Igor Vieira: barítono brasileiro radicado nos EUA volta ao Rio em ‘A viúva alegre’

por Luciana Medeiros 18/04/2025

Em São Francisco há 20 anos, ele é um dos intérpretes de Danilo na nova produção da opereta em cartaz no Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Há 120 anos  – em 30 de dezembro de 1905 –  estreava em Viena a opereta A viúva alegre, sucesso imediato do austro-húngaro Franz Lehár. A comédia, no libreto original, envolve uma viúva milionária, Hanna Glawari, e as tentativas diplomáticas – ou nem tanto – de manter o patrimônio do falecido marido no seu pequeno país, Pontevredro. Ela parte para a capital do mundo – Paris, é claro. Atrás dela, é enviado o boêmio Conde Danilo, para seduzi-la e, com o casamento, manter os caraminguás no banco pontevedriano.

Um dos responsáveis pelo papel de Danilo na montagem que sobe ao palco do Municipal do Rio entre 17 e 27 de abril é um carioca radicado em São Francisco que seduz, em cena, mais do que a viúva: com uma pegada cômica talentosa, o barítono Igor Vieira dá aos cariocas uma bela chance de se divertir. Ele divide a temporada com Santiago Villalba na montagem com a assinatura de André Heller-Lopes na direção cênica e a batuta de Felipe Prazeres à frente da OSTM. A montagem traz a descoberta de Heller da tradução feita por Arthur Azevedo apenas quatro anos depois da estreia.

“Ninguém na minha família tinha ligação profissional com música. Meu bisavô era um rato de ópera, eu ainda o conheci e ele chegou a me ver em cena”, conta esse carioca que cresceu na Barra da Tijuca. “Meus pais? Esses eu tive que arrastar para a primeira ópera que assisti, ao vivo, aos 13 anos de idade, Madama Butterfly. Mas aos 7 anos, eles me levaram para ver o filme Amadeus, e me apaixonei pela música clássica. Daí para a ópera foi um pulo.”

Mas ele corrige a linha do tempo em seguida: “Antes da ópera, eu descobri o teatro, num curso dado no meu condomínio. E sempre me vi como um ator que sabe cantar, mais do que um cantor que sabe atuar.”  Aos 14 anos, cantando no coro do colégio, procurou um professor de canto. “Nas páginas amarelas”, diz Igor, mencionado um objeto que os mais jovens talvez nem saibam o que foi (cartas para a redação).

Aos 17, estreou profissionalmente numa montagem de Carmen, de Bizet, no antigo Metropolitan (casa de shows no Rio de Janeiro), vivendo Dancaïre, um dos contrabandistas. “E Pavarotti estava agendado para se apresentar ali poucos dias depois. Aproveitou para ouvir vozes brasileiras para seu concurso”, lembra Igor. As inscrições, dizia o comunicado, deveriam ser feitas por carta ou por fax – outros artefatos que os jovens não conhecem (cartas para a redação). “Dos 300 inscritos, passaram oito na audição brasileira – e eu, o mais jovem de todos.mCantei Di Provenza da Traviata de Verdi." A final, na Filadélfia, representou um ponto de virada para o jovem barítono, que decidiu fazer o bacharelado em Música no Westminster Choir College e o mestrado na Universidade do Missouri. “Recebi uma bolsa de estudos para a faculdade e decidi ficar.”

“Danilo é um bon-vivant, que só quer curtir a vida, passando longe do trabalho! Existe uma razão para A viúva alegre, como Traviata e Bohème, serem ainda tão populares mais de cem anos depois de suas estreias

A ligação de uma década com a Ópera de São Francisco começou em 2005. Uma audição para A flauta mágica, de Mozart, rendeu nada menos que seis outros convites. “Havia 15 companhias de ópera naquela região! É até triste constatar que, com a crise de 2008 nos EUA e a pandemia, o número caiu para sete.” Igor não abandonou completamente o Brasil: vinha cantar eventualmente, “no Theatro São Pedro de São Paulo, nos festivais de Belém e Amazonas, no Palácio das Artes em BH, várias vezes com a OSB... ainda não cantei no Municipal de São Paulo, nem no Metropolitan de Nova York.” No palco carioca, pisou pela primeira vez há 25 anos, de novo como Dancaïre da Carmen. “Acho que tenho uma habilidade natural para a comédia. Nos EUA, faço muitos papéis cômicos, como Dulcamara, Leporello, Fígaro. Mas adoro um drama também.”

“O Igor é daqueles artistas camaleônicos”, diz o diretor artístico do Municipal do Rio, Eric Herrero. “Tem uma entrega total ao personagem que vive, e nos transporta para o ambiente. Tive a alegria de contracenar com ele algumas vezes e o magnetismo que ele imprime em cena é tão forte que ajuda todo um elenco a ser coeso e dar o seu melhor.”

Entre os companheiros de palco nessa Viúva, está o tenor Fernando Portari: “Igor é um colega extraordinário, divertido, dedicado, um cantor excepcional, artista cheio de verve e muita inteligência cênica. Um orgulho para nós a trajetória brilhante deste cantor lírico brasileiro.”

A opereta ganhou locação carioca, que inclui até Carmen Miranda num cassino à beira-mar, na década de 1940, carregada no art-déco dos cenários de Renato Theobaldo e figurinos de Marcelo Marques. “Danilo é um bon-vivant, que só quer curtir a vida, passando longe do trabalho! Existe uma razão para A viúva alegre, como Traviata e Bohème, serem ainda tão populares mais de cem anos depois de suas estreias.”

Dentre os artistas nos quais se inspira, Igor cita Paulo Fortes, (“ícone da ópera brasileira e a pessoa que me mostrou como o cantor lírico pode e deve ser na verdade um artista lírico”) e Christa Ludwig (“lenda da ópera que me fez entender que cantar forte não é necessariamente cantar bem, e que fraseado é talvez a coisa mais importante ao se cantar”). 

“Moro em Oakland, do outro lado da baía de São Francisco”, conta. Depois da temporada carioca, seguem-se compromissos na California: montagens de I Pagliacci, O elixir do amor, Le villi e a cantata Carmina burana. Aos 48 anos, a verve cômica afiada em cena, Igor dessa vez vai ter na plateia seu Ivan e Dona Regina, felizes e orgulhosos – e sem ninguém arrastando os dois.

O barítono Igor Vieira em cena de 'A viúva alegre' [Divulgação/Daniel Ebendinger]
O barítono Igor Vieira em cena de 'A viúva alegre' [Divulgação/Daniel Ebendinger]

 

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