De Beethoven a Varèse, em novo horário, para novos públicos

por Camila Fresca 13/05/2024

Na sexta-feira, dia 10, a Osesp realizou o segundo concerto de uma série que tem acontecido em novo horário – e a preços populares. Em nove sextas-feiras dessa temporada, a apresentação noturna será substituída pelo horário das 14h30, com preço único de R$ 39,60. Às 14h, o clima nos saguões era de descontração, com muita gente indo e vindo, entre aqueles que frequentam a Sala São Paulo para um almoço ou café junto dos que chegavam para o concerto. Por isso mesmo, a leitura do ingresso era feita apenas nas portas de entrada da sala de concerto.

Na plateia, excursões escolares se misturavam a vans que traziam público do interior, como era o caso das amigas que se sentaram na fileira atrás da que eu me encontrava. Mais do que universitários, o público escolar dominava entre os mais jovens. Somados a estes, os frequentadores habituais da Sala São Paulo, em diferentes tribos igualmente representadas. 

Dois eixos estruturaram o programa: de um lado, a primeira Escola de Viena, um dos pilares dessa temporada, com o Concerto nº 1 de Beethoven dando início à integral dos concertos para piano do compositor com Tom Borrow. De outro lado, peças do século XX que, em maior ou menor grau descritivo, retratam aspectos do continente americano. 

A tarde começou com Central Park no escuro, breve peça escrita em 1906 pelo norte-americano Charles Ives. Sentado num banco do parque numa noite de verão, um indivíduo contempla tanto a natureza quanto o movimento humano de seu entorno. Sem a ambição de criar uma música nacional, Ives se insere, no entanto, no modernismo musical, tanto por sua temática como pela linguagem musicalmente ousada (e por vezes radical) de suas obras. Quase como uma expectativa que não se cumpre (o subtítulo da obra, por sinal, é “contemplação de nada muito sério”), a peça serviu como abertura para o primeiro concerto de Beethoven, obra de 1792 ainda calcada na linguagem do classicismo.

Na segunda parte do programa, a temperatura subiu. A orquestra de tamanho reduzido deu lugar a um grande conjunto orquestral, destinado a interpretar duas peças emblemáticas do século XX: Uirapuru de Heitor Villa-Lobos, e Amériques, de Edgar Varèse. Há muitos pontos em comum entre as músicas e seus autores. Contemporâneos, Varèse e Villa-Lobos se conheceram na década de 1920 em Paris e se tornaram amigos. 

Em Uirapuru, Villa-Lobos procura descrever um “pássaro encantado” que se transforma num lindo indígena, disputado pelas moças que o encontram. O enredo serve de pano de fundo para uma música que explora a cultura brasileira – sobretudo indígena – na intenção de construir uma música nacional. Do ponto de vista musical, se o canto do uirapuru, enunciado pelo sax, tem um quê do tema para flauta que abre o Prelúdio para a tarde de um fauno, de Debussy, logo somos sacudidos por uma linguagem áspera, “bárbara”, construída em paisagens e blocos sonoros inspirados por Stravinsky.

O francês Edgard Varèse esteve presente na célebre estreia da Sagração da primavera, em 1913, em Paris. Amériques, cuja primeira versão foi finalizada em 1921, dá sinais claros de que o mestre russo também causou impacto no músico francês, que já na década de 1910 imigrou para os Estados Unidos (que acabaria adotando como pátria). A obra procura transmitir os sons caóticos da metrópole moderna, com a utilização reiterada de uma sirene. Aqui, igualmente, temos um tema de abertura enunciado pela flauta que lembra Debussy e dialoga com o tema do Uirapuru de Villa-Lobos.

A estreia parisiense de Amériques aconteceu em 1929, num programa dedicado à música do Novo Mundo e que tinha também o poema sinfônico Amazonas, de Villa-Lobos. Pena que a Osesp não pensou em programar o Amazonas junto de Amériques, para que tivéssemos o gostinho de uma pequena repetição daquele célebre concerto visto pelo público de Paris há quase um século.

De qualquer forma, a orquestra esteve afiadíssima no repertório, com destaque para a direção precisa e enérgica do maestro Thierry Fischer na peça de Varèse. Estas peças do século XX integram o repertório que a Osesp levará na turnê que faz à Europa, em agosto, e que terá ainda o Concerto para violino de Ginastera com Hilary Hahn (e que a orquestra toca na Sala São Paulo em junho).

Talvez o público que lotava a Sala São Paulo naquela tarde ensolarada tenha ido atraído pelo horário, ou pelo preço dos ingressos. De qualquer forma, o repertório do século XX não espantou; ao contrário, houve mais vibração com Villa e Varèse do que com o classicismo de Beethoven. 

Sair de um belo concerto às 17h de uma sexta-feira e seguir para o final de semana é uma experiência estimulante, a crer pela reação do público. A cidade de São Paulo, aliás, comporta muitos públicos, e tem espaço para muitas experiências – como um concerto sinfônico às 14h30 em um dia de semana. 

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O pianista Tom Borrow durante concerto com a Osesp [Divulgação]
O pianista Tom Borrow durante concerto com a Osesp [Divulgação]

 

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