, menos surpreendente.
A interpretação foi admirável. O maestro Guilherme Mannis regeu uma Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas em plena forma, respondendo ao seu rigor enérgico com precisão; o excelente Coral Collegium Vocale cumpriu admiravelmente a sua parte; e os solistas foram excepcionais: Joyce Martins (Soprano – particularmente solicitada), Nathália Serrano (Contralto), Clóvis Português (Tenor), Saulo Javan (Baixo). A música de Carlos Gomes pôde, assim, mostrar-se na sua força inventiva, arrebatando um público completamente tomado por aquela beleza intensa.
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Comentários
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Excelente iniciativa da…
Excelente iniciativa da Orquestra Sinfônica de Campinas e do maestro Guilherme Mannis de reviverem esta obra prima de Carlos Gomes.
A edição da obra, cuidadosamente revisada pelo maestro, estará em breve disponível no portal Musica Brasilis