“Vamos olhar nos olhos um do outro em silêncio.” O poema não diz quanto tempo dura esse momento, mas era como se ele almejasse a eternidade. Em um encontro, a celebração do amor, mas também hesitação, angústia. Ainda que o poeta seguisse adiante, “e o silêncio da felicidade cai sobre nós”, o tempo parecia não querer sair do verso anterior.
Foi ali, com Morgen, de Richard Strauss, que o concerto da soprano alemã Diana Damrau na Sala São Paulo, na noite de sábado, de fato começou. Antes, a ária Non mi dir, do Don Giovanni, de Mozart, com a soprano ainda um pouco fria, deixara um gosto estranho, com a musicalidade que ela empresta ao texto convivendo com agudos que pareciam forçados, pouco naturais.
Mas veio Strauss, Morgen, Wiegenlied e Zueignung, e tudo pareceu resolvido. Como em Quel guardo il cavaliere, a cavatina de Norina no Don Pasquale, de Donizetti. Em entrevista a Irineu Franco Perpetuo, publicada na edição deste mês da Revista CONCERTO, Damrau falou do quanto ainda lhe interessa o repertório do bel canto: e o bom humor e a agilidade que se presta à narrativa, ao teatro, nunca ao efeito barato, também nos interessam, e muito.
Na segunda parte, os Quatro Madrigales Amatorios, de Joaquín Rodrigo, cada um exigindo – e recebendo de Damrau – caráter próprio. E, para encerrar a apresentação, em que foi acompanhada por uma ótima Orquestra Acadêmica do Mozarteum Brasileiro e pelo maestro Pavel Baleef, três árias de operetas, escolhas pouco óbvias em meio ao repertório, interessantíssimas, em especial Liebe, Du Himmel auf erden, de Paganini, de Lehár.
Em tudo o que canta, Damrau emprega o carisma e a sabedoria que tem de sobra ao colorir as palavras, construir as frases e dar personalidade às interpretações – mesmo em uma peça que ela provavelmente conheceu dias antes, a Xácara, de Alberto Nepomuceno, um dos quatro bis apresentados no sábado.
Então vem de onde a sensação, chatinha e insistente, de que faltou alguma coisa? Talvez do repertório. Mozart, bel canto, lied, música espanhola, opereta. Um pouquinho de tudo. Em cada gênero abordado, cabia um recital inteiro mas, na combinação de pedacinhos deles, faltou profundidade.
Houve, de qualquer forma, aquele verso de Morgen.
Momentos assim são únicos e, não é exagero, valem toda uma noite de música.
A soprano Diana Damrau volta a se apresentar nesta terça-feira, dia 18, na Sala São Paulo; veja mais detalhes aqui.
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Comentários
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Concordo que "Morgen" valeu…
Concordo que "Morgen" valeu o concerto inteiro. Foi um canto sublime, um canto de grande beleza. Vou guardar as minhas reservas sobre o resto do programa.