Trio Fukuda abre com brilho série de recitais da Sala Watari

por Jorge Coli 26/02/2024

A Sala Watari, em Barão Geraldo, Campinas, iniciou sua temporada no sábado passado, dia 24 de fevereiro. Foi uma abertura mais que promissora, em que atuou o Trio Fukuda. Esse conjunto, criado em 2019, atingiu uma qualidade musical verdadeiramente muito alta.

Elisa Fukuda é uma professora de qualidade excepcional: lembro que, entre outros alunos com grandes e belas carreiras, ela formou Guido Sant’Anna, o novíssimo gênio internacional do violino brasileiro, que encerrará a temporada da Sala Watari em dezembro, na companhia do pianista maior Cristian Budu. 

Mas Elisa Fukuda é também uma excelente instrumentista. Seu violino possui o perfeito sentido das estruturas, articulações, fraseados das diferentes obras, além da fusão equilibrada, perfeitamente intuída, com os outros membros do conjunto.

Mishiko Tashiro Licciardi faz seu piano emitir sons que emergem, luminosos, entre as cordas, e que fluem tão expressivamente. Moisés Ferreira, o violoncelista, imprime uma evidente energia em suas frases de sonoridades tão belas. Uma das grandes qualidades do Trio Fukuda é que a personalidade musical de cada um dos músicos é respeitada, ao mesmo tempo que obtém uma admirável cumplicidade.

Para o programa, o Trio Fukuda escolheu três compositores vindos da Europa Central. 

Começou com o Trio nº 39, “Cigano”, em sol maior, de Haydn, com o o conhecido Finale: Rondò all'Ongarese: Haydn incorporou nele temas ciganos e húngaros. O primeiro movimento, Andante, correu com naturalidade e leveza; o segundo, Poco Adagio criou uma atmosfera de elegância meditativa, tão século XVIII, não se entregando nunca ao sentimentalismo; o rondó, tomado em andamento justo, transmitiu a amável elegância características daquela época, requintada entre todas.

A incorporação de temas e ritmos populares era moda nos tempos de Haydn, inspirados por Rousseau, e transfigurados pelo prazer que tinha a audiência aristocrática em imaginar-se próxima do povo sem perder a elegância cortesã.

Em seguida, o Trio de Smetana, o único que compôs, criou um forte contraste. Obra monumental, marcada por sentimentos e pulsões expressivas, ela poderia ser chamada de “à memória de um anjo”, como o concerto para violino de Alban Berg. A partitura vincula-se a um episódio doloroso da vida de Smetana, a perda de sua filhinha Bedriska, que tinha então quatro anos de idade. Esse trio carrega em si várias expressões de dilaceramentos sofridos que parecem não encontrar repouso.

O arranque inicial do violino foi como uma punhalada, desencadeando a turbulência interior que a obra transmite. Ela exige muito dos intérpretes, tecnicamente, mas ainda na busca de um tom justo para manifestar os sentimentos. Foi mais do que uma interpretação ideal, porque esta palavra pressupõe algo de olímpico e de calmo. Foi uma intepretação humana, contagiante, intensa, que causou uma verdadeira comunhão entre os ouvintes e os desígnios da música. O último movimento, que tem alguma coisa de um agoniado moto perpetuo, incorporando uma breve e inspirada marcha fúnebre, e atingindo um final verdadeiramente heroico.

Felizmente veio um intervalo para que todos pudessem respirar depois dessas belas emoções.

Em seguida, o Trio Dumky, plural de “dumka”, forma musical eslava que alterna passagens meditativas e animadas, escrito por Dvorák. São seis movimentos, ou “dumky”, não muito longos. A integração entre o violino e o violoncelo revela-se desde as primeiras notas, com bela associação de timbres. Cada “dumka” é perfeitamente interpretada, com verdadeira introspecção nos movimentos lentos e animação contida e conservando um fundo de melancolia. Suntuoso violoncelo; brilhos melancólicos nas teclas do piano emergido do fundo sombrio, respiração melancólica do violino, tudo numa cumplicidade coesa e íntima.

O bis foi o terceiro movimento do Trio nº 1 de Mendelssohn, executado com espírito e brio.

Portanto, belo início de temporada o da Sala Watari, cujo programa ao longo do ano será o seguinte:

16 de Março - Kayami Satomi e Mauricy Martin (violoncelo e piano)
13 de Abril - Fernando Corvisier (piano)
18 de Maio - Ronaldo Rolim e Xiaohui Yang (pianos)
15 de Junho - Ariel Sanches e Marcos Aragoni (violino e piano)
10 de Agosto - Unicamp Ensemble
14 de Setembro - Clelia Iruzun (piano)
05 de Outubro - Quarteto Carlos Gomes
09 de Novembro - Enrique Graf (piano)
21 de Dezembro - Guido Sant’Anna e Cristian Budu (violino e piano)

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Apresentação do Trio Fukuda na Sala Watari [Divulgação]
Apresentação do Trio Fukuda na Sala Watari [Divulgação]

 

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