Ópera ‘Ariadne em Naxos’ tem encenação equilibrada 

por Nelson Rubens Kunze 28/11/2022

Com bom elenco, título encerra temporada lírica do Theatro São Pedro

Ariadne em Naxos é uma ópera singular, sem paralelos na criação de Richard Strauss. Antes de sua composição – que se estendeu de uma primeira versão em 1912 até a partitura final de 1916 –, Strauss já havia escrito grandes títulos, como Salomé, Elektra e O cavaleiro da rosa. O projeto era o de criar uma ópera, que seria apresentada após uma peça de Molière, para contrapor aos personagens da commedia dell’arte a ópera séria, misturando simultaneamente diversas épocas históricas – a antiguidade do mito de Ariadne, o tempo de Molière o tempo atual (então início do século XX).

Não satisfeitos com a primeira versão – que resultou longa e desconjuntada –, o libretista Hugo von Hofmannsthal e Strauss resolveram substituir a peça de Molière por um prólogo musical, criando um espetáculo de duas partes: o prólogo e a ópera propriamente dita. Assim, temos uma ópera que fala de uma ópera, em que o prólogo são os preparativos nos bastidores da ópera que seguirá na segunda parte.

A música é de grande inspiração. A instrumentação – Strauss se utiliza de uma pequena orquestra – realça solos instrumentais com importante participação do piano. E cada uma das partes do espetáculo tem linguagem própria: o prólogo, com recitativos e diálogos em uma narrativa musical contínua (ainda que muito costurada); e a ópera, que se aproxima mais de uma estrutura tradicional, com uma abertura, árias e cenas de conjunto.

É bonita e muito adequada a encenação proposta pelo diretor cênico Pablo Maritano, que está em cartaz no Theatro São Pedro. Iluminado, o espaço cênico do prólogo – com lustres de bolas brancas pendentes e grandes janelas laterais cobertas por cortinas translúcidas – representa a moderna sala da mansão do magnata vienense. (O magnata encomendou uma ópera e agora decidiu, para desespero do inconformado compositor, fechar o espetáculo com uma comédia à moda italiana! Como não há muito tempo – a apresentação tem de terminar pontualmente às 21 horas, que é quando se iniciará a queima de fogos – nova mudança: a ópera e a comédia devem ser apresentadas juntas.)

As portas laterais e uma grande passagem central no fundo possibilitam a movimentação dos atores, o que confere boa fluência ao espetáculo. Figurinos são ricos, coloridos e caprichados (cenografia e figurinos de Desireé Bastos, iluminação de Aline Santine e visagismo de Tiça Camargo).

Na segunda parte, na ópera propriamente dita, estamos na parte externa da casa, de frente à piscina com a maquete da ilha de Naxos, em que Ariadne ficou abandonada por Teseu (a trupe de comediantes não consegue animar a desolada Ariadne, até que ela é resgatada à vida pelo amor de Baco).

Maritano, que desloca a ação aos dias de hoje, acerta também na dose de comicidade e introduz elementos bem-humorados da cultura pop. O compositor, originalmente um papel travestido escrito para voz feminina, na versão de Maritano é uma compositora, gerando uma nova dimensão interpretativa.

Na récita do dia 25 de novembro, a soprano Eiko Senda, como Ariadne, foi o destaque vocal, encabeçando um elenco no todo bem satisfatório. Com bonito timbre e voz equilibrada em todas as regiões – além da melhor pronúncia do alemão –, Eiko atuou com muita propriedade. Também Luisa Francesconi como compositora se destacou, exibindo uma voz potente e bonita e com cuidado nos vibratos e dinâmicas. 

Coube a soprano Carla Domingues o exigente papel de Zerbinetta, e ela se saiu bem. Com uma técnica incomum, realizou coloraturas homogêneas e afinadas e dominou com segurança a sua grande ária na ópera. No conjunto com os outros cantores, porém, faltou-lhe um pouco de volume, especialmente na região aguda.

Foi bem também o Baco feito pelo tenor Eric Herrero, de voz clara e bem projetada. E vale mencionar ainda a boa atuação do mordomo feito por Luiz Päetow, com sua afetação cínica e arrogante muito apropriada. (Segundo Lauro Machado Coelho, em seu livro “As óperas de Richard Strauss”, o mordomo “é um dos grandes achados de Strauss, pois frisa o distanciamento, o desprezo e o desinteresse da personagem pelo complicado mundo dos artistas e de suas preocupações descabidas com uma questão tão irrisória quanto misturar gêneros em um espetáculo teatral”.)

Na ópera, foi bem equilibrado o conjunto das três ninfas (Fernanda Nagashima, Tati Reis e Cinthia Cunha), assim como dos quatro companheiros bufos de Zerbinetta (Gilberto Chavez, Marcelo Ferreira, Giovanni Tristacci e Igor Vieira). Comum a todo o elenco – tanto no prólogo como na ópera – foi a ótima atuação cênica, com pleno domínio do palco.

Também a execução musical da Orquestra Sinfônica do Theatro São Pedro foi correta, conduzida pelo maestro alemão Felix Krieger. No geral a orquestra soou bem e o maestro logrou um bom equilíbrio dinâmico com as vozes do palco. Contudo, em algumas passagens, especialmente no prólogo, faltou certa verve e vigor típicos da linguagem romântica straussiana. 

Ariadne auf Naxos encerrou o bom ano lírico do Theatro São Pedro, que teve ainda a dobradinha La serva padrona e Livietta e Tracollo, de Pergolesi, Os Capuletos e os Montéquios, de Bellini, Viva la mamma, de Donizetti, West Side Story, de Bernstein, a dobradinha O canto do cisne, de Leonardo Martinelli, e Palestra sobre pássaros aquáticos, de Dominick Argento, a Ópera dos três vinténs, de Kurt Weill e El barberillo de lavapiés, de Francisco Asenjo Barbieri.

 [A ópera ‘Ariadne em Naxos’ segue em cartaz até o próximo domingo; clique aqui para ver mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO]

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Elenco de Ariadne em Naxos, produção do Theatro São Pedro (divulgação, Heloísa Bortz)
Elenco de ‘Ariadne em Naxos’, produção do Theatro São Pedro (divulgação, Heloísa Bortz)

 

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