No último final de semana, estreou no Theatro São Pedro o espetáculo Grão da voz. Criado e dirigido por Ligiana Costa e com direção musical de André dos Santos, Grão da Voz tem como protagonista Bruno de Sá, acompanhado pelas orquestras profissional e jovem do Theatro São Pedro e por cantores da Academia de Ópera da casa. Este é terceiro ano consecutivo que o sopranista, uma estrela em rápida ascensão no mundo lírico internacional, apresenta-se no São Pedro.
Grão da voz se propõe a ser uma celebração da voz e é um espetáculo arejado e contemporâneo, no qual uma variedade de árias, lieder, canções populares e gravações – faladas ou cantadas – percorrem séculos de música em diversos idiomas. Parte desse repertório recebeu novos arranjos da compositora Juliana Ripke.
O espetáculo tem início com uma impactante performance de Casta diva, com Bruno de Sá na escuridão, com o rosto ligeiramente iluminado e tendo projetadas sobre o peito imagens de uma tridimensionalidade impressionante. “Uma voz significa isso: existe uma pessoa viva, garganta, tórax, sentimentos, que pressiona no ar essa voz diferente de todas as outras vozes. Uma voz põe em jogo a úvula, a saliva, a infância, a pátina da existência vivida, as intenções da mente, o prazer de dar uma forma própria às ondas sonoras”, nos explica Ítalo Calvino em citação projetada em vídeo logo em seguida.
Com várias mudanças cenográficas e alternância entre performances solo de Bruno de Sá, dos cantores da Academia de Ópera – Débora Neves, Laleska Terzetti, Willian Manoel e Ariel Bernardi – e a utilização de gravações, por vezes Grão da Voz perde um pouco do ritmo e do sentido de continuidade, embora nunca seja cansativo. Em parte, isto se dá pela opção do uso regular das gravações entre os números, ainda que sejam citações interessantíssimas ou uma linda canção como Pronta pra cantar, de Caetano Veloso, nas vozes de Nina Simone e Maria Bethania.
Há um aspecto muito atraente no espetáculo que é ver Bruno de Sá abrindo-se ao risco e experimentando um repertório que vai além daquele que tem feito em sua carreira no exterior. Evidente que um dos pontos altos de seu canto foi a ária “Siam navi all’onde algenti”, da ópera L’Olimpiade, de Vivaldi, mas também o foi o Martelo das Bachianas brasileiras nº 5.
Aliás, não apenas o canto, mas sua performance no geral, que envolve dança e mudança de figurino no palco, denota seu comprometimento e sua generosidade como artista. Por isso mesmo, ele talvez pudesse ter cantado mais ao longo do espetáculo. Os quatro cantores da Academia são jovens talentosos e se saíram muito bem nos números em conjunto, mas não tanto nos solos.
Outro ponto alto foi a videografia de Vic von Poser, que além da abertura proporcionou bons momentos como o mar agitado da ária de Vivaldi ou ainda a multiplicação das imagens dos cantores em Die Nachtigall, canção de Alban Berg que recebeu engenhoso arranjo para 12 vozes de Juliana Ripke. Muitos outros profissionais colaboraram para o sucesso da empreitada, incluindo Sofia Boito na dramaturgia e assistência de direção, Aline Santini no desenho de luz e os bailarinos Roberto Alencar e Alma Luz Adélia.
Renato Bolelli Rebouças fez a direção de arte e cenografia, enquanto Alma Negrot ficou responsável pelo figurino e visagismo. E aqui há uma questão importante a destacar: os cenários, figurinos, adereços e mobiliário utilizados pertencem aos acervos do Theatro São Pedro e do Theatro Municipal de São Paulo, promovendo não apenas a tão buscada sustentabilidade, como a parceria entre instituições e a reutilização criativa de materiais.
No conjunto, Grão da Voz merece ser louvado pela natureza de sua iniciativa, seja do ponto de vista artístico – passeando por tempos e estéticas, unindo um profissional estrelado a jovens em início de carreira, integrando música à dança, sons e imagens – seja pela forma como foi concebido, do reaproveitamento de materiais ao fato da criação ser assinada por toda equipe criativa. Este é o primeiro espetáculo dirigido pela musicóloga Ligiana Costa, que é também cantora e compositora, autora de álbuns-espetáculos instigantes como Eva e Sá. Tomara que seja o primeiro de muitos.
['Grão da Voz' segue em cartaz e terá récitas nos dias 11 e 13, no Theatro São Pedro; veja mais detalhes aqui.]
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