Há tempos acompanho de longe a Classical:NEXT, um grande encontro internacional em torno da música clássica. Além de promover conferências sobre os mais diversos temas, da educação musical à gestão, a Classical:NEXT aluga estandes, como nas grandes feiras da indústria e do comércio, em que os expositores apresentam os seus produtos: instrumentos musicais, selos de CDs, grupos de música, serviços de streaming, softwares de edição ou para exibição de partituras, revistas especializadas, enfim, tudo o que engloba o setor da música clássica, e “música clássica” aqui entendida de uma maneira bem abrangente.
Pois acabei me decidindo, me inscrevi e visitei a oitava edição da Classical:NEXT, em Roterdã, na Holanda, entre os dias 15 e 18 de maio passado. E é mesmo a ideia da “indústria da música”, como ali se ouve em todas as conversas, que permeia o evento. Indústria como todo o ecossistema econômico no qual a atividade está inserida, a partir de uma visão mais de mercado mesmo. Um grande network de contatos é incentivado com a finalidade de fechar negócios, que podem ser desde acertar uma turnê de concertos ou viabilizar a gravação ou distribuição de um CD, até o comércio de instrumentos ou partituras. Eu encontrei colegas com os quais a Revista CONCERTO mantém vínculos (Gramophone, Digital Concert Hall ou Naxos) e conheci outros profissionais e iniciativas importantes.
Mas, se é verdade que a indústria da música está sempre presente, a Classical:NEXT também aborda com ênfase aspectos estratégicos – artísticos e sociais – da atividade. Assim, por exemplo, a edição deste ano abrigou importantes discussões sobre os desafios do ensino musical confrontando experiências de diversas partes do mundo, debateu assuntos como o do futuro da música e o da difusão da música nas novas plataformas digitais, ou promoveu discussões sobre organização de orquestras e gestão cultural.
Entre as conferências a que assisti, ainda que todas muito interessantes, julguei algumas um pouco superficiais. Talvez uma das razões tenha sido o fato de que todas elas eram relativamente curtas (entre 45 e 60 minutos) e uma intensa participação do público era incentivada. Se por um lado a ideia parece boa, pois alarga os tópicos abordados com experiências pessoais, por outro rouba dos palestrantes o tempo para uma exposição mais aprofundada.
A Classical:NEXT também organiza showcases, em que artistas previamente selecionados apresentam seus trabalhos. Além disso, acontecem project pitches, apresentações de meia hora de projetos musicais, uma verdadeira vitrine para promotores de concertos. Como uma das intenções da Classical:NEXT é a de derrubar barreiras e alagar públicos, muitos trabalhos trazem conexões com outras artes, como projeções em telão ou trabalhos coreográficos. Os concertos aos quais assisti nos showcases, todos eles, eram voltados a uma música contemporânea acessível, mas sempre dentro de formatos inovadores. Aliás, todos eles muito bons!
Entre os brasileiros que participaram ou visitaram a Classical:NEXT 2019 estavam a pianista Joana Boechat (que apresentou um project pitch do Duo Lumia, trabalho que desenvolve com o artista Henrique Roscoe), o compositor Celso Mojola (que participou de um painel intitulado “ativismo clássico”), o compositor Alexandre Guerra, o cravista Bruno Procópio e a maestrina Ligia Amadio, que, por seu trabalho para abrir espaço para mulheres regentes, concorreu ao Prêmio Inovação.
Tivemos no Brasil, entre os anos de 2014 e 2016, um valioso encontro de nossa classe musical, que foi o MultiOrquestra, promovido pelo British Council. Ali também debatemos sobre as dificuldades e sobre os desafios para o desenvolvimento da atividade clássica no Brasil, em estreito contraponto com a realidade e as experiências de colegas britânicos. Infelizmente, contudo, o MultiOrquestra, previsto de antemão para 3 edições, não teve continuidade. [Clique aqui para uma seleção de publicações do Site CONCERTO sobre as conferências MultiOrquestra.]
Em um mundo em que as comunicações vivem provavelmente a maior revolução desde Gutenberg – e em que o valor da cultura é constantemente colocado em xeque – esses encontros e debates são uma lufada de oxigênio. Como todos gostam de repetir: temos de nos reinventar, temos de pensar fora da caixinha, temos de sair de nossa zona de conforto. (É isso mesmo, está tudo certo. Ainda que, nos mais de 35 anos que estou na área, não conheci essa zona de conforto...)
Veja outras fotos da Classical:NEXT:
Leia mais
Opinião Transformação social e o futuro da música clássica, sobre a Classical:NEXT de 2017, por Anahi Ravagnani e Leonardo Martinelli
Notícia Instituto Piano Brasileiro descobre Santoro inédito, por Irineu Franco Perpetuo
Opinião Elisa Freixo, Marília Vargas e o órgão de Tiradentes, por Camila Fresca