Certame ganharia com uma maior institucionalidade, um edital mais consistente e a observância de suas regras
Fiquei entusiasmado quando a Osesp lançou o Concurso Compositoras Latino-Americanas, uma de suas iniciativas para marcar os 70 anos da orquestra. Além de fomentar a criação de novas obras sinfônicas, a Osesp contribui assim para abrir espaço para mulheres na nossa atividade e fortalece sua relação com a América Latina.
Estive na Sala São Paulo na quinta-feira, dia 22, para assistir ao concerto da final que decidiu a premiação. Das 26 inscrições recebidas, um júri formado pela maestra Ligia Amadio e pelos compositores Silvia Berg e Aylton Escobar havia selecionado as três obras finalistas de autoria das compositoras Denise Garcia (1955), Eva García Fernández (1984) e Stephanie Macchi (1993). Sob regência do diretor musical e titular da Osesp Thierry Fischer, essas composições e uma peça de Clarice Assad foram então apresentadas.
Após o concerto, um novo júri se reuniu – desta vez, contudo, a banca foi formada pelo compositor Aylton Escobar, pela compositora Marisa Rezende e pela pianista Sonia Rubinsky (o único que permaneceu da banca anterior foi, portanto, o compositor Aylton Escobar) – para fazer o seu julgamento. A esta avaliação foram somados um voto da orquestra e um voto do maestro Thierry Fischer.
Pelo que entendi, a soma dos votos levou ao empate anunciado, que deu a vitória às duas concorrentes argentinas, Eva García Fernández e Stephanie Macchi. Para a compositora brasileira Denise Garcia foi conferida uma menção honrosa.
Antes de mais nada, o mais importante, que foi o espetacular trabalho apresentado pelas três concorrentes! Com uma pulsação intermitente e uma incrível força propulsora, a obra Imagem-tiempo de García Fernández é um caleidoscópio tímbrico de grande invenção. Denise Garcia apresentou C.A.C.O.S., uma obra de rica poética, também em movimento único, com um orgânico e bem-construído discurso musical. E Stephanie Macchi, com sua Pampeana, compôs, em linguagem moderna, uma inspirada suíte sinfônica em quatro movimentos.
Ainda que houvesse problemas pontuais, também a Osesp se saiu muito bem, tocando com convicção e conduzida com atenção por Fischer. Como pode ser viva, emocional e cativante a música de nossos dias! (Clique aqui para acessar o concerto digital na página da Osesp no YouTube.)
Alguma coisa, contudo, me incomodou nessa final. Talvez tenha sido a falta de “institucionalidade” do evento, já que nada no palco sugeria que aquele concerto fosse a final de um concurso internacional. Ainda que bem-feita, também achei que faltou um pouco mais de formalidade na introdução da coordenadora de planejamento artística, Gabriela de Souza. E, ao final do concerto, para o anúncio das vencedoras, apenas subiram ao palco o diretor executivo da Osesp, Marcelo Lopes, e o compositor Aylton Escobar. Por que não entraram os outros jurados? E o maestro Thierry Fischer, regente da noite? Fischer, diretor da orquestra e responsável por um dos cinco votos, não cumprimentou as vencedoras?
Frustrou-me também a decisão do empate, que é sempre uma solução fácil – mas nem sempre a mais acertada ou justa. Recorri ao edital do Concurso para ver se havia ali alguma informação sobre o processo de premiação. Infelizmente, contudo, descobri que o regulamento é vago, deixando vários pontos em aberto (clique aqui para acessar o edital).
O edital não faz nenhuma menção ao voto da orquestra ou ao voto do maestro Thierry Fischer – que, no entanto, parecem-me absolutamente legítimos. O edital apenas cita uma banca de jurados – ali entende-se que a banca que faria a seleção inicial seria a mesma do concerto final –, “formada por 3 (três) compositores de reconhecimento internacional”. Ora, não são compositoras a maestra Ligia Amadio e a pianista Sonia Rubinsky, ainda que sejam artistas reconhecidas e de projeção internacional.
Como o edital é omisso em relação ao processo, coube ao diretor executivo Marcelo Lopes, na noite do concerto, decidir se seria possível aceitar ou não o empate, e decidiu então, “salomonicamente” como afirmou Aylton Escobar, pelo empate como resultado final.
Acredito que uma maior institucionalidade, um edital mais consistente e a observância de suas regras emprestariam uma relevância ainda maior ao certame. Um edital mais consistente não necessitaria de uma decisão “salomônica” do diretor executivo da Osesp – e nem de uma menção honrosa para uma compositora veterana de carreira reconhecida e consolidada, livre-docente de uma das principais universidades do país. Um edital mais consistente garantiria um escrutínio mais formal e à altura das ótimas obras que as três finalistas apresentaram!
Parabéns às vencedoras e aguardamos a segunda edição do concurso, já anunciada por Marcelo Lopes na noite de premiação. Vida longa ao Concurso Compositoras Latino-Americanas da Osesp!
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